terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Histórias de morte matada contadas feito morte morrida. Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues.

Um primor de livro. Escrito e produzido com todo o cuidado. Um tema grandioso. Profundamente humano. Estou falando de Histórias de morte matada contadas feito morte morrida - a narrativa de feminicídios na imprensa brasileira, de autoria das jornalistas e feministas Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues. A edição é da DROPS Editora. O ano da publicação é 2021. Na contracapa do livro temos colado um selo, com os seguintes dizeres: Câmara brasileira do livro. Jabuti 2022. Livro finalista. Com certeza, um indicativo de muitos méritos.

Histórias de morte matada contadas feito morte morrida. As narrativas de feminicídio na imprensa brasileira. Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues. Drops Editora. 2021.

Tanto o título, quanto o subtítulo nos dão o indicativo claro e preciso sobre o tema do livro, bem como nos dão também a ideia de que há problemas nessas narrativas. As narrativas correspondem ao nosso viés cultural. Lilia Schwarcz em seu livro Sobre o autoritarismo brasileiro nos aponta oito características desse viés cultural autoritário: 1. Escravidão e racismo; 2. Mandonismo. 3. Patrimonialismo; 4. Corrupção; 5. Desigualdade social; 6. Violência; 7. Raça e gênero; 8. Intolerância. Por óbvio, essas características estão todas entrelaçadas. Mas, patriarcalismo, raça e gênero ganham  capítulos à parte, capítulos especiais. Uma das conclusões do livro é a de que o feminicídio é negro, pobre e periférico. Segue o link da resenha Sobre o autoritarismo brasileiro.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/08/sobre-o-autoritarismo-brasileiro-lilia.html

Já na parte final do livro há um capítulo sob o título Recapitulando e repetindo - para não esquecer. Nesse capítulo há sete indicativos que nos apontam para o teor fundamental do livro; São eles: 1. A voz passiva que isenta assassinos de sua responsabilidade ao mesmo tempo que revitima a mulher; 2. O abuso no uso do suposto que por vezes coloca em dúvida até o crime ocorrido; 3. A justificativa/motivação do crime antes mesmo do relato ajudando assassinos a estruturarem sua defesa e o julgamento; 4. A desmoralização da mulher pela foto da vítima que ilustra a matéria e não o assassino; 5. Os verbos no futuro do pretérito; 6. O sujeito indefinido; 7. A escolha da hipótese mais absurda quando vários elementos apontam o crime de ódio (também conhecido como feminicídio).

Uma aula de linguagem e de jornalismo. São esses sete elementos que permitem a transformação apontada no título - Histórias de morte matada - contadas feito morte morrida. A análise dessas mortes matadas narradas pela imprensa brasileira é que constituem o teor do livro. E haja narrativas. O Brasil é um país tristemente campeão em feminicídios. São narrados e analisados casos da alta sociedade, com todo o glamour em que estão envolvidos e há os de pessoas anônimas, que são a absoluta maioria dos casos. Afinal, já apontamos: o feminicídio é  negro, pobre e periférico. Não vou entrar no teor das narrativas e de suas análises, mas o método da análise já está apontado.

Além das narrativas, há também uma classificação dos homicídios. Eles são classificados em transfeminicídios, em feminicídios indígenas, em feminicídios políticos (cometidos por razões políticas, como os casos de Dorothy Stang, Marielle Franco), ou por qualquer motivo, menos feminicídio (quando se tenta de tudo para não admitir o óbvio). Também, já na parte final do livro, há um capítulo que chama a necessária atenção para os órfãos dos feminicídios e a ausência de políticas públicas que lhes deem a devida assistência sob todos os aspectos que os casos envolvem.

O livro termina com uma série de conclusões como a reafirmação das autoras de uma frase de Marielle Franco: "Minha palavra é de mulher, mas vale". "Nossa palavra é de mulher, mas vale". As outras conclusões são as de que o feminicídio é um fenômeno endêmico, que precisa ser combatido, que o feminicídio é negro, pobre e periférico, que há a romantização/fetichização das narrativas, de histórias de amor que terminam com assassinatos por amor, quando simplesmente não há crimes por amor, apenas há crimes por ódio. E, finalmente, que o exercício do jornalismo é um compromisso ético e que é possível ser feito de uma forma diferente de como é feito.

O livro tem uma apresentação de Cecília Olliveira, jornalista especializada em Segurança Pública, um prefácio assinado por Maíra Kubík Mano, jornalista e cientista social, além de uma nota das editoras, todas destacando a importância e o valor da obra. Na orelha da capa temos a seguinte apresentação do livro, feita por Renata Lima, delegada de polícia civil (MG) e feminista. Vejamos: 

"Conhecer as histórias das mortes matadas de tantas mulheres, mortas duas, três vezes, revitimizadas, invisibilizadas, olvidadas, fez com que eu sentisse a dor e a responsabilidade de ser mulher, policial, neste momento de avanços e retrocessos.

Alguns nomes saltam aos olhos. Outros, anônimos, não passam despercebidos aos olhos de policial. Casos familiares demais, rotineiros demais.

Histórias de morte matada contadas feito morte morrida é uma leitura essencial para jornalistas, trabalhadores da comunicação e servidores do sistema de justiça criminal. Nós, muitas vezes fonte principal, se não a única, de informação a respeito dos crimes que ceifaram a vida de tantas mulheres.

Ler esta obra, escrita com tanto cuidado por Niara e Vanessa, foi doloroso, mas necessário para entender como o machismo e a misoginia são perpetuados de forma reiterada e cotidiana. É importante resistir e lutar por todos os espaços, para que as vozes das mulheres sejam ouvidas e suas histórias de vida contadas e respeitadas".

E na contracapa, já em letras maiores lemos: Quanto mais vulnerável é a vítima, menos respeito a seus direitos e à sua história, e isso se reflete na cobertura da imprensa. É CHOCANTE. É AVILTANTE. Um grande livro para uma impressionante leitura.



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