quinta-feira, 17 de junho de 2021

Ivanhoé. Walter Scott. As origens do romance histórico.

Ao assistir um episódio de Mundo visto de cima, que mostrava cenários e castelos medievais do Reino Unido, tomei a decisão de ir um pouco além. Retirei, da minha estante, o volume de número 37 - da coleção Os imortais da literatura universal e o adiantei na fila de minhas leituras. Trata-se do romance que mistura romantismo e história e que, em muito, aprofunda o conhecimento sobre a formação histórica deste país. No romance estão entremeadas histórias de amor com fortíssimas doses de nacionalismo. Este, especialmente, por conta dos povos saxões. Há, inclusive, uma absurda cena de ressurreição. Estou falando de Ivanhoé, de Walter Scott.

Ivanhoé. Walter Scott. Abril. 1972. Tradução: Brenno Silveira.

Walter Scott nasceu na cidade de Edimburgo, Escócia, no ano de 1771, vindo a morrer na mesma Escócia, no ano de 1832. As biografias do autor dão o merecido destaque a esse fato. Um sentimento saxônio o acompanhou pela vida afora. As biografias também destacam que Walter, mais tarde Sir Walter, era mau aluno em latim e matemática, mas que nos intervalos das aulas ganhava a atenção de seu colegas, pelas histórias que ele contava. Histórias que ele ouvira de seu avô, ou que tinha lido, de livros retirados da pequena biblioteca do mesmo avô. São as raízes desse romancista, que entremeia fatos históricos, especialmente medievais, com apaixonadas e heroicas histórias de amor.

Ivanhoé é um belo exemplo dessas características do escritor. Ele tem a parte romântica, na dedicação e amor, ou verdadeira paixão, à tradição dos saxônios (Cedric), entremeadas de ardentes histórias de amor, em meio a batalhas e disputas entre os irmãos Ricardo I e João, reis da Inglaterra. Estes reis são Ricardo Coração de Leão (1189 - 1199), famoso pela sua participação nas Cruzadas e o seu sucessor João, o João sem Terra (1199 -1216), muito conhecido pela famosa promulgação da Magna Carta (1215). Estão aí os ingredientes do romance de 556 páginas, com letras miudinhas, divididas ao longo de 44 capítulos. A estrutura narrativa é feita com muita habilidade. A leitura não para.

Essas contextualizações são importantes para se ter uma compreensão melhor do romance e também para penetrar um pouco mais no interior da história medieval, uma história cheia de violências e de traições, sempre por causas ditas e tidas como nobres. As guerras eram "santas". As lutas eram travadas não por causas terrenas, mas sempre sim, por causas e interesses divinos. Quanta farsa! Vamos ver um pouco dos personagens e do roteiro, sem entregar a narrativa.

O espaço territorial do atual Reino Unido, nesse período, era formado por uma aliança normando-inglesa, sendo o poder exercido pelos irmãos Ricardo e João, com grandes disputas, quando Ricardo estava preso em poder dos austríacos. Essa disputa está presente em praticamente todos os capítulos do livro. O rei João tem ao seu lado os cavaleiros templários, com destaque para o mau Brian de Bois Guilbert. Ricardo, depois de pago o seu resgate, volta a Inglaterra para tomar o poder do irmão com a ajuda de Ivanhoé, o personagem central e título do romance. Também Robin Hood (Locksley) aparece ao lado de Ricardo e de Ivanhoé. Ricardo também recebe o apoio do saxônio Cedric, pertencente aos últimos herdeiros nobres desse povo. Ele é o tutor da bela jovem Rowena e o pai de Ivanhoé, filho que ele renegara, pela sua inclinação para o lado dos normandos. Também o judeu Isaac e a sua bela filha Rebecca aparecem na narrativa. As guerras precisam de financiamento para as batalhas, para armar os cavaleiros e pagar os resgates. (A atuação de Isaac se parece com o capitalismo financeiro dos dias atuais - sempre desdenhado mas sempre desejado). 

É desnecessário dizer que as duas belas jovens são disputadas com todo o ardor. São pontos altos do romance, a descrição dos templários, muito, mas muito cristãos e a descrição do judeu Isaac, avarento, e sempre disposto a intervir para ganhar algum dinheiro a mais. São mostrados todos os preconceitos contra a raça judaica. Por outro lado mostra também toda a lealdade deste povo ao seu Deus e a unidade de todos, nos sofrimentos constantes de que são permanentes vítimas. Quanto às histórias de amor, elas te darão belas horas de entretenimento. Mas você pode ter também toda a certeza de que aprenderá muitas lições de historia. É um mergulho na Idade Média, onde está a raiz da formação do atual Reino Unido.

Sobre o romance, lemos o que segue, no livro de biografias que acompanha a coleção: "O romance (datado de 1819 ou 1820) tem como cenário a Inglaterra do século XII, onde se enfrentam os reis normandos, originários do continente, e os saxões, instalados há séculos na ilha. O fundo é histórico e as descrições dos ambientes e costumes feudais extremamente fieis. Muitas personagens, como Ricardo Coração de Leão (1157-1199) e o Príncipe João sem Terra (1167-1216), existiram realmente, embora a trama em que estão envolvidas seja, em grande parte fictícia.

A arte de Walter Scott consiste em estabelecer as relações entre estes dois níveis: o real, historicamente verdadeiro, e o imaginário, mas verossímil dentro do espírito da época descrita. Assim, conquanto as aventuras de Ivanhoé sejam fictícias, não o são os castelos, os torneios, os templários, os preconceitos anti-semitas apresentados no decorrer do romance".

Destaquei ainda um parágrafo, já da parte final, que mostra bem o tema e o espírito do livro:  "Além dos membros das duas famílias, compareceram ao casamento (de Ivanhoé com........), tanto normandos como saxônios de alta linhagem. O povo recebeu o acontecimento com demonstrações gerais de regozijo, pois era uma garantia de paz e harmonia futuras entre as duas raças, as quais. desde essa época, se misturavam tanto que, hoje, já não é mais possível distingui-las. Cedric viveu o suficiente para ver essa fusão quase completa, pois, à medida que os dois povos se aproximavam e se uniam pelo casamento, os normandos iam-se tornando menos desdenhosos e os saxônios menos rústicos. Mas não foi senão durante o reinado de Eduardo III (1327-1337) que a língua mista, agora chamada inglesa, passou a ser falada na corte de Londres, e que o espírito de hostilidade entre normandos e saxônios também desapareceu completamente" (página 551). A formação da fusão dessas línguas, formando a língua inglesa, também aparece ao longo de todo o romance.

Mas a aproximação com os judeus e o fim da alimentação dos preconceitos contra esta raça, ainda estaria longe para acontecer. Livro maravilhoso. O livro também foi levado ao cinema e como existe link disponível, o deixo. É fantástico ver os cenários descritos. https://ok.ru/video/689944726047. O filme é estrelado por Robert e Elisabeth Taylor. Walter Scott inicia a longa tradição dos tão apreciados romances históricos.


2 comentários:

  1. Olá, professor Pedro Eloi, tudo bem? Em primeiro lugar, gostei bastante da sua resenha crítica de Ivanhoé. Eu já estive na Escócia e lá conheci o Museu dos Escritores. Bem interessante, por sinal. Sou o professor Dr. Cristiano Mello de Oliveira. Minha atual especialidade são os romances históricos. Leia um pouco dos meus artigos publicados na rede. Um abraço!

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    1. Dr. Cristiano, o seu comentário me causou uma grande alegria e por isso, em primeiro lugar, o meu agradecimento. Que maravilha é viajar levando na bagagem o conhecimento. Recentemente um amigo meu viajou pela Escócia e me recomendou muito. Que maravilha é esta de enveredar pelos romances históricos e saber que Walter Scott inspirou muito gente. Vou procurar acompanhar os seus artigos.

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