sábado, 1 de abril de 2017

Apocalypse Now. Coração das Trevas.

Vargas Llosa me levou a Coração das Trevas e Um posto avançado do progresso. Lendo a respeito, vi a relação entre o livro e o filme Apocalypse Now. Revi o filme. Ele é grandioso. O que é a força da imagem! Confesso que fiquei meio aborrecido comigo mesmo, pois o exemplar do filme que eu tenho é acompanhado de um livreto e nele tem três páginas falando de Joseph Conrad - Um clássico das telas. Passou batido. Eu não tinha lido Joseph Conrad. A formação é uma coisa que exige muito cuidado e atenção. 

O exemplar que eu tenho do Apocalipse Now é da Abril Coleções, Cinemateca Veja. Creio ser esta uma das únicas concessões que eu fiz a este panfleto que envergonha o jornalismo brasileiro. Mas o filme não foi ideologizado, ele está na íntegra e com toda a sua força. São 202 minutos, quase três horas e meia, de uma das maiores produções já feitas pelo cinema. A versão é a Redux, a sua versão mais longa, que dá um bom tempo para as coelhinhas da Playboy.
O destaque da capa vai para a enorme cabeça enlouquecida de Kurtz. O preço da civilização.


No livro de Joseph Conrad, Marlow é o narrador que conta as histórias que ouviu sobre Kurtz, um comerciante de marfim, estabelecido ao longo do rio Congo, em meio a selva africana. Pouco se sabe de seus métodos mas havia uma certeza. Ele sempre conseguia o abastecimento de marfim. Tempos do colonialismo europeu na África. A obra de Conrad data de 1899. Em Apocalypse Now, o foco não é mais a África mas continua com o tema do colonialismo, agora no sudeste asiático. O foco é a guerra do Vietnã, sobrando também para o Camboja, em cujas fronteiras o ensandecido Kurtz será encontrado.

A edição do livro Coração das Trevas, da CompanhiaDeBolso tem um posfácio muito elucidativo. Dele eu retiro um parágrafo que para mim foi fundamental na compreensão tanto do livro, quanto do filme. Ele é de autoria de Luiz Felipe de Alencastro e fala em duas interpretações gerais e complementares da obra: "A primeira, cujo conteúdo está sobretudo explicitado na metade inicial do texto, concerne à desumanização e à violência engendradas pelo colonialismo europeu na África. Mais baseada na outra metade da novela, a segunda leitura aponta para a inquietação existencial e o desregramento de indivíduos confrontados com a ruptura dos laços sociais".
O livro que serviu de inspiração para o filme.


No livro, os horrores da colonização estão presentes nas narrativas de Marlow, em sua viagem ao Congo e na descrição de como se agia em nome da superioridade no processo civilizatório. Para esta missão do bem, tudo era permitido. Ela está assim expressa: "Devemos necessariamente ser vistos por eles [os selvagens] como seres sobrenaturais - chegamos a eles com um poder que parece próprio de uma divindade [...] Pelo simples exercício de nossa vontade, podemos exercer um poder praticamente ilimitado para o bem". Mas quase ao final do livro encontramos uma expressão que é uma espécie de síntese de todo o processo: O horror! O horror!"

No filme quem irá atrás de Kurtz, o nome é mantido, será o capitão Benjamin Willard. Kurtz teria enlouquecido e se estabelecera nas fronteiras com o Camboja e já agia de forma independente, não obedecendo mais a nenhum comando. A missão do capitão era exterminá-lo. Assim, grande parte do filme mostra a viagem do capitão pelo rio Nung, passando por inúmeras cenas de atrocidades cometidas pelos soldados norte americanos. A eles tudo era permitido. A luta civilizatória agora ganhava o nome de defesa da liberdade e da democracia.

O filme mostra que em meio a estas atrocidades havia concessões em demasia para com os soldados. Era uma das broncas de Kurtz. Isso faria faltar a determinação, desviaria do foco. É o momento em que Coppola mostra o entretenimento, com grande destaque para o show das coelhinhas da Playboy. O soldados americanos deveriam ser tão, ou mais cruéis, quanto os vietcongs. Para eles havia duas únicas possibilidades. Ou a morte ou a vitória. Não havia alternativas.

Este foco muito me lembrou do relatado nos livros de Roberto Saviano, especialmente em Zero, Zero, Zero, sobre o comportamento das máfias e os treinamentos feitos para entrarem no reino da ferocidade e da crueldade total. Para tal promoviam verdadeiros rankings da crueldade. Nada que representasse qualquer tipo de afeto poderia ter vez. Era foco total na organização.

Em seu caminho pelo rio Nung o capitão Willard encontra franceses remanescentes da colonização da Indochina. Somente estas cenas já valeriam o filme. Inconformados com os fracassos e a decadência francesa, eles simplesmente se recusaram a voltar ao país. Lembrando que os franceses antecederam aos americanos no colonialismo do sudeste asiático. Fracassaram, assim como os norte americanos, que retiraram as tropas em 1973, para encerrar a guerra logo a seguir, em 1975. A ironia está presente ao longo de todo o filme.

Enfim o capitão chega ao local onde Kurtz pratica os seus desmandos. É imediatamente preso. Marlon Brando, interpretando Kurtz aparece na tela, num grande foco para a sua enorme cabeça enlouquecida. Uma imagem de horrores. Louco, alterna momentos de romantismo e ferocidade. O arlequim russo, que no livro narra os feitos de Kurtz, no filme será um fotojornalista americano a exaltar as virtudes do chefe. Kurtz sabe da missão do capitão, mas o capitão também tomara as suas providências. Kurtz precisaria ser destruído e o seria. A determinação de Kurtz, em levar os avanços do progresso, estava um pouco acima do permitido. O filme, da mesma forma que o livro, termina com a expressão O horror! O horror.

As viagens de barco pelo rio Congo e pelo rio Nung tem um simbolismo profundo. Elas refletem o estado da alma dos homens todo poderosos do processo civilizatório. No caso do filme, o capitão Willard contempla as horríveis cenas da guerra. Nuvens de Napalm voam pelos ares. A viagem apocalíptica tem como destino final a chegada ao inferno. Mas a este ponto nunca chegam, pois, o vivem a cada instante e momento da viagem. A loucura e o horror tomam forma concreta e contaminam a todos. A desumanidade no processo civilizatório é total e completa. Oh horror! Oh horror!

As filmagens começaram nas Filipinas em 1976. A primeira exibição foi no Festival de Cinema de Cannes em 1979, com o filme ainda inacabado. Mesmo assim foi premiado com a Palma de Ouro. Em 2001 foi lançada a sua versão Redux, com o acréscimo das cenas com as coelhinhas e a recepção dada pela família francesa. Foi um extraordinário sucesso de público e de bilheteria. A Academia de Cinema não foi muito generosa para com o filme. Ganhou apenas dois Oscars, o da melhor edição de som e o de melhor fotografia. Grandes atores representaram os principais personagens. O maior destaque necessariamente vai para Martin Sheen, no papel do capitão Willard, secundado por Marlon Brando no papel do enlouquecido Kurtz. O arlequim russo do livro, transformado em fotojornalista americano no filme, também teve grande interpretação por parte de Dennis Hopper.

Oh horror! Oh horror! Sem legendas.








2 comentários:

  1. oi, pedro. o livro que tu fala do llosa é o "a verdade das mentiras?"

    btw, linda resenha. simples mas profunda, que nem a prosa do conrad.

    abraço, Mozart Ta.

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  2. Mozart Ta., em primeiro lugar agradeço o seu generoso comentário. A fonte que indicou os nove livros apontados por Vargas Llosa,eu a anotei no caderno sem a fonte. Daí eu fiz uma conferência no Google e confirmou. Não foi no " a verdade das mentiras", pois não o li. Um abraço.

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