segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

As missões jesuíticas do Itatim. Regina Maria Gadelha.

Uma cena de antes do natal de 2023. Almoço no Restaurante São Francisco. Possivelmente o mais antigo restaurante de Curitiba. Ele data de 1955 e fica na rua, também ela chamada São Francisco, no decadente centro histórico de Curitiba. Estávamos lá, o Valdemar, o Pai Firmino e eu. Como de costume fomos atendidos pelo Luís. Este almoço marcaria o encerramento nosso, no conjunto, das atividades de 2023. Como sempre, o pai Firmino foi muito gentil conosco, nos presenteando com livros. A mim me coube As Missões Jesuíticas do Itatim. Estruturas Sócio-econômicas do Paraguai Colonial - Séculos XVI e XVII. O livro é uma dissertação de mestrado, defendida na USP. O livro é uma publicação da Paz e Terra, do ano de 1980. A autora é Regina Maria A. F. Gadelha.

As missões jesuíticas do Itatim. Regina Maria A. F. Gadelha. Paz e Terra. 1980.

De longa data, o tema das missões me interessa. Inclusive já visitei as Reduções, organizadas pelos jesuítas alemães radicados no Paraguai. Esta visita constou das sete reduções que são hoje Patrimônio Cultural da Humanidade: dois no Paraguai, quatro na Argentina e a nossa São Miguel, no Rio Grande do Sul. Tudo, na época, era território paraguaio. Também li o fantástico livro do padre jesuíta suíço, Clóvis Lugon, a República comunista cristã dos guaranis, do qual deixo a resenha, como também de um post da visita:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/03/a-republica-comunista-crista-dos.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/02/viajando-pelas-terras-missioneiras.html

Quanto ao livro, primeiramente procurei localizar o Itatim. Ele se situa no Mato Grosso do Sul, entre os rios Miranda e Aquidauana, no hoje conhecido Pantanal. O tempo em que os fatos ocorreram foi o de meados do século XVII. Naquele tempo o território era pertencente ao Paraguai e esta região missioneira era comandada por Assunção. Creio que apenas essa primeira localização no tempo e no espaço já nos dá uma ideia das dificuldades existentes e que atingiam a todos os envolvidos. Muitas coisas estavam em disputa. Duas missões prosperaram ali, por um breve tempo: Nossa Senhora da Fé e santo Ignácio del Caaguaçu. O Brasil também entrou nessa disputa. Os terríveis bandeirantes. Raposo Tavares rondou estas terras.

Ao final do seu trabalho, seguramente com fôlego de um doutorado, Regina Gadelha nos dá uma síntese dos conflitos aí existentes sob o âmbito paraguaio, ou espanhol, o país colonizador: "Percebe-se, pelas considerações acima, o jogo de interesses em confronto, expresso, de um lado, por trás das críticas sofridas pela Companhia de Jesus e, de outro, pelas críticas dos padres aos colonos. Realmente, em decorrência da organização e ação provenientes das reduções jesuítas, perdiam os vizinhos encomenderos paraguaios a possibilidade de prosseguirem a exploração econômica, nas condições da região. De fato, excedentes de produção só podiam ser obtidos através do trabalho indígena. Tinham, assim, os colonos, cerceadas todas as possibilidades de produção mais ampla e, até a constituição de excedentes necessários às atividades de troca e expansão das culturas"... Este problema do conflito entre os colonos e os jesuítas também aparece no último parágrafo de seu trabalho:

"O monopólio da mão-de-obra indígena, por eles efetuado, teria de ocasionar conflitos graves com os colonos, como ocorreu na Província do Itatim. Esses entrechoques constituem o motor central dos acontecimentos de maiores consequências na região. Não puderam ser eludidas as lutas pelo controle da mão-de-obra em face das características locais da economia. Na realidade, a única forma de produção e atividades econômicas da área, por largo período, teria de se basear nos recursos naturais e no trabalho compulsório e organizado dos indígenas. Pode-se perceber a importância da questão, pela evidência de ter sido a maior responsável pelos principais acontecimentos ocorridos na história do Itatim colonial".

Nesse conflito de interesses, normalmente, os padres da Companhia levavam vantagem. Regina nos explica os motivos: "Protegiam, portanto, seus índios, burlando os direitos adquiridos pelos colonos paraguaios. Mas como o trabalho indígena revelava-se indispensável às atividades econômicas, em geral, apesar das inúmeras Cartas Régias proibindo a "encomenda" e a prestação de serviço pessoal, os vizinhos encontravam sempre meios de obter índios de mita. A burla à proibição era facilitada pela sempre oscilante e imprecisa legislação dos reis da Espanha. Oscilação da legislação que decorria, sobretudo, do conhecimento dos interesses em jogo, e permitir atender à imperiosa necessidade de mão-de-obra servil". Também, nesse período a Coroa espanhola vivia uma crise meio permanente.

O livro está organizado em quatro partes, a saber: Parte I. Enquadramento espaço temporal dos Itatim, com dois capítulos: 1. Âmbito geográfico do Paraguai e localização do Itatim. 2. Problemas de acesso e ocupação do território.

Parte II. As estruturas sócio econômicas do Paraguai, com três capítulos: 1. O problema da mão-de-obra e a política "encomendera". 2. Relações de produção e comércio: os entraves coloniais. 3. Decadência de Assunção.

Parte III. As Missões Jesuítas, com dois capítulos: 1. Chegada dos jesuítas na região platina: a ação da Companhia de Jesus. 2. Desdobramento do trabalho missionário no Paraguai.

Parte IV. Os jesuítas no Itatim, com três capítulos: 1. As reduções jesuíticas do Itatim. 2. Economia e organização das missões do Itatim. 3. Considerações gerais sobre a economia paraguaia e as missões do Itatim. Além de introduções e conclusão, por óbvio. Também chama particular atenção o número de notas e referências bibliográficas, apresentadas após cada um dos capítulos. Um notável trabalho bibliográfico.

Para bem e melhor situar o livro, apresento a primeira parte da orelha do livro: "Este estudo parte das estruturas geográficas para, depois, examinar a organização sócio econômica da região e as principais bases das missões jesuítas na área. A abordagem é de especial importância, dada as peculiaridades da colonização ibérica na época. A área, no Pantanal Matogrossense, fazia parte da Província do Paraguai mas, depois, seria região do Brasil. As expedições que localizaram as minas do Potosi, em outra direção, provocaram o isolamento do Itatim e uma situação muito desfavorável à colonização, apenas iniciada pelos espanhóis. O núcleo paraguaio foi quase abandonado e permaneceria como região marginal, praticamente excluído do comércio e das trocas, sobretudo em termos mundiais".

Vale muito conferir este trabalho, que, por sinal, teve continuidade num trabalho de doutorado na Universidade de Paris, sob orientador do historiador Ruggiero Romano, como lemos na orelha da contracapa. E, ao pai Firmino, os meus agradecimentos pelo livro.



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