segunda-feira, 10 de outubro de 2016

DEMIAN. Um romance de formação.

Praticamente um acaso me pôs em contato com esse livro. Uma passagem pelo facebook chamava para uma resenha do livro. Nem a li. Mas a imagem ficou gravada. Lembrei de meus tempos de jovem, do quanto se falava de Hermann Hesse, embora nunca o tivesse lido. Eram tempos de seminário. E mais... Hermann Hesse é um Nobel de literatura (1946) e um Nobel nunca me decepcionou. Antes de comprá-lo fiz uma pequena pesquisa. Para comprá-lo, bastou a informação de que se trata de um romance de formação. Estes me fascinam.
Eu li esta edição, da Record com tradução e posfácio de Ivo Barroso.

Para mim a leitura foi um grande reencontro com Nietzsche, com toda a sua obra, com o seu "filosofar com o martelo" e com o seu imperativo "torna-te quem tu és". Ivo Barroso, tradutor e autor do posfácio vê nele mais a presença de Freud. Ele também está bem visível, na figura do pai e dos constantes sonhos de Sinclair, o narrador, ou seja do próprio Hermann Hesse.

O grande personagem do livro é Demian, mesmo porque confere o título ao livro. Sinclair mantém com Demian um rico diálogo na busca do encontro consigo mesmo, mas Siclair também dialoga com Pistorius, um músico que busca razões de viver na cultura indiana. Os três, nos observa Ivo Barroso, são retratos autobiográficos de Hesse. Sinclair também dialoga com Eva, mãe de Demian. Seria a figura de sua própria mãe.

Ivo Barroso ainda nos alerta que para entender plenamente a obra temos que conhecer um pouco da biografia de seu autor (1887-1962): "Descendente de família suábia (Schwaben - sudoeste da Alemanha), criado no mais rígido rigorismo religioso - o pai, erudito famoso de história religiosa; a mãe, filha de missionário, nascida e educada na Índia; o avô, Hermann Gundert, indianista de renome). Com certeza, ajuda muito na compreensão da obra. Já na leitura dos primeiros capítulos me vieram à mente, cenas de A fita branca, o memorável filme de Michael Haneke, sobre os rigores da educação alemã deste período. O livro foi escrito em 1919, tempo de crises do autor e do mundo.

O livro está dividido em oito capítulos. Os dois primeiros foram para mim os mais impactantes. No primeiro, Dois mundos nos são apresentados. O mundo luminoso e mundo sombrio. O luminoso é o ideal e o sombrio é o real. A educação nos chama para o mundo ideal e a natureza (humana) nos chama para o mundo real. No desencontro destes mundos, a inadaptabilidade e o sofrimento humano. Franz Kromer, um menino perverso que o chantageia, lhe cria os primeiros dramas do remorso que se aloja em sua consciência. No segundo capítulo entra Demian, que lhe fala de Caim, ou da marca de Caim, que fica estampada na testa. Aparece aí uma inversão nos conceitos de bem e de mal.

Começa o seu confrontar-se consigo mesmo, o seu desenraizamento e as suas contradições: "Tais impulsos partiam sempre do 'mundo sombrio', trazendo consigo o medo, a violência e o remorso, e eram sempre revolucionários e ameaçavam a paz em que eu gostaria de continuar vivendo". Fugir da zona de conforto é ir ao encontro de si próprio. Uma frase extremamente significativa nos aponta para esta direção: "Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!".
Edição alemã e espanhola de Demian, destacando que se trata da história da juventude de Sinclair.


Uma outra figura invertida aparece também no terceiro capítulo que leva o nome de "ladrão". É uma contestação ao bom ladrão, que de bom na vida teve apenas o momento final do arrependimento. No mínimo, algo realmente intrigante e instigante. Neste capítulo ele também tem um encontro com a puberdade e a questão da sexualidade. No quarto capítulo "Beatrice" o coloca de volta ao mundo luminoso, após terríveis desencontros na escola e com seus familiares como consequência de seus desandares na escola.

O quinto capítulo marca um encontro com Abraxas. É Nietzsche em seu primeiro grande livro O nascimento da tragédia e a defesa da unidade entre o apolíneo e o dionisíaco, separados pelo nascente mundo da racionalidade. Este capítulo também é marcado pelo encontro com Pistorius. Seria a superação da moral pela arte? Pistorius é músico. O sétimo capítulo marca o encontro com Eva, com certeza um ser superior, em que ele certamente pinta um retrato de sua mãe e as influências dela em sua formação e vida. No capítulo oitavo entra em cena a guerra, a sua convocação e as reflexões sobre ela.  Uma tristeza existencial. O capítulo marca também um reencontro com Demian, que depois de tê-lo acompanhado ao longo da vida como uma espécie de sua consciência o adverte: "Terás que ouvir em ti mesmo, e então perceberás que estou dentro de ti. Compreendes?"

Foi uma leitura maravilhosa.  E como já disse, romances de formação me seduzem muito e nunca nenhum Nobel de literatura me decepcionou, pelo menos até hoje. Este romance, que se dedica à juventude de Hesse terá continuidade em outras obras, especialmente em O Lobo da estepe, quando o reencontraremos já aos cinquenta anos. Já encomendei a sua obra, ao menos a disponível em língua portuguesa e no mercado.






2 comentários:

  1. Oi, Pedro! Li Demian recentemente e, assim como aconteceu com você, os capítulos que mais me impactaram foram os primeiros, em que somos apresentados aos dois mundos opostos. Gostei muito do livro, refleti muito enquanto lia.
    Ótimo post.

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  2. Muito obrigado Bárbara pelo seu comentário. Demian é realmente um livro impactante. Escrito há quase cem anos, a sua atualidade é impressionante.

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