terça-feira, 18 de julho de 2023

LISÍSTRATA. A greve do sexo. Aristófanes. Vestibular 2024 - UFRGS.

Retomei nesta semana a leitura de obras indicadas para vestibular. São sempre grandes indicações. Não é por acaso que um livro é indicado para tal. Recomecei com uma peça de fino humor, uma comédia. Trata-se de Lisístrata - A greve do sexo, de Aristófanes. A comédia data do ano de 411 a.C.. A comédia não tinha a mesma posição das tragédias, mas também contava com financiamentos públicos para a sua produção. Participavam também de competições. Lisístrata é uma indicação para o vestibular - 2024 - da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Lisístrata - a greve do sexo. Aristófanes. L&PM 2023. Tradução: Millôr Fernandes.

Lisístrata chama mais a atenção pelo seu subtítulo - A greve do sexo. Lisístrata é o nome da mulher que organizou e liderou esta famosa greve e o motivo pareceu muito mais do que justo. A Grécia, depois de derrotar os persas nas chamadas Guerras Médicas, travou inúmeras lutas entre as próprias cidades gregas, as chamadas guerras do Peloponeso (431 a 404 a.C.). A participação dos maridos nessas guerras os afastava de seus lares e, em consequência, também de suas esposas, estando elas em plena fase de desejos. E, quais eram os motivos para essas guerras? Enriquecerem pelos saques e pilhagens das riquezas das cidades vizinhas. Era demais!

Aristófanes, tudo faz constar, tinha refinada educação filosófica e musical. A produção de uma peça exigia de seu autor ser também o seu produtor, responsável também pela parte musical. Ele tinha que cuidar de tudo. Também vemos Aristófanes participar de O Banquete de Platão. Em seu discurso busca explicar as origens do amor, mas não deixa de mostrar também a sua profunda ironia com relação à sexualidade, ou à masculinidade dos políticos atenienses - "desinteressados pela família e voltados exclusivamente para as relações com os jovens" -, como lemos na introdução de O Banquete, escrita por J. Cavalcante de Souza, da editora DIFEL. Está aí, o tema, ou melhor, o motivo da greve. "Desinteressados pela família".

As protagonistas da peça são as mulheres das diferentes cidades gregas: Lisístrata, Cleonice, Mirrina e Lampito. Também participam um coro de velhos e de mulheres, soldados, marido e comissário. A força da peça está nos diálogos provocantes, refinados de ironia e sarcasmo e também fortes conotações de refinado erotismo. As mulheres, antes do ato da greve e usando de seus atributos de sedução, deixavam os maridos em total estado de pane, à beira de incontidas explosões. Resta dizer que as mulheres serão as vencedoras, a greve é bem sucedida e tem um final feliz. A tão desejada paz.

A peça termina numa grande confraternização. Vejamos o encerramento da comédia, num convite à festa, por um espartano e uma admoestação final de Lisístrata: " Venham todos depressa que a dança é bela, a música contagia, nossas donzelas são lírios a serem colhidos pelas mãos mais hábeis. Nossas mulheres estão lindas. Nunca foram tão lindas! Batem no chão com os pés velozes, lançam ao vento as longas cabeleiras; e as bacantes ondeiam o corpo sensual, em louca tentação, estimuladas pelo Deus do Vinho. Evoé! Evoé! Venham todos dançar e cantar em honra da vitória da mulher!"

Lisístrata: "E agora, basta! partam todos que eu também tenho direito ao meu descanso (risos, alegres, palmas, concordância). A comemoração pública terminou. Que cada um, agora, aproveite bem o seu prazer particular. Cada homem recolhe sua mulher e volta para casa. Mas atenção: os espartanos, as suas, os atenienses, as deles. Cada um deve se contentar com o que tem. Que ninguém se engane de propósito, trocando sua mulher por outra melhor, pois isso pode começar uma nova guerra".

Quanta atualidade está contida nessa comédia de 411  anos a. C.. O tema do machismo, proeminência masculina nos debates públicos, mulher e finalidades de procriação e afazeres domésticos, a ganância humana, desejos de riqueza fácil pela pilhagem das riquezas dos outros, a busca pela paz e a aversão à guerra, ainda mais quando se trata de uma guerra entre cidades de um mesmo país. Uma outra coisa também não passa despercebida. Eles não eram tão moralistas como os moralistas de hoje. As hipocrisias do tempo presente. Não é por nada que uma das grandes características dos conservadores extremistas (fascistas) é a sua preocupação com o comportamento sexual dos outros.

O livro que eu li é da L&PM Pocket (2023). A tradução é de Millôr Fernandes. Ao final existe uma nota - sobre a peça. Na parte final lemos o seguinte: "Em meio a tal panorama de perigo iminente e de surda guerra civil foi encenada Lisístrata. Neste libelo pacifista, pró união dos estados gregos, as mulheres - que na vida real sequer eram consideradas cidadãs atenienses - reúnem-se, deliberam sobre o futuro de sua sociedade e dos seus, ameaçado pela guerra, e tomam uma atitude drástica. O caráter satírico dos gêneros cômicos facilitava com que se invertessem os costumes e fossem colocadas em cena mulheres com papéis importantes (o que também acontece com outras peças do autor). A obra de Aristófanes é recheada de recursos cênicos satíricos, por vezes absurdos e burlescos, e o tom obsceno do enredo - como as megaereções dos maridos das grevistas - provém, em parte, das origens mágicas e ritualísticas do teatro e das relações deste com os cultos pagãos e humanistas à fecundidade e à fertilidade.

Embora fizessem parte do caráter carnavalesco das comédias os mais diversos disparos contra as instituições e os cidadãos ilustres, Aristófanes usa e abusa de acusações e referências críticas a políticos, administradores da época e demais cidadãos (depois da encenação de Os babilônios, chegou a sofrer um processo judiciário devido aos ataques contidos na peça). A despeito do tom cômico, em Lisístrata - assim como nas outras obras do comediógrafo - há seriedade no trato de alguns sentimentos: o amor pela paz, a nostalgia pelos primórdios da democracia ateniense, ataques aos sofistas e aos seus novos princípios educativos, a ode ao campo e a denúncia dos perigos da cidade, local de perdição e corrupção.

Aclamado pelo público e desprezado pelos eruditos, mesmo assim o gênero da comédia antiga se desenvolveu e sua chama perdura até hoje, nas incontáveis formas cômicas que são suas herdeiras. Mas daquela comédia dramática antiga, que tanto sucesso obtinha, apenas peças de Aristófanes chegaram até nós". Uma notável indicação de leitura.


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