sábado, 14 de agosto de 2021

O que aprendi com o silêncio. Monja Coen.

Pelo dia dos pais, recebi de um dos meus filhos, o Iuri, o livro da monja Coen, O que aprendi com o silêncio. De imediato fui acometido de uma enorme curiosidade. O meu maior contato com a cultura budista foi através do Livro de Hermann Hesse, Sidarta. Da monja Coen, além de algumas boas referências, ouvi falar dela, mais precisamente, quando ela visitou o ex-presidente Lula, injustamente preso no prédio da Polícia Federal em Curitiba. Não iria nem mencionar este fato em tempos de tanta intolerância, mas ela mesma se refere ao fato, de uma maneira muito bonita por sinal. Ao Iuri, pelo presente, os meus agradecimentos.

O que aprendi com o silêncio. Monja Coen. Academia. 2020.

Com certeza, um belo livro, de difícil resenha. Começo então pelo que não encontrei no livro e que foi o que mais me encantou e bem me fez. Nenhuma lição de moral, nenhuma admoestação do que deve ou precisa ser feito, nenhuma manifestação de arrependimento ou sensação de culpa. Apenas um convite ao silêncio para uma busca e um encontro consigo mesmo. Nietzsche se fez presente ao longo da agradável leitura, de seu livro, digamos de memórias, além de muitas reflexões. O "torna-te quem tu és" está onipresente. Mas mais presente ainda esteve o primeiro livro do filósofo alemão, O nascimento da tragédia ou o Helenismo e o Pessimismo. Um clamor pela unidade entre o dionisíaco e o apolínio e um clamor ainda mais forte contra a racionalidade, da bipartição do mundo em bem e mal. Isso não me impediu de ver também um Nietzsche oposto e distante.

Também o agora centenário Edgar Morin, se fez presente pelo seu livro Minha Paris - minha memória, no seu primeiro encontro com a complexidade e da ruptura com o binário: "Embora o conceito de complexidade ainda não estivesse no meu horizonte, era um trabalho complexo que eu realizava ali: conexão entre conhecimentos distintos, em geral compartimentados, identificação de contradições que meu espírito hegeliano-marxista me levava a detectar em lugares onde são ignorados pelo pensamento binário". No rumo da superação, do complexo, do unitário.

Já na apresentação do livro, a monja nos ensina: "Pausas e notas musicais. Como poderia uma existir sem a outra? Somos o pluriverso em movimento. Tudo que existe é o consurgir interdependente e simultâneo. Nada tem uma autoexistência individual, substancial e independente. Cada ser é o todo manifesto e não parte do todo. Surge a responsabilidade, a ternura, o cuidado, a compaixão e, assim espero, a sabedoria perfeita". Vejam bem, não a moral, normalmente uma prescrição para os outros.

O livro é de memórias. Adoro livros de memórias. Anos de formação, raízes históricas e familiares, anos do brotar da vida, tempos de insubordinação, tempos de busca, tempos de interrogações existenciais, tempos de angústias profundas. nada parece ter sentido. Tudo é experimentado. Nada parece satisfazer. Muitos buscam a acomodação, as pessoas mais irrequietas buscam saídas. Coen se tornou a monja Coen. Ela se encontrou no silêncio da reflexão, nos exercícios de domínio do corpo e da mente. Isso foi em Los Angeles, depois de já ter percorrido mundo e mundos.

Este é o relato de seu livro. Cinco capítulos, num vai e vem incessante. Memórias da intensidade de sua vida. De uma infância relativamente tranquila, de um primeiro casamento, já aos 14 anos, da experiência da maternidade, de presenças e ausências, de perdas e de danos, de buscas mundo afora. O Zen Center de Los Angeles modificou a sua vida. Aprendeu a meditar, aprendeu o significado de gestos e rituais e, sobretudo, aprendeu a encontrar-se no silêncio. Leu os mestres históricos do budismo e buscou seus mestres atuais. Foi ao Japão e para a Índia, em busca de aperfeiçoamento. Voltou para São Paulo. Teve dissabores e incompreensões em seu trabalho. É hoje uma grande influenciadora, com canal no You Tube, programa de rádio, palestras e ensinamentos.

O livro tem prefácio de Clóvis de Barros Filho, apresentação da autora, que representa o primeiro encontro com o O que aprendi com o silêncio e cinco capítulos. No primeiro, O instante Zen, ela mostra o seu encontro com o Zen, quando morava em Los Angeles e trabalhava no Banco do Brasil. No segundo, Aprendizados, ela mesma o apresenta - "Saí decidida a abandonar marido, apartamento, cachorro, emprego e me alistar como trainee - aprendiz". É o grande encontro com os mestres do budismo e as suas lições. Buda, Sidarta e os seus continuadores. Tornou-se vegana e a ver a grandeza da natureza e a importância da água. Em duas frases, uma síntese: "Tendemos a separar o misticismo da realidade, como se houvesse uma ruptura entre sagrado e profano. Essa dicotomia no pensar e no viver nos leva a incontáveis conflitos e sofrimentos". 

No terceiro, Novas comunidades, ela apresenta a continuidade de suas experiências de vida, tanto no Japão, quanto no Brasil. um novo casamento e uma nova separação. Novos instantes Zen. No quarto, Memórias inacabadas ela memoriza fatos de sua vida, antes de ser monja. São Paulo, a ditadura militar, sua vida de jornalista, a ida a Londres, memórias de sua infância, sexualidade, puberdade, os avós, a irmã. Neste capítulo ela se desnuda. Mostra a sua vida como de fato ela fora. Deixo uma passagem de sua vida anterior a ser monja, quando vivia em Los Angeles, com marido americano. Uma percepção da cultura, da contabilidade do modo americano de viver:

"Quando fui morar em Los Angeles não sabia exatamente o que iria acontecer. Enquanto meu marido norte-americano procurava trabalho na indústria musical eu o esperava no apartamento de uma jovem atriz. Essa jovem, cujo nome e rosto já não sei, tinha uma filha pequena. Algumas vezes ela saía e me pedia para ficar com a menina. Eu adorava brincar com ela. Mas meu marido ficava furioso.

Se era para ser babysitter ela deveria me pagar ou descontar do aluguel. Ainda mais quando eu divida minha refeição congelada com a criança. Foi a primeira vez que me dei conta da maneira que norte-americanos se tratam mutuamente, como tudo pode ser negócio e precisa ser pago". Neste capítulo ela também apresenta reflexões suas, em forma de poemas.

 No quinto, Da adolescência à vida monástica, ela reconta a sua vida, apresentando novos fatos e situações. Ela assim sintetiza o capítulo: "Mas se tudo é este eu, se tudo está incluído e faz parte, mesmo a procura, mesmo a dúvida, mesmo a ignorância. É possível acessar esse estado mental, chamado de Samadhi. Um estado de tranquilidade serena, que nos permite ver a realidade assim como é e atuar de forma decisiva e clara, com dignidade e compostura. É também neste capítulo que ela relata a visita que fez ao ex-presidente Lula: "Fui visitar o ex-presidente Lula. Adorei conhecê-lo, ouvir e ver seus olhos. Meditamos juntos. Foi antes de seu netinho morrer. Continuaria ele meditando? Nunca mais nos falamos. Pessoas me insultaram por tê-lo visitado. Outras me agradeceram. Não agradamos a todos o tempo todo, já disse Lincoln. Acredito firmemente que a meditação será um dos elementos de transformação social e política de toda a humanidade".

Termino este pequeno interregno do mundo da racionalidade, e pior, da racionalidade, instrumental, que é, infelizmente o nosso mundo real, com uma frase da monja, aposta na contracapa do livro: "Aprendi muito com o silêncio, ensinou-me a ouvir dentro e fora de mim mesma. Ensinou-me a quietude viva e excitante de jamais repetir um instante".

Li hoje (12.08.2021) na página do UOL. Monja Coen, um dos principais nomes ligados à filosofia budista no país será "embaixadora da moderação" da Ambev. A monja com mais de 2,7 milhões de seguidores no Instagram e mais de 500 mil livros vendidos, ajudará à cervejaria a falar sobre "limites e autoconhecimento".  As mensagens falarão de saúde e limites do corpo - e, segundo a empresa, não abordarão produtos e marcas. Seria a necessidade da materialidade do espírito?


4 comentários:

  1. Muito interessante e sensível sua leitura. Me emociono vendo que essa mulher, mãe aos 14 anos, com tantas viagens e modos diferentes de viver está entre nós, ajudando-nos, convidando-nos a encontrar e trilhar o caminho do silêncio, talvez o caminho em direção ao que temos de mais sublime.

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    1. Muito obrigado Susana pelo seu belo e sensível comentário. Este pequeno livro marca um encontro da autora com a sua vida. Ela se encontrou. E isso é maravilhoso.

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    2. Eu não sabia que a Monja Coen era mãe. Como foi isso?

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    3. Meu amigo, ela só conta que foi aos 14 anos.

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