sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Contra LAVA JATO. Adel El Tasse.

"Ganhei este livrinho. Leia e depois me devolve", me disse o meu amigo Bernardo, em evento de comemoração das festas de fim de ano. Agora já o li e, pretendo não devolvê-lo. Isso significa que gostei muito, e que, de livrinho - ele tem apenas o seu tamanho. No conteúdo ele é enorme. São apenas 90 páginas. Trata-se de Contra Lava Jato, de autoria do professor de Direito Penal em várias universidades, Adel El Tasse.

Contra Lava Jato. Adel El Tasse. 2023. Uma publicação do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais.

O livro é uma verdadeira aula, sob vários e diferentes aspectos. Como El Tasse é professor de Direito Penal, este será o tema principal do livro, mas, subjacente a ele, existe toda uma concepção filosófica, sociológica e histórica e é nisso que consiste a sua grandeza. O Direito, como o concebemos hoje, é uma invenção da modernidade. E, como se sabe, a modernidade é uma invenção da ascensão do pensamento fundado na razão, em detrimento do pensamento absoluto emanado do direito divino. A modernidade arrebatou o poder dos céus e o colocou nas mãos dos homens, que para isso deveriam se dar ao entendimento. A razão, porém, tomou dois caminhos fundamentais. Uma razão humana e uma razão instrumental.

A razão humana é a responsável pela evolução dos chamados direitos. Estes, segundo uma definição clássica de Marshall, evoluíram em direitos "civis, políticos e sociais". Uma bela e longa história de avanços e de retrocessos. Os Direitos da cidadania. O surgimento do Estado Democrático de Direito. São criados diversos mecanismo que limitam o poder do Estado contra os seus cidadãos. Estes ganham uma série de proteções legais. É a tendência à democracia

Por outro lado, a modernidade também fez surgir a sua ordem econômica, ditada por interesses dos indivíduos e da liberdade econômica em que a competitividade passou a ser a grande palavra de ordem. Essa ordem passou a ter na razão instrumental a sua fundamentação. Essa razão faz cálculos utilitários e gera níveis insuportáveis de competição. As guerras são uma mera consequência. Os sistemas autoritários também. A tendência é para o autoritarismo. O Direito e as instituições jurídicas se movimentam dentro dessas visões.

O Brasil tem as suas raízes profundamente fincadas no autoritarismo, portanto, na ausência de direitos. Vivemos as heranças de um sistema colonial e escravocrata. Raízes que constantemente lançam à superfície os seus tentáculos. Creio que podemos afirmar que a modernidade brasileira é uma modernidade tardia. Apenas, a partir de 1930 ela dá os seus primeiros passos. Francisco Oliveira nos faz uma síntese dessa democracia entre os anos 1930 e 1988, a data da Constituição da redemocratização. Duas longas ditaduras (Vargas e a civil militar de 1964) e uma tentativa de golpe de Estado a cada três anos. Depois de 1988 vivemos o nosso mais longo período de democracia. Mas foi um período breve. Durou apenas até 2016. 2016 foi golpe, sim. Os motivos dos golpes sempre foram os mesmos. Contenção de direitos da cidadania, restrição a direitos civis, políticos e sociais, em benefício de cálculos instrumentais, movidos à leis de responsabilidades sociais, perdão, fiscais.

O que eu devo dizer! Estas são reflexões que eu fiz a partir da leitura do livro de EL Tasse. Elas foram suscitadas pela leitura do livro, reflexões livres, não presas ao texto mas, de uma forma ou de outra, presentes no livro. Considero que o livro faz um grande movimento perpassando a história do Direito e de suas fundamentações. Um direito limitador dos poderes do Estado em favor da cidadania e o Direito movido por um espírito punitivista, seletivo em favor dos detentores do poder do Estado ou por busca de meios para alcançá-lo.

Mas, vamos a um esboço do livro. Primeiro pelo conteúdo da contracapa e depois pelos títulos dos capítulos, das belas e ilustrativas frases em epígrafe que antecedem cada capítulo. E ainda, por tópicos (entre parênteses), os temas abordados nestes capítulos. Vamos a contracapa:

"Contra a Lava Jato é uma obra técnica que aborda de forma didática o sistema processual penal e o modelo punitivo utilizado na operação lava jato e que parece se impor a todo país, após enorme exposição midiática desta invenção criminal.

Com estrita análise jurídica da questão, dentro de bases puramente científicas o texto discorre sobre os movimentos de sustentação da lava jato, seus fundamentos, estratégia e métodos, concluindo em importante análise sobre os reais efeitos dela para o País e para o sistema de justiça criminal.

A ilustração de capa, 'Saturno devorando a un hijo' é uma das pinturas a óleo sobre reboco que fazia parte da decoração das paredes da casa do pintor espanhol Francisco de Goya, sendo parte da série conhecida como 'pinturas negras' de Goya, integrando desde 1876 juntamente com as demais 'pinturas negras' o acervo permanente do Museu do Prado, em Madrid.

A representação do deus Cronos (Saturno na mitologia romana) devorando um de seus filhos para não dividir seu poder permite uma metáfora ao autor da presente obra do próprio Estado, ou agências controladoras do Poder estatal a utilizar o poder punitivo para opressão e assim reafirmação de seu poder".

Vamos então aos capítulos, nove no total, a seus títulos, frases em epígrafe e aos tópicos trabalhados nos capítulos.

Capítulo 1. A título de marco. "A mim a imprensa sempre me tratou bem". Francisco Franco. (MBL - 2015 - bancadas evangélica, armamentista e ruralista - reformas, ajuste fiscal. A operação Lava Jato, o punitivismo e a corrosão da democracia).

Capítulo 2. Os avanços ocorridos no direito penal brasileiro após a década de 1980 e seu atual processo. "A liberdade diminui à medida que o homem evolui e se torna civilizado". Antonio Salazar. (A afirmação de direitos na redemocratização do país. Contra o punitivismo. A glamourização da prisão. Penas espetaculares, ao arrepio da lei. Da lógica nazista à "solução final".  O sistema lava jato).

Capítulo 3. O afastamento da dogmática penal democrática e a corrosão do sentido de proteção do tipo. "Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver em liberdade e não a destrói, espere para ser destruído por ela". Maquiavel. (O pós 2ª Guerra e a contenção do poder punitivo. O afastamento dos princípios onto-ontológicos. Lava Jato e MBL. A flexibilização dos direitos. Condenações sem provas).

Capítulo 4. A admissão da lógica tortura aceitável. "Nós vamos te quebrar por dentro". Delegado Fleury para Frei Tito. (O sistema carcerário brasileiro. A tortura. Massacres físicos e morais. O cárcere processual. A tortura e a violação dos Direitos Humanos. "Ordem e moralidade". O clamor público. Métodos do colonialismo e da escravidão. Métodos inquisitoriais. Lava Jato e ações agressivas).

Capítulo 5. A total corrosão do devido processo legal e da lógica da necessidade probatória para a condenação. "Demos um modelo para o mundo, com a criação dos Codis, dos Dois e com alterações na Lei de Segurança Nacional como a incomunicabilidade de 30 dias". General Brilhante Ustra. (Um não ao mínimo de respeito pelo Estado de Direito. Prisões arbitrárias sob o clamor do povo. A mídia e a divisão da sociedade entre os bons e os maus. A vingança contra os maus. Poderes ilimitados, fim do processo legal e Estado totalitário).

Capítulo 6. AI-5 e 10 medidas de combate à corrupção: desagradável coincidência. "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". Jarbas Passarinho, na instituição do AI-5. (cerceamento à defesa. Junção de acusador com julgador. Não ao habeas corpus. Validade de provas ilícitas. O cidadão desprotegido. A delação premiada. Abuso de prisões preventivas. Prender para intimidar. Faltou apenas uma Guantânamo brasileira).

Capítulo 7. A moral como critério. "Humanitarismo é a expressão da estupidez e da covardia". Adolf Hitler. (A prisão de políticos e de poderosos. Neutralizar os inimigos. A seletividade na escolha dos corruptos. Uma volta aos tempos da inquisição e seus métodos. Raízes morais para a condenação. Um Estado moralista. O MBL e a identificação dos inimigos. A hostilização de todas as causas libertárias. "Guerra Santa " às diversidades).

Capítulo 8. A deslegitimação do sistema político- eleitoral. "A imprensa é a arma mais poderosa do nosso Partido". Joseph Stalin. (Moral e religião e a desmoralização da atividade política. A defenestração da classe política. Os discursos de ódio.  Conduções coercitivas. LULA como alvo. O voto universal e o não saber votar. O voto do nordestino. Um ataque à democracia em favor de um regime totalitário).

Capítulo 9. A retomada do pensamento oligárquico. "Somente um país inferior, ordinário, insignificante pode ser democrático. Um povo forte heroico tende para a aristocracia". Benito Mussolini. (Um balanço da operação Lava Jato. O esfacelamento da economia e a fragilização das empresas brasileiras. O descrédito internacional das Instituições  brasileiras. Parcialidade nos julgamentos. Necessidade de reconstrução).

Por fim, a epígrafe geral do pequeno mas esclarecedor e necessário livro. "O único ditador que eu aceito é a voz da minha consciência". Mahatma Gandi. E uma palavrinha mais sobre o autor. No livro, ele é assim apresentado. "Professor na cadeira de Direito penal em cursos de graduação e pós-graduação em diferentes instituições de ensino superior. Professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná, professor do Curso LFG (São Paulo/SP) e do Curso CERS (Recife PE). Mestre e Doutor em Direito Penal. Coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. Autor de vários livros e artigos publicados em diversos livros, revistas e periódicos".


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