Considero hoje, sem favor nenhum, Jessé Souza como o melhor intérprete da atual conjuntura brasileira. O seu fôlego teórico equivale a, praticamente, reescrever o Brasil, no que se refere às suas maiores interpretações e intérpretes. Por essa razão, compro e leio, sistematicamente, todos os seus livros. Foi o que fiz agora com A elite do atraso - da escravidão a Bolsonaro. Já na capa do livro tem uma importante nota: edição revista e ampliada. Isto implica em dizer que o livro tem uma íntima relação com A elite do atraso, da escravidão à Lava Jato, de maio de 2017.
Não sei se pelo conjunto da obra, ou pela influência desse livro que acabo de ler, é que o considero como o melhor dos livros de Jessé. O livro de 2017 contém inúmeras referências teóricas que não são de domínio fácil, mesmo no meio acadêmico. Essas referências são agora mais trabalhadas e, a elas se somam novos referenciais. Eu particularmente fiquei muito satisfeito com as referências feitas a Max Weber, sobre o patrimonialismo, a Habermas, sobre a formação dos espaços públicos e a Norbert Elias, sobre o processo civilizatório. É à luz deles que ele vê os intérpretes de Brasil, apontando os seus erros, que considera propositais.
Entre esses intérpretes, quase que por inteiro, isenta de culpa a Gilberto Freyre e as posições defendidas em seus dois grandes livros, Casa Grande&Senzala e Sobrados e Mucambos, sobre a escravidão brasileira, suas peculiaridades e diferenças da dos Estados Unidos e sobre o primeiro processo de urbanização brasileira. Os mucambos seriam a continuidade da senzala? Mas se ele isenta Freyre, ele não perdoa a Sérgio Buarque de Holanda e o seu Raízes do Brasil. Aponta para o conceito nele trabalhado do homem cordial, em oposição ao homem do espírito, racional, disposto ao discernimento e ao empreendedorismo, ao contrário do homem cordial, passional e sempre disposto ao jeitinho, já numa referência a Roberto da Matta.
Quem também é merecedor da mais ácida crítica é Raimundo Faoro, e ao seu erudito livro Os donos do poder, onde é desenvolvido o conceito do patrimonialismo, incrustado no Estado brasileiro, numa longa herança portuguesa, desde o século XIV. Faoro desenvolve a tese da maldição do Estado em oposição às virtudes do mercado. Para ele os países virtuosos são os do livre mercado, ao contrário dos países onde há forte intervenção econômica que são dados à corrupção. Desses conceitos emana o famoso vira-latismo brasileiro e as teses decorrentes. É melhor entregar as nossas riquezas para os homens do espírito, racionais e empreendedores, do que para homens com apegos ao afeto e ao jeitinho e entregá-las à iniciativa privada, longe da corrupção do Estado, inata no Brasil por um longo processo histórico de herança portuguesa.
Essas interpretações surgiram após os reveses sofridos pela elite dominante em 1930, com a criação da universidade, a USP em particular, e o seu consórcio com as editoras e os meios de comunicação de massa. Se estabelece uma aliança entre a elite e a classe média, classe essa, substituta do capitão do mato do regime da escravidão. Os espaços que deveriam ser públicos sempre foram colonizados pela elite do dinheiro, numa aliança que sistematicamente impede avanços da "soberania popular", que eles odeiam profundamente. Aí surge um terceiro conceito, que Jessé pouco analisa, que é o conceito de populismo, desenvolvido por Francisco Weffort, em O populismo na política brasileira.
Por essa aliança tivemos dois golpes de Estado, o de 1964, civil e militar, e o "Golpeachment" de 2016, midiático/judicial/parlamentar. O que foi impedido por esses golpes? Os anos entre 1945 e 1975 foram considerados como os anos de ouro do capitalismo internacional, que tiveram reflexos também no Brasil. Para que o povo não usufruísse desses benefícios é que ele foi submetido às políticas de austeridade. E, se com a eleição de Lula em 2002, esse povo começou a usufruir algumas benesses através da implementação de políticas públicas, essas foram abortadas antes que as classes médias dividissem novos espaços com as classes pobres, que por uma herança da escravidão, a elite e as classes médias odeiam profundamente. Como consequência, as classes pobres são reduzidas à situações idênticas às vividas na escravidão. Essa é a tese do livro. O Brasil é tão desigual, não pelo "homem cordial", pelo patrimonialismo estatal ou pelo populismo, mas sim, pela herança da escravidão. Por pesquisas empíricas ele apresenta a atual classe média brasileira, da qual falarei em post específico.
Em síntese, são esses os grandes passos do livro, do qual dou agora a sua estruturação básica. Além de prefácio, posfácio e notas de referência o livro está divido em três capítulos, com subcapítulos. O prefácio tem por título "O racismo de nossos intelectuais: o brasileiro como vira-lata" e o posfácio - "Um país em transe: as razões irracionais do fascismo".
Os três capítulos são: I. A escravidão é nosso berço, com os seguintes subcapítulos: 1.O mundo que a escravidão criou; 2. Freyre contra ele mesmo; 3. Sobrados e mucambos ou o campo na cidade.
O II capítulo tem como título: As classes sociais do Brasil moderno, com os seguintes subcapítulos: 1. A criação da ralé (uma categoria com a qual o autor trabalha - não tem significado pejorativo) de novos escravos como continuação da escravidão no Brasil moderno; 2. Os conflitos de classe no Brasil moderno; 3. O pacto antipopular da elite com a classe média; 4. A classe média e a esfera pública colonizada pelo dinheiro; 5. O moralismo patrimonialista e a crítica ao populismo como núcleo do pacto antipopular; 6. O pacto elitista e sua violência simbólica; 7. A elite do dinheiro e seus motivos; 8. A classe média e suas frações.
O título do III capítulo é: A corrupção real e a corrupção dos tolos. Tem dois subcapítulos: 1. A corrupção real e a corrupção dos tolos: uma reflexão sobre o patrimonialismo; 2. Normalizando a exceção: o conluio entre a grande mídia e a Lava Jato. Uma leitura imprescindível para compreender o Brasil atual e as razões do golpe de 2016.
Os três capítulos são: I. A escravidão é nosso berço, com os seguintes subcapítulos: 1.O mundo que a escravidão criou; 2. Freyre contra ele mesmo; 3. Sobrados e mucambos ou o campo na cidade.
O II capítulo tem como título: As classes sociais do Brasil moderno, com os seguintes subcapítulos: 1. A criação da ralé (uma categoria com a qual o autor trabalha - não tem significado pejorativo) de novos escravos como continuação da escravidão no Brasil moderno; 2. Os conflitos de classe no Brasil moderno; 3. O pacto antipopular da elite com a classe média; 4. A classe média e a esfera pública colonizada pelo dinheiro; 5. O moralismo patrimonialista e a crítica ao populismo como núcleo do pacto antipopular; 6. O pacto elitista e sua violência simbólica; 7. A elite do dinheiro e seus motivos; 8. A classe média e suas frações.
O título do III capítulo é: A corrupção real e a corrupção dos tolos. Tem dois subcapítulos: 1. A corrupção real e a corrupção dos tolos: uma reflexão sobre o patrimonialismo; 2. Normalizando a exceção: o conluio entre a grande mídia e a Lava Jato. Uma leitura imprescindível para compreender o Brasil atual e as razões do golpe de 2016.
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