terça-feira, 16 de março de 2021

O Brasil no espectro de uma Guerra Híbrida. Piero Leirner.

Procurando compreender os bastidores da política brasileira recente, mais precisamente após o golpe 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018, me deparei, entre outros, ao menos com três livros bem interessantes: Bolsonaro - o mito e o sintoma, de Rubens Casara, A República das milícias - dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso e, por último, O Brasil no espectro de uma Guerra Híbrida - militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. Três livros profundamente reveladores e impactantes.

O Brasil no espectro de uma guerra híbrida. Piero Leirner. Alameda 2020.

A República das milícias e O Brasil no espectro de uma Guerra Híbrida tem em comum o delicado tema da ação das forças armadas. Em ambos, são os herdeiros dos militares da chamada "linha dura", dos "anos de chumbo" que são os protagonistas. Militares inconformados e ressentidos com o desfecho do golpe de 1964, regime do qual queriam a continuidade. No primeiro livro é abordada a questão dos esquadrões da morte e a sua migração para as milícias e, no segundo, o protagonismo exercido pelo grupo, especialmente pela ação dos generais Augusto Heleno e Villas Boas nos bastidores do governo Dilma e provocando a "guerra híbrida", da qual resultou a eleição de Bolsonaro, guerra que, longe está por acabar.

Por fidelidade ao livro, apresento primeiramente a orelha do livro, numa bela síntese: "Este livro trata de um tema novo, a assim chamada Guerra Híbrida, e o modo que ela está sendo realizada no Brasil. Não se trata de uma "guerra clássica", com fogo, mas de uma guerra que visa sobretudo a captura e neutralização de mentes. Suas "bombas" são antes de tudo informacionais, visam causar dissonâncias cognitivas e induzir as pessoas a vieses comportamentais: percepção, decisão e ação passam a trabalhar a favor de quem ataca. Seu objetivo último é o que se chama nas teorias desse tipo de guerra de uma "dominação de espectro total". Essa ideia de "totalidade" está no âmago da Guerra Híbrida: não há mais a separação entre guerra e política, ou "tempo de guerra/tempo de paz"; todos passam a ser, voluntária ou involuntariamente, combatentes; e não se vê exatamente nem seu princípio, nem seu fim.

A hipótese central aqui levantada é que o Brasil foi, e é, um laboratório onde este modelo foi aplicado. Embora estejamos falando de algo que remonte a vários fenômenos que atravessaram a última década - sociais, políticos, culturais e militares - constatou-se aqui o acionamento de elementos que estavam latentes há muito tempo. O caso aqui estudado leva a um dos protagonistas principais desta forma de guerra e sua estratégia: um certo grupo de militares, operações psicológicas e o modo como isso se disseminou na política. O resultado, que vai muito além da eleição de 2018, é a dissonância generalizada que impera no Brasil hoje, que aqui segue um dos conceitos centrais da Guerra Híbrida - a cismogênese".

É um livro complexo e exige muitos pré-requisitos para a sua leitura, especialmente no campo da teoria. O livro tem um prefácio, de Marco Antônio Gonçalves, sob o título Adeus Tocqueville! A Guerra Híbrida e novos sentidos da democracia, que fala da retomada do poder pelos militares e da forma como isso foi feito, especialmente pelo uso das redes sociais. Tem-se nele o primeiro contato com os termos Guerra Híbrida e Cismogênese.

O livro está estruturado em três capítulos, precedidos por uma longa introdução e sucedidos por uma conclusão, que bem poderia também ser o capítulo final do livro. Os três capítulos tem por título: 1. O lugar do antropólogo; 2. O lugar da guerra: problemas conceituais e terminológicos; 3. A cismogênese Dilma - militares e além. A conclusão leva por título o termo alemão Blitzkrieg.

Na introdução temos uma breve análise de conjuntura dos fatos, a partir de 2014, como a Lava Jato, Comissão da Verdade e o governo Dilma e a relação com os militares; as palestras de Olavo de Carvalho no Clube Militar, as paranoias em torno do Foro de São Paulo, as ações do Poder Judiciário em orquestração com os setores militares; estes e a Guerra Híbrida e, ainda, a relação entre etnografia, Guerra Híbrida e redes sociais.

No capítulo primeiro o foco vai para os estudos que os antropólogos fazem dos movimentos militares, para estudar em profundidade a sua cultura e o seu pensamento, chegando até o novo momento das guerras, que são as Guerras Híbridas, com o aprisionamento das mentes pela produção de consensos em torno das novas formas das operações militares. Um capítulo de muita história dos últimos movimentos militares, especialmente por parte dos Estados Unidos.

No segundo capítulo é apresentado o Estado neoliberal, que para transferir a renda para o 1% privilegiado da sociedade, em favor dos papeis e contra a produção e o trabalho, precisa de uma guerra total e permanente e da militarização do Estado. Isso só pode ser atingido por uma nova forma de fazer a guerra, a Guerra Híbrida, com o captar das mentes. O caso brasileiro, a partir de 2013. passa a ser o tema abordado.

Creio que a maior razão de ser do livro é o seu capítulo terceiro: A cismogênese Dilma, em que são analisadas as células que se formam nos meios militares, a sua observação das ações do governo da "ex-guerrilheira"  e a "janela de oportunidades" que se abre para o personagem Jair Bolsonaro. Ó capítulo é uma extraordinária contextualização dos fatos e dos personagens envolvidos. Chama a atenção também a fraca percepção das ações militares pelo governo Dilma, especialmente pelos Ministérios da Justiça e da Defesa.

Na conclusão continua a análise da fraca percepção da movimentação dos militares contra o governo Dilma, uma breve análise do governo Temer e a captura de sua pauta das reformas, com a intervenção militar no Rio de Janeiro e o direcionamento do mercado em favor da campanha da candidatura de Bolsonaro. Por fim detalhes da campanha.

Piero Leirner também merece uma palavra. Que pesquisa! Que pesquisador! Na orelha da contracapa lemos: "Piero Leirner é Doutor em Antropologia pela USP e Professor Titular do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFS-Car. Estuda temas relacionados aos militares, guerras e hierarquia desde o começo da década de 1990. Super recomendo a leitura.

2 comentários:

  1. Vou comprar o Livro. Tenho acompanhado as análises do Piero no site Duplo Expresso

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  2. Será, com certeza, uma bela aquisição e uma leitura muito esclarecedora, meu amigo. Agradeço a sua manifestação.

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