segunda-feira, 22 de maio de 2017

Oswald de Andrade e a Academia Brasileira de Letras.

A Academia Brasileira de Letras nunca foi uma unanimidade. Em Navegação de Cabotagem Jorge Amado nos conta algumas de suas peripécias. Entre elas está a de que Machado de Assis, um de seus fundadores, impunha dois vetos incondicionais para quem dela quisesse participar. Dela estariam sistematicamente afastados os boêmios e as mulheres. Fundada em 1897, Rachel de Queiroz ingressou nela apenas em 1977. Foi a pioneira. Foram 80 anos à espera de uma presença feminina.
Irreverente e sarcástico. Marcos do homem do modernismo brasileiro.


Agora, lendo a bela biografia de Oswald de Andrade, de autoria de Maria Augusta Fonseca, encontro mais curiosidades que merecem registro. O homem do modernismo brasileiro, por duas vezes tentou ingressar no mais elevado círculo dos homens de Letras desse país, mais por deboche, do que por efetiva vontade. São tentativas cheias de humor e ironia, tão características de Oswald.

A primeira tentativa ocorreu em 1925, depois, portanto, da passagem do furacão da Semana de Arte Moderna de 1922, ocasião em que Oswald foi estrondosamente vaiado. A primeira a saber da sua intenção foi Tarsila do Amaral, a quem comunicou sua intenção através de uma carta com os seguintes dizeres: "Prezada artista, a 1ª da capital [...] Aqui todos vão bem e eu vou apresentar minha candidatura na ilustre Academia Brasileira. Conto ser vencido, porém, com glória. [...] Oswald phd 1º homem do Brasil!"

Não chegou a ser considerado inscrito, mas pleiteou a vaga em carta aberta, endereçada aos imortais. Depois de uma estocada num dos concorrentes, ele apresenta as suas qualidades. "O Senador Antônio Azeredo - todos vós o sabeis - erra ainda em gramática, erra em estilo, erra em colocação de pronomes. Só acerta em política. Eu não erro porque não acredito em nada disso. Sou escritor e poeta todos os dias, há quinze anos no mínimo. Uso quando quero do estilo convincente (esta carta!), ando às vezes de guarda chuva, já falei na Sorbonne e tenho sido repetidamente elogiado pelo Sr. Tristão de Athayde. Indiquei, queiram ou não queiram, o roteiro brasileiro à minha geração - ao contrário da vossa - quase toda genial. Publiquei diversos volumes de originalíssima  realização - como sobejamente o provam a hostilidade e o espanto do nobre professor Oiticica".

Promete mudar a Academia em quase tudo. Promete "meter o bedelho nos negócios administrativos da Academia, promovendo medidas de alta justiça que não compreendo como até agora escaparam à visão imortal" e continua alfinetando "a Academia desmente o espírito com que foi fundada e insulta a inteligência brasileira a cada nova eleição" e arremata.

"Dos vossos nobre escrutínios só pode sair a derrota de uma pretensão que não entra no meu feitio - todos sabem. Eu de farda - (eu e mais do que eu, qualquer dos modernistas brasileiros solidários com a mocidade heroica de Graça Aranha) - é um anacronismo tão grave como Osório Duque Estrada de bicicleta. A minha candidatura  ficará sendo o altifalante de uma queixa - a dos milhares de intelectuais de minha terra, escarnecidos pela cavação da expoência, quando não pela expoência cavação".

Quinze anos após, em 1940 tenta novamente, na vaga deixada por Luís Guimarães. Disputa com Manuel Bandeira, Martins de Oliveira, Berilo Neves, Basílio de Magalhães, Júlio Nogueira e Menotti del Picchia, que desiste em favor de Manuel Bandeira, que será o vencedor, com 21 votos. Adivinhem quantos votos foram para o Oswald? Apenas um, o de Cassiano Ricardo.

A sua candidatura, mais uma vez, tinha a finalidade de levantar polêmica mas, desta vez, se inscreve formalmente por meio de uma carta-inscrição. Veja os termos: "Senhor acadêmico: Será V.S. uma das raras inteligências deste Grêmio que compreendem a atual situação do mundo (Segunda Guerra), e portanto, a da própria Academia? Ou será V.S. um dos membros da quinta-coluna, que camuflados no fardão, sabotam aí dentro, as magras conquistas do espírito brasileiro.

Passará pela cabeça de V.S. alertada pelos bombardeios contemporâneos, que o fim dos quarenta imortais que nas últimas décadas adormecem o espírito francês sous la coupole, pode ser um campo de concentração? Ou será V.S. daquelas teimosas velhas de Botafogo que ainda acreditam no pavoneio dos títulos literários, roubados aos verdadeiros trabalhadores da cultura? Neste caso quererá V.S. que a Academia Brasileira de Letras seja um espelho Luís XV de um grupo de arrivistas coloniais e suspeitos pretendendo explorar uma multidão de analfabetos? Ou quererá V.S. realmente que o nosso povo se emancipe, participando afinal da vida intelectual do país, como da sua vida econômica, jurídica e social? Todas essas interrogações vêm na dobra da minha candidatura a um fauteuil nessa casa. Sobre ela decidirá V.S. com a mentalidade que representa. O futuro julgará essa eleição mais do que a eleição me julgará. Protocolarmente sou candidato ao voto de V. S. e com prazer me subscrevo".

Também deu muitas declarações à imprensa, como esta, comparando-se a um paraquedista."paraquedista que se lança sobre uma formação inimiga, cujo destino único é ser estraçalhado". Dá bem uma ideia do espírito polêmico, irrequieto e provocador do homem do modernismo brasileiro. A Academia Brasileira de Letras bem que merecia estas finas ironias e continua merecendo, especialmente quando sabemos que o global Merval Pereira é um de seus componentes.

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