terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Luís Carlos Prestes. Um revolucionário entre dois mundos. Daniel Aarão Reis.

Um livro denso. Ele tem 536 páginas em letra bem miúda. Sua leitura me consumiu uma semana de trabalho. Como sempre, Daniel Aarão Reis, fez um trabalho sério, desta vez na reconstituição da história deste cidadão brasileiro, contemplado com o honroso título de "O cavaleiro da Esperança". O livro em questão é Luís Carlos Prestes. Um revolucionário entre dois mundos. O livro pretende ser, conforme está dito na orelha do livro, "a principal referência sobre o 'Velho', o mito e o homem". Um homem tão polêmico, que viveu tanto tempo, com tantas certezas e sempre como protagonista, não poderia deixar de suscitar controvérsias. A principal foi feita pela filha, Anita Leocádia, que comentaremos em outro post. O livro é um lançamento de novembro, da Companhia das Letras.
A densa biografia de Prestes escrita pelo historiador Daniel Aarão Reis.

O livro é estruturado em 17 capítulos e um posfácio. Nele são narrados  os longos anos de vida deste que foi um dos mais emblemáticos personagens de nossa história, nascido em Porto Alegre, que cedo foi ao Rio de Janeiro se formar no colégio militar em profissão de caráter técnico: engenheiro. Sempre foi bom em matemática. Isso lhe conferiu um pensamento extremamente racional, que se somou a concepção positivista presente no exército, de protagonismo de uma elite pensante esclarecida na condução da massa. Esse olhar racional o fazia ver as contradições políticas de seu tempo, as contradições da "República Velha".

A figura mítica surge logo no início, em uma de suas primeiras atividades. A Coluna Prestes. Esta é descrita em três capítulos. Foram percorridos 24.947 quilômetros, entre 1924 e 1927 e a sua maior glória foi a de nunca terem sofrido uma derrota. O seu objetivo imediato era a derrubada do governo de Artur Bernardes, mas as causas são mais profundas. Um Brasil que queria se transformar num Estado/Nação. As insatisfações começaram com o movimento tenentista de 1922, se aprofundaram em 1924 e desembocaram na revolução de 1930. Prestes ainda não tivera contato com a doutrina marxista e nem conferiu o seu apoio a Getúlio.
Um traçado dos 24.947 quilômetros percorridos pela Coluna Miguel Costa/Prestes. Um contato com o Brasil profundo e a sua miséria.

Após a Coluna, no exílio em Buenos Aires, recebe a visita de dirigentes do Partido Comunista que lhe fornecem a literatura que dará embasamento teórico para as suas futuras ações e também passará por um estágio na URSS onde entrará em contato com o stalinismo, tornando-se um fervoroso adepto. Mas o seu olhar sempre se mantém sobre o Brasil e a transformação de suas estruturas através de um processo revolucionário. Nesse sentido, o seu primeiro movimento será a Intentona Comunista de 1935. Um episódio muito controvertido e um grande fracasso e que será usado como um dos pretextos para a decretação do "Estado Novo".  É o momento de viver na clandestinidade e em que se dará a deportação de sua companheira Olga, grávida de Anita, entregue à polícia do nazismo de Hitler.
A menina Anita Leocádia, filha de Prestes e Olga Benário. Uma comovente história, bastante conhecida dos brasileiros pelo livro de Fernando Moraes, Olga. Essa foto está no livro.

Com o fim da guerra e os ares da redemocratização vem o apoio a Vargas, num dos processos mais contestados de sua vida. Num breve período de liberdade, se elegerá senador pelo Partido e junto com 14 deputados federais integrarão a Assembleia Constituinte de 1946. O período de liberdade é interrompido pelo espírito da guerra fria, que cassa o registro do Partido e o mandato dos parlamentares eleitos. Segue um novo período vivido por Prestes e o seu partido, entre o exílio, a clandestinidade e um certo consentimento sobre a sua organização e as suas atividades.

Quando você chegar a esta parte, você estará chegando à parte final do livro. Mesmo assim, ainda tem um longo trecho a percorrer. É o período de franca decadência e que marcará a total fragmentação das esquerdas. Estas iniciam com o XX Congresso do PCUS e as denúncias de Kruschev sobre as atrocidades patrocinadas por Stálin, os conflitos sino-soviéticos, por Cuba, pelo surgimento do euro comunismo e o reflexo disso tudo aqui no Brasil. A isso se somam os erros de avaliação e posicionamento relativos à ditadura militar. A maioria opta pela luta armada, enquanto Prestes fica na resistência passiva.
Uma longa vida de viagens e encontros. Com Fidel Castro em Cuba. Quem seria o Fidel brasileiro?
A anistia e a volta ao Brasil constituem a parte final do livro. Prestes já será uma figura mais mítica e lendária do que real. Fica isolado do Partido, dele não mais participando. Nas eleições de 1989 apoiará Brizola no primeiro turno e Lula no segundo. A sua morte ocorre em 7 de março de 1990 e o poupará de ver dois fatos que certamente o abalariam muito, se ainda vivo: o fim da União Soviética (1991) e o quase fim de seu Partido, aqui no Brasil. Em janeiro de 1992, a maioria do PCB cria o PPS como sucedâneo do Partidão. A sigla PCB, no entanto, por via judicial, permaneceu com um pequeno grupo de militantes. O livro analisa ainda duas importantes entrevistas concedidas, uma ao "Roda Vida" e, outra, ao "Programa do Jô" e termina com a homenagem que lhe foi prestada no carnaval de 1998 pela Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, Pelas trilhas destas terras. 

O livro também revela interessantes dados da vida privada de Prestes, como um segundo casamento seu com Maria do Carmo Ribeiro, que lhe deu abundante prole, era muito bonita e muito mais nova que o marido. Do legado familiar de Prestes, em setembro de 2014, estavam vivíssimos oito filhos (nove com Anita), vinte e cinco netos e treze bisnetos com mais dois a caminho, espalhados pelo mundo, conforme os rastros deixados pelos caminhos do comunismo. Três baterias de fotografias completam a edição.
O historiador e pesquisador Daniel Aarão Reis, da UFF. Uma tradição de estudos da esquerda.

Não deve ter sido tarefa fácil para Daniel Aarão Reis escrever esta biografia. Nela consumiu cinco anos e meio de trabalho. Como já afirmei, desde muito cedo Prestes sempre foi protagonista, jamais coadjuvante, em todo o nosso processo histórico. As suas primeiras marcas começam na década de 1920 e alcançam até o ano de 1990. Cravou a sua presença em nossa história por mais de setenta anos. Prestes nasceu em 1989 e faleceu em 1990. A análise de tão longa vida necessariamente teria que provocar contradições. Mas este será o tema de um novo post. Este post é mais um trabalho da parceria do blog com a Companhia das Letras.
     

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