sábado, 22 de abril de 2017

A difícil democracia. Reiventar as esquerdas. Boaventura Sousa Santos.

Em rápido encontro com o deputado Tadeu Veneri, trocamos algumas leituras. Uma de suas indicações foi este de Boaventura Sousa Santos, A difícil democracia - reinventar as esquerdas. O livro do respeitado sociólogo português data de 2016, mas no livro são compilados textos, entrevistas e cartas, mais antigos.  Uma publicação da Boitempo. Grato pela indicação. Pela complexidade do livro não é fácil elaborar uma resenha. Mas vejamos.
Leitura obrigatória para tod@s os que se afirmam democratas de alta intensidade.


Certamente o escrito por Frei Betto, na orelha do livro, nos serve de guia. Depois de afirmar que o livro lança um olhar sobre o mundo pela ótica dos oprimidos e de que a democracia vive em grave crise, ele faz a interrogação fundamental que paira sobre a democracia no mundo de hoje. Será ela possível sob o império do capital financeiro? Afirma ainda que a democracia, para se consolidar, precisa ir para muito além do mundo político. É por estas questões que o sociólogo português procura respostas em suas investigações. Este é o livro.

Antes de entrar na resenha propriamente dita, deixo aqui também as minhas impressões preliminares. A democracia representativa, formal e restrita a eleições, muito pouco representa para a própria democracia nos tempos de hoje. É necessário retomar o conceito de democracia participativa, já afirmada por Rousseau, de que o povo é soberano e que ela necessariamente deve rumar para a igualdade, a tal ponto que não haja ninguém tão rico para que possa comprar alguém. No entanto, as formas de compra, nos dias de hoje, se multiplicam extraordinariamente. Também é forte e perpassa todo o livro, a constatação de Frei Betto sobre a insuficiência da democracia liberal, uma democracia de baixa intensidade. Para se viver efetivamente numa sociedade democrática é necessária a busca por outros espaços que vão para além da política e atingir todas as esferas das relações humanas, marcadas fortemente por relações desiguais e injustas de poder. Será necessário se exercitar numa democracia de forte intensidade e democratizar a própria democracia.

Embora o livro seja uma publicação de 2016, nem todos os textos são recentes, embora todos sejam extremamente atuais. Ele se divide em quatro partes. Parte I. Revolução e transformação do Estado. Esta parte é formada por um único texto, que é também o mais longo. Tem por título: O Estado e a sociedade na semiperiferia do sistema mundial: a Revolução dos cravos - Portugal, 1974).  O texto é de 1990. 

O vigoroso texto começa pela análise da saída de Portugal de seu longo regime ditatorial e de todos os atrasos a ele relacionados. Mostra as diferentes opções políticas tomadas, em que sempre prevaleceu, o que poderíamos caracterizar como modernização conservadora ou de adaptação aos tempos neoliberais. Passa ainda pela integração à União Europeia e pelas implicações sociais deste processo. Chama muito a atenção a passagem das relações sociais no trabalho, que passaram de uma regulação fordista para uma regulação, ou melhor, desregulação competitiva em um mundo que se transformou em um único mercado. Interessantes são também as análises sobre a dialética entre territorialização e desterritorialização provocadas por este mercado. Na leitura deste capítulo parece que você está lendo sobre a desregulamentação das proteções trabalhistas e previdenciárias no Brasil, depois do golpe de 2016.

A parte II do livro recebe como título geral As marcas do tempo. É formado por dois textos. O primeiro, Por que Cuba se transformou num problema difícil para a esquerda? Nele o autor comenta sobre o caráter peculiar da democracia cubana, as suas enormes dificuldades, passando pela análise dos tempos mais difíceis, fortemente influenciados pela conjuntura internacional e as suas reinvenções para a sua sobrevivência. Liderança carismática e construção de hegemonia são também questões abordadas.

O segundo texto tem por nome Comentários com data. São oito comentários sobre a política mundial, datados entre 2012 e 2015. O foco é a atuação do capitalismo financeiro internacional e as reações a ele, como as ocorridas na América Latina e as graves tensões internacionais que que envolvem os Estados Unidos e a Rússia, com foco na Ucrânia (Hoje seria a Síria). Há espaço ainda para a questão dos conflitos étnico religiosos e os fundamentalismos decorrentes. São sábias aulas para os cursos dedicados à política, geopolítica e relações internacionais, além da militância, é claro.

A parte III tem por título geral o bordão - Democratizar a democracia. É formado por dois textos. O primeiro, politizar a política e democratizar a democracia. Parte da existência dos conceitos de democracia representativa e participativa, da evolução histórica de sua formatação, de seus inimigos ao longo do século XX, quais sejam, o fascismo e o comunismo, chegando até a sua crise atual marcada pelo neoliberalismo, a mais anti social das ideologias que já existiram. Como antídoto propõe a radicalização e a democratização da própria democracia, marcada pelo avanço por seis espaços, em que uma democracia de alta intensidade deverá ser implantada. Como isto merecerá um post especial, me reservo o direito de, neste momento, apenas enunciá-los. São o espaço-tempo doméstico; da produção; da comunidade; do mercado; da cidadania e das relações mundiais. Talvez seja a parte do livro que mais motivou a sua publicação.

O segundo texto, Democracia, populismo e insurgência passa pela conceituação dos termos para se concentrar na insurgência. O neoliberalismo precisa de respostas e enfrentamentos. Como o neoliberalismo é incompatível com a democracia, por ser anti social, ele procura construir hegemonia, tornando necessária e até simpática a ideia da perda de direitos sociais fundamentais, fenômeno que o sociólogo denomina de "fascismo social". Este fascismo social, um verdadeiro austericídio, precisa ser combatido nos seis espaços já apontados, ou seja, pela prática de uma política de alta intensidade.

A parte IV é destinada a Reinventar as esquerdas. Nela não há um texto, mas Cartas às esquerdas. São 13 cartas que terminam num manifesto incompleto. Nelas, praticamente, todo o teor do livro é retomado. É um apelo à unidade, que começa por uma boa leitura do perverso, anti social e anti igualitário mundo existente, pois, a democracia é fundamentalmente luta por igualdade e justiça nas relações. Eu destacaria aqui quatro destas cartas. A de número 4, Colonialismo, democracia e esquerdas, a de número 10, Democracia ou capitalismo, a de número 12, Ecologia ou extrativismo e a de número 13, que é o Manifesto Incompleto. Nele existem três conceitos que também merecerão um post à parte. São um teste para ver se você é ou não é democrático ao examinar as suas posições frente ao capitalismo, ao colonialismo e ao patriarcado.

O livro termina com um epílogo de quatro páginas. Somente por estas quatro páginas o livro já mereceria ser comparado e lido. Ele tem uma espécie de título. Para ler em 2050: Uma reflexão sobre a utopia ou sobre a sociologia das ausências das esquerdas. O conceito de esquerdas e de direita também merecerão um post especial. Vejam, o plural e o singular são intencionais. Livro obrigatório para todos os verdadeiramente democratas das mais diferentes áreas de militância.








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