ZeroZeroZero, do jornalista italiano Roberto Saviano, é um dos livros mais impactantes que eu já li. Ele é o grande representante das possibilidades do jornalismo investigativo. A sua leitura contribui em muito para ter uma visão menos ingênua do mundo. Ele "mapeia o tráfico internacional da droga, mostra quem são seus personagens e revela suas conexões com a economia formal e o mercado financeiro". É o que lemos, como apresentação, na contracapa do livro. Pelo imenso valor destas suas revelações, para Umberto Eco, "Saviano é um heroi nacional".
O maravilhoso livro de Roberto Saviano, ZeroZeroZero.
O maravilhoso livro de Roberto Saviano, ZeroZeroZero.
Como o livro "mapeia o tráfico o tráfico internacional da droga", o Brasil não poderia estar de fora deste livro. O Brasil ocupa o segundo lugar no consumo da cocaína, perdendo apenas para os Estados Unidos, com cerca de 2.800.000 consumidores e é vizinho dos três maiores produtores do pó branco. A Colômbia, o Peru e a Bolívia. Além disso, o Brasil possui duas organizações criminosas exemplares, quais sejam, o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.
No livro, o Brasil está presente no capítulo Cocaína # 4, no subcapítulo 9, - Caldeirão do Diabo. Caldeirão do Diabo é uma referência ao Instituto Penal de Segurança Máxima Cândido Mendes, na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, de longa história (Estado Novo e Ditadura Militar), fechado e demolido em 1994. Foi nesse "Caldeirão" que surgiu em 1974, num parto ditado pela lei da sobrevivência, o Comando Vermelho, que proliferou em terras fertilizadas pela ausência de políticas públicas, pelas favelas cariocas, especialmente, nas 14 que formam o chamado Complexo do Alemão.
No Caldeirão do Diabo, na Ilha Grande surge o Comando Vermelho
No Caldeirão do Diabo, na Ilha Grande surge o Comando Vermelho
Como a ditadura militar não diferenciava presos comuns de presos políticos, trancafiou a todos no famoso "Caldeirão". Ali se somou inteligência e experiência e as consequências estão aí. Nos anos 1970 o Comando se financiou por sequestros e assaltos a bancos, para já na década seguinte entrar no rentável negócio da comercialização das drogas. Em pouco tempo o poder dos famosos bicheiros foi facilmente arrebatado. Pertencer ao Comando Vermelho significava e, ainda significa, proteção para os seus integrantes, dentro do presídio e, para os seus familiares, fora deles. As prisões se transformaram no quartel central de suas operações.
Sob o lema "Paz, justiça e liberdade" se estruturaram militarmente para enfrentar os "caveirões" e os soldados do BOPE. Já tendo nas drogas a sua principal atividade econômica, se entrelaçam com os cartéis colombianos, com as FARC e com os Zetas mexicanos. É dessa organização que emerge um de seus maiores líderes, Fernandinho Beira-Mar, cujo monopólio do crime fez com que tivesse sob seu controle, 70% do total da comercialização da droga no Brasil. Com a favela, ou com a comunidade, estabelecem uma ação de aproximação, suprindo funções da ausência do Estado.
Fernandinho Beira-Mar, um homem poderoso.
Fernandinho Beira-Mar, um homem poderoso.
Em São Paulo, o surgimento do Primeiro Comando da Capital em 1993, tem atrás de si uma das mais tristes e vergonhosas histórias deste país, o massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, com 111 vítimas executadas. A reação foi imediata. Presos que foram transferidos para Taubaté, os "oito da capital", organizaram o PCC. O Carandiru já foi o maior presídio da América Latina, inaugurado em 1920 e foi famoso pelos seus diversos pavilhões, quais camadas do Inferno de Dante, na graduação dos horrores. Hoje, numa política de olvido da memória, é um parque da juventude.
Ao lema "Paz, justiça e liberdade", o PCC acrescentou um estatuto de 16 itens em que estão sintetizadas as obrigações, direitos, deveres e tarefas dos "irmãos" e um simbólico rito de iniciação na organização, com a apresentação de um padrinho. Tudo como na máfia italiana. O PCC transformou os presídios paulistas em faculdades da grande "Universidade do crime e da vida", com extensões ou campi avançados já em outros estados. Os "irmãos" formam uma grande "família".
Em reação ao massacre do Carandiru, o Primeiro Comando da Capital.
Em reação ao massacre do Carandiru, o Primeiro Comando da Capital.
A ação mais espetacular do PCC foi o assalto ao Banco Central de Fortaleza. Inspirados no filme Asas da liberdade, escavaram as terras arenosas da cidade, para roubar 3,5 toneladas de dinheiro. Tonelada é a medida para contar dinheiro nos prósperos negócios das máfias. Em matéria de espetáculo, o PCC superou em muito o filme inspirador.
Primeiramente o Governo paulista negou a existência do Comando, para depois espalhar os seus líderes em diferentes prisões. Qual foi o resultado? "E a diáspora, em vez de ser a sua cruz, se transforma na sua força". O PCC se transforma na maior organização criminosa brasileira e atua tanto dentro, quanto fora das prisões. Em 2001 o PCC organiza a maior rebelião já ocorrida nos presídios brasileiros, quando mais de 30.000 presos de 29 penitenciárias se rebelaram simultaneamente. Marcola se torna o grande chefe, arrebatando o poder de outros dois líderes "Geleião e Cesinha".
Cena do massacre do Carandiru. 2 de outubro de 1992. 111 mortos.
Cena do massacre do Carandiru. 2 de outubro de 1992. 111 mortos.
Neste capítulo ainda é contada a história do jornalista da Rede Globo de Televisão, Tim Lopes. Ele é uma prova de que, apesar dos termos - irmão, família, comunidade e de algumas ações em favor do povo das favelas, trata-se de organizações criminosas. Torturas, humilhações e a morte no "micro-ondas", foi o seu triste fim. Sobre o tema também temos boa literatura. Citaria Caco Barcelos, o seu Abusado e Meu casaco de General, de Luiz Eduardo Soares.
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