Um livro denso. Um livro que se impõe, se você efetivamente pensa num mundo melhor, em que a convivência humana seja minimamente possível. A grande tese do livro O fim do império cognitivo -A afirmação das epistemologias do sul, de Boaventura de Sousa Santos, é a de que as chamadas epistemologias do norte fracassaram e que são absolutamente insuficientes para resolver os graves problemas que a humanidade enfrenta nessas primeiras décadas do século XXI.
O extraordinário livro de Boaventura de Sousa Santos. Pela Autêntica. 2019.
O extraordinário livro de Boaventura de Sousa Santos. Pela Autêntica. 2019.
As epistemologias do norte correspondem ao paradigma da racionalidade que emergiu junto com o mundo moderno e em que, basicamente, a razão substituiu a fé, ou nas palavras eruditas de Kant, ao afirmar que "nossa época é propriamente a época da crítica, à qual tudo tem de submeter-se. A religião, por sua santidade, e a legislação por sua majestade, querem comumente esquivar-se dela. Mas desse modo suscitam justa suspeita contra si e não podem ter pretensões àquilo que foi capaz de sustentar seu exame livre e público". Assim a razão substituiu, tanto o altar, quanto o trono.
Foi uma época de grandes progressos e de muita esperança. O mundo adentrou ao século XX como um século de grande progresso, de prosperidade e, sobretudo, de paz. A razão, pela via da ciência e do entendimento traria a ideia do "progresso indefinido". Mas, mal o século começou e tudo ruiu. Duas guerras, a primeira, a mais sangrenta de todas, e a segunda, com horrores inimagináveis, desacreditaram as crenças. Adorno denuncia a razão como a razão instrumental. O mundo se refez, tanto por revoluções, quanto por reformas. As duas estão desacreditadas no início do século XXI.
Assim, diante da ausência de esperanças e de perspectivas, o mundo das teorias precisa se refazer. As ideologias do norte, representadas pela "deusa razão" são insuficientes para continuar oferecendo esperança, ingrediente fundamental da natureza humana, para que o mundo continue com a ideia do dia de amanhã e ofereça princípios que, minimamente, assegurem a convivência e a sobrevivência da humanidade.
Como as ideologias do norte não mais oferecem essa possibilidade, o mundo da teoria precisa ser reinventado. Boaventura de Sousa Santos nos oferece essa possibilidade, pelo que ele chama de "ideologias do sul". Se as ideologias do norte brotam da razão, da razão instrumental, distante do coração (do corazonar), temos que buscar alternativas nas epistemologias do sul. Nelas o conhecimento emerge não da razão, mas da necessidade. As ideologias do norte impuseram três categorias ao mundo e trouxeram muitas injustiças e, em consequência, muitas revoltas. Essas categorias são o capitalismo, o colonialismo e o patriarcalismo. Nenhuma dessas categorias foi superada, pelo contrário, elas se refizeram a cada dia e continuam impondo cada vez mais dor, sofrimento e riscos permanentes.
Somente as ideologias do sul, com a oferta de conhecimentos que em muito ultrapassam os da fria razão e que são ricas em diversidade, podem se oferecer como alternativas. Alternativas aos "riscos de morte em contexto de conflitos armados dos quais as vítimas, civis inocentes, não são participantes ativos; o risco de doença causado pelo uso massivo - quer legal, quer ilegal - de substâncias perigosas; o risco de violência causado pelo preconceito racial, sexista, religioso, xenófobo e outros; o risco de ver saqueados os seus próprios magros recursos, seja o salário, a pensão de reforma, ou a casa hipotecada [...]; o risco de precariedade no emprego e o risco de frustração das expectativas relativas à estabilidade de emprego necessárias para elaborar planos para o próprio e sua respectiva família. Esse é o grande mundo da experiência do medo sem esperança...".
Como já afirmei o livro tem rara densidade teórica. Estabelece diálogos absolutamente plurais. É dividido em três partes e doze capítulos, além de prefácio, introdução, conclusão e bibliografia. As três partes são: 1. Epistemologias pós-abissais; 2. Metodologias pós-abissais e 3. Pedagogias pós-abissais. Os temas são desenvolvidos ao longo de 478 páginas.
A parte 1 tem os seguintes capítulos: 1. Percursos para as epistemologias do sul; 2. Preparar o terreno; 3. Autoria, escrita e oralidade; 4. O que é a luta; 5. Corpos, conhecimentos e corazonar. Chamo especial atenção para este capítulo 5, para mim, o mais belo do livro.
A parte 2 tem os seguintes capítulos: 6. Descolonização cognitiva: uma introdução; 7. Sobre as metodologias não extrativistas; 8. A experiência profunda dos sentidos; 9. A desmonumentalização do conhecimento escrito e arquivístico.
A parte 3 tem os seguintes capítulos: 10. Gandhi, um arquivista do futuro; 11. Pedagogia do oprimido, investigação-ação participativa e epistemologias do sul (capítulo dedicado a Paulo Freire e ao espanhol Fals Borda); 12. Da universidade à pluriversidade e à subversidade. A conclusão é uma espécie de síntese muito bem feita do livro e tem por título "entre o medo e a esperança", que segundo Spinoza são as duas emoções básicas da vida. O atual quadro se apresenta como "uma vida na expectativa, sem expectativas".
Dessa conclusão tiro uma passagem muito significativa: "Face a tal fato, o argumento central deste livro é o de que qualquer intervenção que tenha como objetivo interromper esse tipo de política requer a interrupção da epistemologia que lhe está subjacente. Isso significa que a intervenção epistemológica é também uma intervenção política. A essa interrupção dou o nome de epistemologias do sul. Baseado nelas, defendo que não faltam alternativas ao mundo. Falta sim, um pensamento alternativo de alternativas. Esse é o caminho mais seguro para recuperarmos a esperança no nosso tempo. Não esperança sem medo, mas esperança suficientemente resiliente para não se deixar vencer pelo medo sem esperança".
E para deixar claro a grande finalidade do livro, de combate ao capitalismo, ao colonialismo e ao patriarcalismo, recorro aos dois parágrafos da contracapa: "Afinal de contas, por que é que o pensamento crítico eurocêntrico se rendeu? Por que desistiu de formular alternativas críveis que explicassem e fortalecessem as lutas contra a dominação e a opressão? Defendo neste livro que para responder a essas questões é imprescindível questionar os alicerces epistemológicos do pensamento crítico eurocêntrico e ir além dele, por mais brilhante e magnífico que seja o conjunto de teorias que ele gerou.
Para recuperar a ideia de que existem alternativas, bem como para reconhecer que as lutas contra a opressão que continuam a ter lugar no mundo são portadoras de alternativas potenciais, é necessária uma mudança epistemológica. O argumento deste livro é que essa mudança se encontra naquilo que chamo de epistemologias do sul". E... vamos cravar bem os inimigos que oprimem: capitalismo, colonialismo e patriarcalismo.
Como já afirmei o livro tem rara densidade teórica. Estabelece diálogos absolutamente plurais. É dividido em três partes e doze capítulos, além de prefácio, introdução, conclusão e bibliografia. As três partes são: 1. Epistemologias pós-abissais; 2. Metodologias pós-abissais e 3. Pedagogias pós-abissais. Os temas são desenvolvidos ao longo de 478 páginas.
A parte 1 tem os seguintes capítulos: 1. Percursos para as epistemologias do sul; 2. Preparar o terreno; 3. Autoria, escrita e oralidade; 4. O que é a luta; 5. Corpos, conhecimentos e corazonar. Chamo especial atenção para este capítulo 5, para mim, o mais belo do livro.
A parte 2 tem os seguintes capítulos: 6. Descolonização cognitiva: uma introdução; 7. Sobre as metodologias não extrativistas; 8. A experiência profunda dos sentidos; 9. A desmonumentalização do conhecimento escrito e arquivístico.
A parte 3 tem os seguintes capítulos: 10. Gandhi, um arquivista do futuro; 11. Pedagogia do oprimido, investigação-ação participativa e epistemologias do sul (capítulo dedicado a Paulo Freire e ao espanhol Fals Borda); 12. Da universidade à pluriversidade e à subversidade. A conclusão é uma espécie de síntese muito bem feita do livro e tem por título "entre o medo e a esperança", que segundo Spinoza são as duas emoções básicas da vida. O atual quadro se apresenta como "uma vida na expectativa, sem expectativas".
Dessa conclusão tiro uma passagem muito significativa: "Face a tal fato, o argumento central deste livro é o de que qualquer intervenção que tenha como objetivo interromper esse tipo de política requer a interrupção da epistemologia que lhe está subjacente. Isso significa que a intervenção epistemológica é também uma intervenção política. A essa interrupção dou o nome de epistemologias do sul. Baseado nelas, defendo que não faltam alternativas ao mundo. Falta sim, um pensamento alternativo de alternativas. Esse é o caminho mais seguro para recuperarmos a esperança no nosso tempo. Não esperança sem medo, mas esperança suficientemente resiliente para não se deixar vencer pelo medo sem esperança".
E para deixar claro a grande finalidade do livro, de combate ao capitalismo, ao colonialismo e ao patriarcalismo, recorro aos dois parágrafos da contracapa: "Afinal de contas, por que é que o pensamento crítico eurocêntrico se rendeu? Por que desistiu de formular alternativas críveis que explicassem e fortalecessem as lutas contra a dominação e a opressão? Defendo neste livro que para responder a essas questões é imprescindível questionar os alicerces epistemológicos do pensamento crítico eurocêntrico e ir além dele, por mais brilhante e magnífico que seja o conjunto de teorias que ele gerou.
Para recuperar a ideia de que existem alternativas, bem como para reconhecer que as lutas contra a opressão que continuam a ter lugar no mundo são portadoras de alternativas potenciais, é necessária uma mudança epistemológica. O argumento deste livro é que essa mudança se encontra naquilo que chamo de epistemologias do sul". E... vamos cravar bem os inimigos que oprimem: capitalismo, colonialismo e patriarcalismo.
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