quinta-feira, 3 de março de 2022

5. A ditadura acabada. Elio Gaspari.

Cheguei ao fim. Quarta-feira de cinzas, 2 de março de 2022. Concluí a leitura do volume V, dos livros de Elio Gaspari sobre a ditadura militar brasileira, A ditadura acabada. Devo concordar com a afirmação de Heloísa Buarque de Holanda, contida na contracapa do Livro: "É como ouvir uma conversa proibida. Fiquei fascinada com a forma com que o Elio teve acesso a tudo". A obra, os cinco volumes, são de estarrecer e de se perguntar: Como conseguimos sair dessa? 

5. A ditadura acabada. Elio Gaspari. Intrínseca. 2016. O quinto e último dos cinco volumes.

Creio que responder a essa pergunta foi o objetivo e a razão fundamental pela qual Gaspari escreveu a sua obra. Ele nos conta que originalmente ele queria escrever um ensaio, algo em torno de cem páginas, contando do envolvimento de Geisel e de Golbery (o sacerdote e o feiticeiro) na arquitetura do golpe em 1964 e da abertura política, da volta à democracia, a partir de seu governo (1974-1979) e da decisiva participação na escolha de seu sucessor, o general Figueiredo. O governo de Figueiredo (1979-1985) é o tema do quinto volume da coleção. A sucessão de Figueiredo foi dramática e também é contada. Figueiredo articulara a sua própria continuidade, apesar de seu crítico estado de saúde e de não poder nem ver o seu vice, o civil Aureliano Chaves. Entram em cena Paulo Maluf, Tancredo Neves e José Sarney.

Ainda na contracapa do livro, Zuenir Ventura nos traça um panorama do volume V: "Obra-prima do jornalismo de reconstituição. Não há nada que se compare em termos de quantidade e qualidade de informações. A narrativa desliza pelos acontecimentos sem tropeços. Em A ditadura acabada, Gaspari examina o governo Figueiredo, uma época cheia de drama e comédia, tempo de campanha pela anistia, do atentado no Riocentro e das Diretas Já. A série de livros sobre a ditadura termina com um capítulo sobre 500 personagens que sobreviveram ao fim do regime militar. Talvez este quinto volume seja o mais interessante de todos, porque os acontecimentos estão mais próximos".

O livro, de 447 páginas, está dividido em cinco partes e mais um epílogo: Parte I. Geisel ganhou todas; Parte II. A explosão da economia; Parte III. A explosão do Planalto; Parte IV. A explosão da rua; Parte V. A construção de Tancredo. O explodir não nenhuma alusão a crescimento fora dos parâmetros, em sentido positivo do termo, mas explosão de destruição da economia, da política e, como reação, a manifestação das ruas. O epílogo, 500 vidas, é um acompanhamento de 500 pessoas de diferentes setores, que sobreviveram ao duro regime. Muitos ainda estão vivos e são hoje protagonistas dos acontecimentos.

A parte I, Geisel ganhou todas, aborda 14 episódios do final do governo Geisel. Ei-los: 1. Uma nova divisão. Esta divisão agora é comandada pelo general Hugo Abreu, que representa a continuidade do radicalismo militar, da turma do "porão"; 2. O fator Jimmy Carter. Geisel recebe o presidente, de quem ele nunca gostara. 3. Lula, o metalúrgico. Lula comanda o Novo Sindicalismo Brasileiro, com base na livre negociação e longe da influência ideológica dos partidos comunistas; 4. Sete dias de maio. Analisa as greves de 1978, comandadas pelo Novo Sindicalismo Brasileiro; 5. A costura de Petrônio. O senador do Piauí torna-se o interlocutor civil da abertura política, dialogando com a oposição e as instituições da sociedade civil; 6. A missa de Geisel. São os ensaios para a extinção do AI-5, por um projeto do poder legislativo; 7. O "futuro presidente". Trata da lapidação de Figueiredo para o exercício da presidência, por sinal, uma tarefa de difícil concretização.

8. A máquina de Figueiredo. Trata da máquina do SNI para alavancar as trambicagens de Figueiredo; 9. A anistia. É o começo das manifestações da rua. Os "apátridas" deveriam ser "repatriados". Therezinha Zerbini se transforma no grande nome do movimento; 10. Maluf derrota dois presidentes. Contra a vontade de Geisel e de Figueiredo, Paulo Maluf é o candidato a governador de São Paulo, escolhido em convenção da ARENA. Temiam a sua candidatura posterior a presidente; 11. A demolição de Euler. Euler Bentes Monteiro se transforma no anticandidato à sucessão. Um grande incômodo. A "anarquia militar se manifesta e Hugo Abreu recebe 20 dias de cadeia; 12. O ronco da "tigrada". 26 bombas foram detonadas pela "tigrada", depois do "eu prendo, eu arrebento" de Figueiredo para quem fosse contra a abertura; 13. O mar de lama. A "tigrada", na maior rebeldia da anarquia militar, acusa o governo Geisel de estar envolvido num mar de lama. A velha acusação de corrupção; 14. O vencedor. Após a erosão da base popular do governo, o "ganhador de todas" se retira do cenário político.

Na parte II, A explosão da economia, temos quatro capítulos: 1. O ministério "dialético". trata da formação do ministério do governo Figueiredo, no qual havia contradições; 2. Vila Euclides. Aqui é feita uma análise do que foram as greves de 1979. Elas eram vistas pelos trabalhadores como meio para melhorarem suas vidas; 3. Teerã e Washington. O capítulo é uma referência aos problemas econômicos enfrentados pelo governo por uma nova alta nos preços do petróleo e da elevação internacional das taxas de juros sobre o endividamento externo; 4. Um novo país. Existe no país um novo cenário político, com novos atores como protagonistas. Em compensação, temos um país quebrado e endividado. Há inflação, recessão e endividamento. Iniciamos a década de 1980, hoje tida como a década perdida.

Na parte III, a explosão do Planalto, tem três capítulos: 1. Bombas na rua. No governo Figueiredo a "tigrada" promove 12 atentados à bomba, sendo as da OAB, ABI e Riocentro os mais famosos; 2. Riocentro. Uma análise do mais triste episódio promovido pelo "porão", nesse período. A versão se tornara ainda pior do que o fato; 3. Baumgarten. É narrado o caso do assassinato do jornalista. Dissidências no interior da própria turma da "trigada".

Na parte IV, A explosão da rua, temos  cinco capítulos: 1. 1982, a eleição que muda tudo. Uma importante alteração na política, com o MDB governando os estados mais populosos e de maior PIB do país, em meio a ruína econômica, cada dia maior; 2. Tancredo. Uma análise do perfil da velha raposa mineira, que havia permanecido fiel a Vargas e Jango em seus momentos finais; 3. Ulysses. É a vez da raposa paulista ter feita a sua análise. Sempre fora um moderado e cultivava uma discreta rivalidade com Tancredo; 4. A rua vai ao Palácio. Novas reivindicações da sociedade civil, com a organização das Comunidades Eclesiais de Base e do surgimento dos movimentos contra a carestia e o desemprego. Surge também a Campanha pelas Diretas; 5. Figueiredo. O presidente trama a sua própria reeleição, querendo somar mais dois anos ao seu mandato de seis. Também entra em cena a análise da sucessão.

Na parte V, A construção de Tancredo, temos mais quatro capítulos: 1. Diretas Já. Em meio a campanha pelas eleições diretas temos as disputas internas pela sucessão entre Maluf, Aureliano e Andreazza. Na oposição se consolida o nome de Tancredo, com fortes apoios de dentro do regime; 2. A hora de Tancredo. Depois da derrota da Emenda Dante de Oliveira, Maluf ganha a condição de candidato da situação e Tancredo o de oposição; 3. Bruxarias militares. O "porão" volta a tramar, desta vez, contra Tancredo Neves. Fantasiados de comunistas, colam cartazes da candidatura de Tancredo, vinculando-o assim ao comunismo; 4. Uma festa e três problemas. A festa é pela vitória no Colégio Eleitoral: 480 contra 180. Já os três problemas são: crise econômica, o endividamento externo e um desconforto físico, que o levou à morte antes da sua posse como presidente. Sarney assume e o regime acabou. E acabou com um vexame. Figueiredo não passa a faixa presidencial. Sai pelas portas dos fundos, numa cena constrangedora que poria fim a esse terrível período, uma verdadeira trava em nossa história, em nossa luta por democracia e cidadania.

O epílogo, 500 vidas, é maravilhoso. Atende as nossas curiosidades, ao menos as mais elementares. Nele são rastreadas 500 vidas de personagens que foram protagonistas desse período. Eles são agrupados por seus campos de atuação e por instituições a que pertenciam. São listados os presidentes, os ministros, os generais, os expurgados de 1964, os cassados de Geisel, os empresários, a imprensa, os governadores, a elite parlamentar, o Ministério de Tancredo, os diplomatas estrangeiros, os diplomatas brasileiros, os personagens da dívida, a universidade, a Igreja, o SNI, CIE e o DOI, a "Casa da Morte" de Petrópolis, o CISA e o CENIMAR, o "porão", os "cachorros", ou os que mudaram de lado, os do Araguaia, a os da "Torre das Donzelas" do presídio Tiradentes (Dilma) e os exilados e banidos.

Aprendi muito. Muitos detalhes, buscados em exaustivas e complicadas pesquisas. Ao final de cada livro existe o registro de agradecimentos, especialmente àqueles que contribuíram, abrindo arquivos ou dando depoimentos, para além de notável pesquisa bibliográfica. Leitura obrigatória para as áreas de história e da ciência política  e, ainda, para todas as áreas do jornalismo. Fundamental para os que prezam a cidadania, a democracia e as liberdades. 

Deixo o link dos outros quatro volumes:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/a-ditadura-escancarada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/3-ditadura-derrotada-o-sacerdote-e-o.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/4-ditadura-encurralada-o-sacerdote-e-o.html

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