domingo, 13 de dezembro de 2020

Os Noivos. Alessandro Manzoni.

Lendo a bela biografia do memorável papa João XXIII, deparei com o fato de sua grande afeição a um romance, que, inclusive, o teria influenciado no seu breve mas profícuo pontificado (1958-1963). Trata-se de Os Noivos, do escritor e ativista político italiano Alessandro Manzoni. A personagem pela qual o santo papa (este sim - um santo) mostrou maior admiração era Inês, em função das soluções que sempre encontrava diante das dificuldades, mesmo que impossíveis. Inês era a mãe de Lúcia Mondella, que junto com Renzo Tramaglino, formam o par romântico da obra.

 Os Noivos. Alessandro Manzoni. Abril Cultural. 1971. Tradução Marina Guaspari.

Outro fato que muito me chamou a atenção netsa biografia foi a sua admiração por São Carlos Borromeu, um antigo cardeal da cidade de Milão. Lhe admirava a sua profunda generosidade e vida dedicada aos pobres da cidade. Esses dados me levaram à busca do livro. O encontrei na coleção "Os imortais da literatura universal", uma edição da Abril Cultural, publicada em 1971. Em 2012, numa viagem ao norte da Itália eu visitava a cidade de Stressa, junto ao Lago Maggiore, no qual visitamos as Ilhas Borromeu e o famoso palácio que leva o nome da família. O guia muito nos falou do poder dessa família, mas não fez essa menção à sua generosidade. Falava do poder da família que se estende até os dias de hoje. Em Milão, lembro também de um monumento em homenagem a Alessandro Manzoni, por sua dedicação à causa da unificação italiana. Tudo isso me levou à leitura imediata do livro.

O livro é muito simples. Uma grande história de amor. Mas o que faz o escritor com esta história de amor? Insere nela a história da cidade de Milão. Antes de falar da concepção do livro vamos a dois dados da contextualização, tanto do livro, quanto do escritor. Alessandro Manzoni nasceu em Milão em 1785 e morreu na mesma cidade em 1873. O livro foi escrito, numa primeira versão entre os anos de 1821-1823 e reescrito entre 1825-1827, em três volumes. Chegou a ver, portanto, a sua tão sonhada unificação italiana (concluída em 1871). O livro faz uma retrospectiva de aproximadamente duzentos anos, para escrever a história de sua cidade, nas décadas de 1620 e início da de 1630. Nesse intento pesquisou a obra de Giuseppe Ripamonti, História de Milão. Na época a cidade estava sob domínio espanhol. Os personagens, no entanto, são seus. Entre eles estão os mais famosos - O Inominado, a monja de Monza e o Cardeal Frederico Borromeu.

No livro de biografias que acompanha a coleção encontramos o seguinte sobre a concepção da obra: "Manzoni simula basear-se num manuscrito do século XVII, por ele remanejado, segundo informa o subtítulo: História milanesa do século XVII descoberta e refeita por Alessandro Manzoni". Quanto a trama, lemos o que segue:

"A trama da obra gira em torno do amor de Renzo e Lúcia - os noivos - que, para poderem casar-se, tem de vencer os obstáculos colocados pelo vil Dom Rodrigo, poderoso senhor espanhol. Frei Cristóvão é uma das pessoas que se compadecem dos apaixonados; tenta ajudá-los, mas não logra vencer as artimanhas do tirano. A monja de Monza, princesa confinada ao convento, toma Lúcia sob sua proteção. Entretanto, não consegue impedir que a moça seja raptada pelos capangas do Inominado, misterioso cúmplice de Dom Rodrigo. Pouco tempo mais tarde, tocado pela graça divina, o Inominado se arrepende de seu crime e decide ajudar Renzo e Lúcia na concretização de seus sonhos.

Os protagonistas de Os Noivos são invenção do autor; contudo, o cenário histórico e social em que se movem é real, e a ele a crítica moderna se volta com renovado interesse. O público da época, empolgado com as aventuras dos noivos, não percebera a profundidade da visão humana e social de Manzoni. Um dos pontos altos do romance é justamente a descrição da peste de Milão, subsequente a um devastador ataque de lanceiros alemães. O medo da morte leva os cidadãos a lutarem entre si; qualquer 'untador', ou seja, suspeito de transmitir a peste, era sumariamente executado pela turba, com a conivência das autoridades".

Quanto a peste, ela merece um destaque todo especial. A riqueza de sua descrição. Isso ganha particular interesse em virtude de vivermos em tempos de pandemia. Quantas semelhanças. Quanta ignorância! Tem até um personagem, Dom Ferrante, tido como um homem culto, que morre com a peste, por descuidos em se prevenir, por simplesmente negar a doença e a sua contaminação. Vários dos capítulos, já ao final da obra, são dedicados à peste. Atende a uma série de curiosidades, a comparações de época.

Entre os personagens do bem, ganham grande destaque os convertidos, como o Inominado e o próprio Frei Cristóvão. É impossível não se apaixonar por esse frei. Também a generosidade do cardeal Frederico Borromeu ganha destaque, junto com o tratamento severo que ele dá a Dom Abbondio, um padre pusilânime, que se nega a casar os noivos em virtude dos interesses de Dom Rodrigo pela jovem Lúcia.

O livro termina com as razões que o autor encontrou para escrever o romance. Depois das considerações de Renzo o noivo, chega a vez de Lúcia falar: "E eu? Que quer você que eu tenha aprendido? Não fui buscar os contratempos; foram eles que me procuraram. A não ser - acrescentou, sorrindo - que o meu disparate seja querer-lhe bem e ser sua mulher.

A princípio, Renzo ficou entalado; depois de um longo debate, convieram os dois em que os dissabores não raro nos vêm da irreflexão, mas que o procedimento mais inocente e cauteloso não basta para conjurá-los; e, quando nos afligem, por falta nossa ou alheia, a confiança em Deus os atenua e torna proveitosos, para uma vida melhor.

Embora resulte dum raciocínio de criaturas humildes, esta conclusão parece-nos tão justa e acertada, que aqui transcrevemos, como suma de toda a nossa narrativa".

O autor - Manzoni, é importante dizer, que depois de muitas peregrinações ao longo de uma "boa vida", também é um convertido ao catolicismo. E, para terminar, o meu agradecimento ao querido papa João XXIII por essa dica de leitura.

A bela biografia do papa João XXIII.

E a resenha da biografia: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/12/papa-joao-xxiii-thomas-cahill.html




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