quarta-feira, 12 de abril de 2017

Trópico de Câncer. Henry Miller.

Mais uma das indicações de Vargas Llosa. Ele indicou os nove livros mais importantes da literatura mundial. Como não lembro a fonte e como muitos a pedem, conferi a lista no Portal Raízes. Trata-se de Trópico de Câncer, de Henry Miller. Fiquei conhecendo a fama deste escritor, ainda nos anos 1960, quando estava no seminário. Era proibidíssimo. O conteúdo sexual de suas obras era o motivo. O escritor nasceu em 1915 e morreu em 2005, apenas para situá-lo e datá-lo.
Em Paris. Sem dinheiro, emprego, moradia e alimento. A queda nas profundezas da existência.

Para situar a obra, vamos localizá-la. Ela foi escrita em 1934, em Paris. A cidade é o seu objeto de descrição. Miller é um dos muitos escritores americanos que moraram nesta cidade, não tão maravilhosa, ao menos, segundo o escritor. Lá ele passou por poucas e boas. Observe bem o ano de publicação e procure contextualizar a data. É o período entre guerras, da crise do capitalismo mundial de 1929 e de suas decorrências e da ascensão das anomalias políticas como o fascismo e o nazismo.

Vou começas com duas frases bem sintomáticas. Uma, eu guardo a mais tempo, dos tempos em que eu li uma biografia de Fellini. Ela diz o seguinte: "Segundo minhas experiências, na escola como em casa faziam de tudo para apagar nossa peculiaridade". E agora, lendo Fausto de Goethe, entre os comentários sobre a obra encontrei a eterna luta da "oposição entre a uniformidade do comportamento social e a peculiaridade específica dos anseios individuais". Trópico de Câncer é um libelo em favor do indivíduo em seu confronto com a cultura reinante.

Bóris é um dos vários personagens do livro. Bóris estava com chatos e nos é apresentado pelo narrador como um profeta meteorológico. Bóris não era um otimista: "O tempo continuará ruim, diz ele. Haverá mais calamidades, mais morte, mais desespero. Não há a menor indicação de mudança em parte alguma. O câncer do tempo está-nos comendo. Nossos heróis estão morrendo ou estão se matando. O heroi, então não é o Tempo, mas a ausência do Tempo. Precisamos acertar o passo, em ritmo acelerado, em direção à prisão da morte. O tempo não vai mudar". Encontramos esta profecia já na primeira página do livro. Esta será a tonalidade e esta é a referência ao câncer, que está no título.

A obra não é de leitura agradável. O tom pessimista e mesmo nojento com que aborda os temas está onipresente. Sexo rasteiro, prostituição com asco, desrespeito ao ser humano, machismo descarado, loucura, fome, rastejar pela sobrevivência são a realidade diária descrita na obra, ambientada em Paris, onde vive o narrador, praticamente sem dinheiro, sem emprego, sem moradia e sem comida. Vive de bicos e de favores. Os bicos lhe aparecem pela sua condição de americano e de escritor. Revisa jornais e, num convênio franco americano, é professor de inglês em Dijon. O convênio existe, diz, para difundir o evangelho da amizade franco americana.

A cultura que o oprime são dois mil anos de idiotices passando pelo judaísmo, pelo cristianismo e pela civilização da técnica. Assim fala da Weltschmertz, de sua neurose e sofrimento. Fala dos judeus, de padres, em meio aos poloneses, indianos, russos, procurando caracterizar cada um em suas peculiaridades e em meio a inúmeras prostituas, putas de alto a baixo e de suas bocetas, encontradas às fartas em qualquer parte da cidade.

O livro que eu li é da Biblioteca Folha, com tradução de Aydano Arruda. Não tem apresentação, prefácio ou posfácio. Tem apenas duas pequenas referências sobre a obra, uma na orelha da capa, e outra, na contracapa. A orelha não tem autoria mas tem um roteiro interessante para a leitura. Nos conta que são as aventuras do autor, em Paris, nos famosos anos 1930. Nos dá as seguintes pistas.

"Sem obedecer a uma sequência linear, o romance se estende pelos bulevares da cidade, entra em suas pensões baratas, se embebeda nos cafés ordinários, convive com uma multidão de artistas e intelectuais igualmente desenraizados e sem dinheiro, dorme com prostitutas e mulheres solitárias. O ritmo é do relato rápido, ansioso, de quem quer chegar à medula das coisas. Tendo sido acusado de pornográfico e obsceno quando foi lançado, o livro de Henry Miller pode hoje ser lido, sem as lentes do preconceito, como um dos mais intensos testemunhos literários de uma geração que mergulhou de cabeça na vertigem do século XX".

Na contracapa o colunista da Folha, Fernando Bonassi, nos dá outras informações, como a censura ao livro nos Estados Unidos e que foi liberado apenas quando as suas revelações começariam a ser digeridas quando "o sonho americano deu sinais de pesadelo e os filhos e filhas da bomba atômica abriram os olhos, deixaram crescer os cabelos e suspenderam as saias". O livro nos narra, ainda segundo Bonassi, o que há de mais nobre e medíocre na experiência humana, fazendo um dos elogios mais revolucionários da autonomia pessoal que a literatura universal pode suportar".

Bonassi em seu parágrafo de encerramento nos diz ainda: "Aqui se encontra música; a cadência de frases vitaminadas e a força irada das imagens poéticas. Aqui se discute sem vergonha o preço da felicidade e do caos. Sexo, loucura, arte, vício, fome... Você tem nas mãos um livro nojento, grandioso, estimulante, infernal. Você tem nas mãos o Livro da Vida! Diante de uma experiência como essa, só o arrebatamento".

O livro tem 286 páginas, sem nenhuma sequência linear, como vimos. Possui 15 capítulos, não numerados, em que aparecem diferentes personagens. Tem um crescendo extraordinário nos capítulos finais. Um dos pontos altos do livro, que tem uma profunda tonalidade da angústia da existência, é um grande diálogo que mantém com inúmeros autores consagrados da literatura universal. Me permitam uma observação final. Eu contrariaria Vargas Llosa. Não o incluiria entre as nova obras mais significativas de todos os tempos.



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