quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

As igrejas de Porto Novo. Itapiranga. São João do Oeste e Tunápolis. Colonização e arquitetura.

Recebi mais um livro do meu irmão, Hédio José, que mora na cidade de Mondaí, no oeste do estado de Santa Catarina. Hédio é o meu irmão mais velho. Já completou 89 anos. Em compensação, entre cinco irmãos, eu sou o mais novo. A história de vida do meu irmão está toda ela voltada para esta região, na qual ele está, desde os idos da década de 1960. Ele foi um dos professores recrutados pelo Volksverein, a entidade colonizadora da região, como veremos logo a seguir. O livro referência é As igrejas de Porto Novo, de autoria de Jaine Ott, Carine Kaufmann e Douglas Orestes Franzen. Na apresentação as autoras e o autor falam da origem do livro: um trabalho junto ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Fai-Uceff. A publicação é da editora Schreiben, do ano de 2023.

As igrejas de Porto Novo. Editora Schreiben. 2023.

O prefácio do livro, que, em parte, também está na contracapa, é de autoria do padre Dionísio Körbes, da paróquia de São Pedro Canísio, de Itapiranga. Ele, sabiamente, destacou o princípio, o objetivo da colonização desta região e, como consequência, a sua arquitetura, toda ela centrada na religião. Vejamos o trecho da contracapa:

"No período em que Porto Novo foi colonizada existia, nas pessoas que aqui se estabeleceram uma cosmovisão ou um universo cultural religioso homogêneo, no qual o diferente não tinha espaço ou lugar. Tal constatação é verídica uma vez que o projeto de colonização era fechado ou exclusivo para famílias alemãs e católicas. Não é por nada que uma das finalidades era dar continuidade ao projeto da cristandade, que é o de defender a moral, os costumes, princípios e valores da Igreja Católica.

Para que tal visão-religiosa fosse acessível e formasse um imaginário religioso, criaram-se os núcleos comunitários, dentre os quais a Igreja se destacava. Foi através das inúmeras expressões religiosas, tais como devoções, rezas, novenas, mas acima de tudo, os símbolos ou figuras de santos (as) que tiveram um papel importante na formação do imaginário religioso. Quem, das gerações passadas, não se lembra do quadro dos anjos protetores, imagens do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, o quadro da ceia, da cruz e outras tantas imagens e estátuas. Nas igrejas edificadas não podia faltar o padroeiro ou outras
imagens de acordo com as devoções. Tudo isso formava o imaginário religioso que alimentava a vida religiosa das pessoas". Em outro livro, que também recebi do meu irmão, vi que a colonização de Mondaí, então Porto Feliz, obedecia aos mesmos princípios, só que formada por cristãos protestantes.

O livro está estruturado em nove capítulos, mais prefácio e apresentação e, ainda, mapas de localização e referências bibliográficas. Tudo ao longo de 248 páginas, recheadas de fotografias. Vamos aos títulos dos capítulos: 1. A religiosidade como expressão da cultura em Porto Novo; 2. As igrejas como referência da paisagem; 3. A edificação de igrejas: o valor comunitário; 4. Igrejas em madeira; 5. Igrejas (neo) góticas; 6. Igrejas modernistas e ecléticas; 7. Altares góticos e modernistas; 8.O canto coral: Patrimônio imaterial da música sacra; 9. Arquitetura cemiterial. Em minha resenha vou me ater mais ao primeiro capítulo, embora não represente a centralidade do livro. Faço isso, apenas por ele contemplar mais o meu foco de interesse, que é o da colonização.

Vejamos os três primeiros parágrafos desse primeiro capítulo: "O projeto de colonização Porto Novo foi idealizado pela Sociedade União Popular, Volksverein, instituição que coordenou a implantação de outras colônias alemãs em novas frentes de colonização no sul do Brasil. O projeto Porto Novo nasceu a partir da aspiração confessional católica e da etnicidade germânica, tendo como proposta formar um núcleo colonial no extremo oeste de Santa Catarina que atendesse às finalidades da preservação moral católico-cristã e principalmente dos valores comunitários que aspirassem a homogeneidade étnica e confessional. O empreendimento foi fundado oficialmente no ano de 1926. Já no ano de 1928, a colonização recebeu o nome de Itapiranga, atual nome do município, gerando mais tarde a emancipação dos municípios de Tunápolis e São João do Oeste.

A Volksverein für die deutschen Katholiken von Rio Grande do Sul não era necessariamente uma empresa de colonização. Era, na verdade, uma entidade associativa fundada para dar assistência à população de descendência alemã e católica no sul do Brasil. Essa associação chegou a ter no período da Primeira Guerra Mundial cerca de oito mil associados. Notadamente de caráter étnico e confessional, o Volksverein se engajou em projetos de caráter social que vislumbravam manter os princípios do germanismo e do catolicismo, promovendo eventos e atividades culturais, agremiações, atividades de cooperação comunitária, atividades agrícolas de assistência aos colonos, além de ser uma força coadjutora do espírito comunitário católico-cristão, atendendo à necessidade de manter os valores morais e culturais nas colônias alemãs como a família, a comunidade, a religiosidade e o associativismo.

Nesse sentido, famílias originárias das colônias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina compraram terras nessa colônia em busca de novas fronteiras agrícolas. Da mesma forma, adquiriram terras em Porto Novo, imigrantes que fugiam das duras condições de vida em vilarejos europeus, expulsos pelas atrocidades da guerra, pela perseguição étnico-política, ou pelas péssimas condições de vida e de trabalho lá existentes".

À frente deste empreendimento encontramos os padres jesuítas, sob a liderança dos padres Theodor Amstad e João Rick. Estes padres eram muito ativos. Não é a primeira vez que eu me encontro com eles, principalmente com o primeiro. A sede do Volksverein era na cidade de Venâncio Aires. Também encontrei muitas expressões, típicas de minha infância e juventude, como: Gott über alles; Alles nach dem Gottes Willen; Es regnet, Gott segnet; Der liebe Gott wolte es so haben; Gott nimmt; Gott erfühlt; Der Mensch denkt und Gott lenkt. Percebam a onipresença da palavra Gott, ou seja, Deus. E, uma lembrança minha: a cada encontro com o padre vigário, a saudação: Gelobt sei Jesus Christus. Trago da minha infância um presente maravilhoso, a língua alemã. Eu fui aprender português na escola.

No segundo capítulo é destacada a importância da igreja, como construção referência, que tomava conta ou configurava toda a paisagem da localidade e, já no terceiro, se destaca a ação comunitária na edificação das mesmas. As famílias contribuíam com valores estabelecidos (um porco de cem quilos), doação de materiais, trabalhos voluntários, quermesses... Elas são vistas como uma herança, um legado a ser transmitido. O quarto capítulo nos mostra que a construção das primeiras igrejas sempre foi em madeira, pois, dela dispunham em grande abundância. No começo elas também eram usadas como escolas (Schulkapelle).

Os capítulos cinco e seis também se constituem em preciosos capítulos de arquitetura. Antes de apresentarem as principais igrejas e suas localidades, há uma contextualização social, histórica e cultural do estilo das igrejas. Também merece destaque a importância do Concílio Vaticano II (1962-1965) e a sua influência na alteração da construção das igrejas. Também os altares passaram por essas transformações. Eles se tornaram menos distantes e mais aconchegantes, ou modernos. Antes eram verdadeiras obras de arte. Em minha memória, a lembrança de aulas da história da arte. Nos dois capítulos finais, nos são dados, primeiramente, os cerimonias fúnebres e o significado dos cemitérios, para encerrar com o canto coral, uma tradição bem alemã. Me lembro que cantávamos muito, tanto na igreja, quanto em casa. Não esquecendo, somos nascidos em Harmonia, na época, terceiro distrito de Montenegro (RS).

Em suma, um belo livro e de um valor inestimável e escrito com muito cuidado. E, antes de terminar, algumas coisas da memória. Me lembro da minha infância em Harmonia. A propaganda de Porto Novo nos chegava pelos sermões bilíngues do padre vigário, cônego Oscar Mallmann. Tios meus, da família de minha mãe (Reichert) foram fazer a vida lá. Lembro que eu levava as cartas que minha mãe escrevia para eles, para a agência do Correio. No envelope se lia: - Linha Macuco - Itapiranga. Também lembro de alguma visita desses tios, quando voltavam para visitar os parentes. Era dia de galinhada. Dia de festa.

A única cidade desta região em que eu estive foi São João do Oeste. Fui com o meu irmão. Fomos tomar uns Chopp num clube de lá. Lembro da placa na entrada da cidade, em que manifestavam todo o orgulho da cidade: uma cidade de origem germânica. E por falar em Chopp, também li, que em Itapiranga se realizou a primeira festa do Chopp no Brasil. Me bate um saudosismo quando eu leio estas histórias de colonização. Um dia, também eu deixei a minha Harmonia para trás, e, sem dinheiro para voltar. Tinha que dar certo. Muita gente me ajudou. Eu vim para Umuarama no Paraná e hoje estou estabelecido em Curitiba.  

Dos autores, já tive um contato anterior com Douglas O. Franzen pelo seu livro sobre Mondaí. Deixo a resenha.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/08/porto-feliz-mondai-o-centenario-da.html





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