segunda-feira, 10 de junho de 2024

Nada de novo no front. Erich Maria Remarque.

Não me lembro exatamente como cheguei ao Nada de novo no front, do escritor alemão, Erich Maria Remarque (1898-1970). Creio que tenha sido por algum comentário ouvido no rádio. Em todos os casos, fiquei muito satisfeito com a sua leitura, que me fez confirmar o escrito na contracapa, na qual o livro é apresentado como "o mais importante romance pacifista do século XX". A edição que eu li é da L&PM Pocket, com tradução de Helen Rumjanek. A primeira edição do livro foi de 1929 e, logo em seguida, foi levado ao cinema. A edição da L&PM que eu li é de 2023.

Nada de novo no front. Erich Maria Remarque. L&PM Pocket. 2023.

Para falar do livro, por mínimo que seja, é absolutamente necessário falar da biografia do autor, pois ela se confunde com o teor do livro. Vejamos a já mencionada contracapa: "Aos dezoito anos de idade, Erich Maria Remarque conheceu as trincheiras alemãs da Primeira Guerra Mundial. Foi ferido em três ocasiões. Saiu do conflito profundamente marcado e perplexo com a crueldade da guerra. Durante a década de 20, enfrentava a insônia carregada de fantasmas tomando notas sobre os horrores que viu e viveu no front. Os rascunhos formavam o núcleo de um romance". Este é o teor do livro, narrado ao longo de dez capítulos, sendo que cada capítulo se ocupa mais especificamente de um determinado tema. Mas vamos continuar com a sua biografia, agora de uma nota introdutória ao livro.

"... Parou de estudar aos dezoito anos para juntar-se ao exército alemão na Primeira Guerra Mundial. Nas trincheiras foi ferido três vezes, uma delas gravemente". Fora levado à guerra por um entusiasmo patriótico, incentivado pelos pais, imaginando que a guerra era também sua, mas, rapidamente descobriu que ela não o era.  Vou me ater ainda à questão biográfica, especialmente no que diz respeito às repercussões do livro, uma vez que reflete o espírito de uma época. Terrível.

"Após o conflito, lutando para sobreviver em um país completamente corroído pela guerra, exerceu diversas profissões: foi pedreiro, organista, motorista e agente de negócios, até estabilizar-se, mais ou menos, no jornalismo, exercendo funções de crítico teatral e repórter esportivo, entre outras, em alguns jornais de Hannover e Berlim". Mas o conflito não o abandonou. Ele continuou em suas longas noites de insônia, que aproveitou para escrever e, desta forma, não enlouquecer. Estes seus manuscritos foram publicados primeiramente sob a forma de folhetim e, em 1929 se transformaram em livro. Mas vamos às repercussões, lembrando dos horrores dos anos 1930, com a ascensão de tudo o que era sombrio e cinzento.

"Com o recrudescimento dos sentimentos nazistas, a perseguição a Erich Maria Remarque aumentou, pelo seu pacifismo manifesto nas suas obras (em 1931, publicou também O caminho de volta, que retratava as frustrações dos que regressavam das frentes de luta). Um ainda ascendente Joseph Goebbels e seus homens teriam interrompido sessões do filme, espalhando ratos brancos nas salas de projeção. Em 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, o filme foi proibido. Remarque exilou-se primeiro na Suíça e, a partir de 1939, nos Estados Unidos. No dia 10 de maio de 1933, seus livros foram queimados na fogueira na praça da Ópera de Berlim. Em 1938, as autoridades alemãs retiraram sua cidadania alemã, por ter "arrastado na lama" os soldados da grande guerra e apresentado uma visão "antigermânica" dos acontecimentos da guerra". A essas alturas ele já estava seguro em seu exílio, mas a sua irmã pagou alto preço. Foi condenada à morte por decapitação. E, ainda sobre as repercussões vamos ao parágrafo final da apresentação biográfica:

"Remarque, que junto a Goethe é o escritor de língua alemã mais lido no mundo, faleceu aos 72 anos de idade, no dia 25 de setembro de 1970, em Lucarno, na Suíça. Não perdoou a Alemanha do pós-guerra pelo tratamento brando para com as autoridades nazistas. Constatou com amargura, por ocasião de uma visita ao seu país natal, em 1966: 'Pelo que sei, nenhum assassino do Terceiro Reich perdeu a sua cidadania alemã'". E, uma triste constatação: custa caro a luta pelo pacifismo. Mas voltamos ao livro, do qual "o protagonista é Paul, jovem alemão de família humilde que, como tantos de sua geração, deu ouvidos aos pais e professores, abandonou a escola e partiu para uma guerra que - conforme descobriria - não era a sua", como lemos na contracapa. Vamos ao livro, aos seus dez capítulos:

No primeiro, temos uma espécie de apresentação da guerra aos jovens. Paul, junto com seus companheiros, estão a nove quilômetros do front. Eram 150. Ainda restam 80. Isso, por alguns dias, propiciou uma grande anormalidade, qual seja, a comida farta. Mas a regra geral era sono e fome. A palavra covarde era usada com frequência, aplicada aos que tinham medo. Diante de roubos, atitudes autoritárias absurdas de comandantes, de ferimentos e amputações e, acima de tudo,  mortes, logo perceberam os absurdos da guerra.

O segundo capítulo é um primor de texto sobre os horrores da guerra, das vidas que ela interrompe, e sobre os absurdos da formação militar, definida como uma renúncia à personalidade e um vil embrutecimento. Sugiro uma atenta leitura das páginas 24 e 25. Eu voltarei ao tema, uma vez que - no Brasil pós extrema direita golpista - a abertura de escolas cívico militares, se transformou em meta em ascensão.

O terceiro capítulo é uma descrição do cotidiano do acampamento. A fome é companheira em todos os momentos. É pão, salada, prato principal e sobremesa de nabo todos os dias. Além disso é um suceder de futilidades e de vinculações entre a farda e o autoritarismo.

O quarto capítulo é dedicado a uma batalha no front. Nela os humanos simplesmente se transformam em animais, agindo instintivamente. Ao lado, o sofrimento dos cavalos e dos homens mutilados e mortos. Espasmos e êxtases. Cinco mortos e oito feridos.

No quinto capítulo voltamos ao cotidiano do acampamento, agora enfocando mais o ponto de vista psicológico. Vejamos uma descrição: "A guerra arruinou-nos para tudo", afirma uma dos personagens. E Paul continua: "Ele tem razão. Não somos mais a juventude. Não queremos mais conquistar o mundo. Somos fugitivos. Fugimos de nós mesmos e de nossas vidas. Tínhamos dezoito anos e estávamos começando a amar a vida e o mundo e fomos obrigados a atirar neles e destruí-los. A primeira bomba, a primeira granada, explodiu em nossos corações. Estamos isolados dos que trabalham, da atividade, da ambição, do progresso. Não acreditamos mais nessas coisas; só acreditamos na guerra" (p.74).

O sexto capítulo é dedicado à descrição dos ataques no front, um encontro, cara a cara com a morte. Somos algo parecido com seres humanos, mais como demônios em fúria. E muito preocupantes são os intervalos nos ataques, quando explodem os desconcertos da mente. Nos sentimos como mortos e nada nos poderá fazer renascer. De cento e cinquenta sobraram trinta e dois.

No capítulo de número sete, voltamos ao front, em raros momentos de paz. Estes são momentos de fuga da loucura que assola a todos. Se divertem com garotas francesas. Um leve sopro de juventude e de vida. Paul ganha uma folga de dezessete dias. Junto a família silenciada pelos aflitos da guerra, sente a percepção da mesma, a partir do imaginário popular. Os heróis na defesa da pátria. A guerra como forma de provar atos de heroísmo. O forte desejo do expansionismo... Tomar a Bélgica, o carvão francês, partir sobre a Rússia. Para Paul, um destroçar de todas as relações humanas, do mundo da afetividade e dos sonhos mínimos. Um dos mais duros capítulos.

No oitavo capítulo volta uma bela cena de ternura. No acampamento cuidam dos prisioneiros russos. Paul recebe a visita do pai e da irmã.. A mãe lhe manda bolinhos. São um raro banquete. Ele não hesita em reparti-los com os inimigos russos, feitos prisioneiros. Eles se tornam mais fraternos, talvez -, por estarem mais infelizes.   

O nono capítulo, o mais longo deles, é dedicado a reflexões sobre a guerra, quando os soldados concluem que a mesma não lhes diz respeito, mas que há gente que dela tira proveito: "Mas, então, para que serve a guerra? indaga Tjaden, Kat dá de ombros. - Deve haver gente que tira proveito dela. - Bem, eu não faço parte deles - ri Tjaden, irônico. - Nem você, nem nenhum de nós aqui" (p. 158). Outra reflexão forte está, já nas páginas finais do livro, quando afirma que os verdadeiros resultados da guerra só se conhecem no interior de um hospital e logo a seguir o jovem Paul emenda:

"Sou jovem, tenho vinte anos, mas da vida conheço apenas o desespero, o medo, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos são insuflados uns contra os outros e como se matam em silêncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes, Vejo que os cérebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isto se faça com mais requintes e maior duração. E, como eu, todos os homens de minha idade, tanto deste, quanto do outro lado, no mundo inteiro, veem isto; toda a minha geração, sofre comigo [...]. Durante todos esses anos, nossa única preocupação foi matar. Nossa primeira profissão na vida. Nosso conhecimento da vida limita-se à morte. Que se pode fazer, depois disto? Que será de nós" (p. 200).

Do décimo capítulo, tomo as duas frases finais. "Tombou morto (Paul) num dia tão tranquilo em toda a linha de frente, que o comunicado limitou-se a uma frase: Nada de novo no front.

Caiu de bruços e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão tão serena, que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim" (p.220).

É a geração que depois enfrentou a Segunda Guerra Mundial e o mundo da Bipolaridade e da Guerra Fria. Talvez apenas a Guerra do Vietnã tenha provocado literatura semelhante. Prefiro ficar com o enunciado da contracapa: O mais importante romance pacifista do século XX.





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