segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Almas mortas. Nicolai Vassílievitch Gógol.

A leitura deste romance nos dá a certeza de que, atrás de cada página virada, existe um escritor com  uma vida profundamente perturbada e conturbada. A cada página virada, você sente a necessidade de conhecer dados biográficos do narrador. Então, nada melhor, como de hábito, situar Gógol, no seu devido tempo e espaço. Ele teve uma vida breve, entre 1809 e 1852, mas a morte sempre o rondava e parecia ser desejada. Era meio ucraniano, pelo local de nascimento, mas como escritor, como ninguém, decifrou a alma do povo russo.
 A descrição de hábitos, costumes e crenças de um povo.

Gógol recebeu fortes influências de Púchkin e legou influências para toda uma geração de escritores da refinada literatura russa. Vejamos esta afirmação de Dostoiéski: "Descendemos, todos nós, de 'O Capote' ", uma obra sua. De certa forma, conseguiu manter-se, basicamente, com os seus escritos. O humor presente em sua obra o tornava um escritor bastante popular. Até os funcionários das gráficas se divertiam, ao comporem os seus livros.Tornou-se grande amigo de Púchkin, que logo "percebeu-lhe a inexperiência, o espírito conturbado, a cultura deficiente. Mas também descobriu a maior característica literária de Gógol: "sabe mostrar como ninguém a superficialidade do homem vulgar", diz o livro de biografias e comentários, que acompanha os volumes da coleção Os Imortais da Literatura Universal, da qual ocupa o volume de número 42.

As suas principais obras são O Inspetor Geral (1836) e Almas mortas (1842). Sobre O Inspetor Geral, ele mesmo comenta: "É a primeira obra concebida com o propósito de corrigir nossa sociedade, e não creio havê-lo conseguido; só viram na minha comédia, uma tendência partidária a ridicularizar nossas leis e a ordem estabelecida, quando só pretendi estigmatizar certos abusos e certos atos ilegais". O tema me interessou e é fácil imaginar a situação. A chegada de um inspetor geral é anunciada em uma cidade. Mas um espertalhão chega antes e recebe todas as honrarias. A crítica à obra o deixa em depressão e viaja o mundo.

Passa pela Alemanha, França e Suíça e chega em Roma, já com os primeiros capítulos de sua principal obra devidamente traçados. Trata-se de Almas mortas.  Neste seu volumoso livro, Tchítchicov, viaja pela Rússia, depois de ser flagrado em desonestidades no serviço público, em busca de um enriquecimento fácil. São tempos de revoluções, de Napoleão, de grandes generais e homens destinados a aventuras e de ascensão social. Homens afáveis e de fino trato nos relacionamentos. Observem a data da publicação da obra, 1842. Eram tempos de servidão. Os servos eram chamados de "almas". Pelo número de almas é que se media a riqueza dos proprietários rurais. Tchítchicov resolveu ser um grande proprietário, mesmo sem terras e sem almas vivas. A respeito, lemos o seguinte no livro de biografias que acompanha a obra:

"Almas mortas é um retrato fiel da Rússia da época, quando ainda reinava o regime de servidão. Os bens de um proprietário eram avaliados pela quantidade de 'almas' (servos) que ele possuía, e pelas quais pagava um imposto.Temporariamente eram feitas revisões para a contagem dos servos ainda vivos. Todavia algumas 'almas' já mortas continuavam figurando na lista dos impostos. O poeta Púchkin sugeriu ao escritor a seguinte situação: um esperto proprietário compra as 'almas' mortas por um preço baixo e hipoteca-as como vivas, com grande lucro. Gógol aproveitou a ideia e, através de Tchítchicov, leva o leitor numa viagem por toda a Rússia, descrevendo as condições do povo".

Na viagem que Tchítchicov empreende são conhecidos os mais diferentes personagens da Rússia rural e das capitais de províncias. Todos estão ávidos por ganhar dinheiro, sem grandes esforços. Entre os personagens que mais me chamaram a atenção está Nozdriov, de quem tudo de ruim se podia esperar e a figura de Sobankêvitch, a descrição viva de um homem corroído pela sovinice e pela desconfiança. Era odiado por todos.

Tchítchicov era um homem singular. Um granfino refinado, galanteador e extremamente educado, logo granjeava a simpatia de quase todos. Até as desconfianças com relação a seus negócios quase sempre desapareciam. O capítulo VI, do primeiro volume é quase todo dedicado a Pliushkin, um "mendigo proprietário". Por onde passava não era nem mesmo necessário varrer a rua, pois ele levava tudo. Uma narrativa viva do processo, da dinâmica da avareza. O homem terminou isolado de todos. Também destaquei o capítulo VIII. A ele, por conta própria dei o seguinte título: Impactos da palavra milionário sobre a moral e os costumes, especialmente, sobre as senhoras. Que descrição!

Já que falamos de partes e capítulos, o livro se divide em duas partes. A primeira tem 11 capítulos e a segunda quatro e mais um, sob o título de "um dos últimos capítulos. A segunda parte ganha um tom vivamente moral, com muitos discursos contra a corrupção e de busca da salvação da própria alma em vez da compra de almas. Vejamos: "Pense, não nas almas mortas, mas na sua própria alma viva, e siga com Deus, por outro caminho"! Isso tem explicações. Em sua época, os escritores e intelectuais russos estavam cindidos em dois grupos: os ocidentalistas, que defendiam a modernização russa vinda dos países da Europa ocidental e os eslavófinos, empenhados em manter as tradições culturais do povo russo. Gógol se alinhava a este segundo grupo, grupo ao qual também, mais tarde, Dostoiévski se filiaria. Isto é importante para compreender a literatura dos dois.  Sua obra está repleta destas posições, com conotações altamente moralistas. Toda a segunda parte é praticamente um libelo contra a corrupção, ou sobre a impossibilidade de erradicá-la. O funcionalismo público e as propinas estão em constante ataque. Muitos lamentos pela presença da ocidentalização. A obra está inconclusa, mas isso não prejudica a sua leitura.

Seus últimos anos de vida foram um tormento, vividos entre a fé e o misticismo. Tornou-se amigo de um padre e chegou a ir à terra santa. Queimou, neste período final, praticamente tudo o que escrevera e que ainda não fora ainda publicado. O livro de biografias que acompanha a edição lhe dedica uma espécie de frase em epígrafe final: "E, ficou claro que espécie de criatura é o ser humano: é sábio, inteligente e sensato em tudo o que se refere aos outros, mas não a ele próprio". Ah! A literatura russa!.




2 comentários:

  1. voce le bastante , tenho 16 anos e nao cosigo ler muito..
    espero que até eu chegar aos 50 tenha lido 800 livros

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  2. Ler é sempre uma viagem fantástica. Vai em frente que a leitura vicia, no bom sentido da palavra. Agradeço o seu comentário.

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