O homem revoltado ficou na minha estante desde 2001 para ser lido por inteiro. Não foi por falta de tentativas anteriores. Falta de fôlego e outras ocupações me fizeram desistir, ao menos em duas oportunidades. Confesso que não terminar a leitura de um livro não é uma característica minha. Ler O homem revoltado, de Albert Camus não é uma tarefa fácil. Trata-se, com certeza, de um dos livros mais eruditos que eu já li. Trata-se de um ensaio que analisa o ser humano em seu inconformismo ao longo de toda a história.
O homem revoltado. Albert Camus. Record. 1999.
Albert Camus é franco argelino. Nasceu na Argélia em 1913 e morreu na França em 1960, num acidente automobilístico, nas proximidades de Paris. Sobre este acidente pairam dúvidas de que foi um assassinato comandado a partir de Moscou. Haveria motivos para tal? Se considerarmos a possibilidade do sim, certamente - O homem revoltado - deverá ser apontado como uma das principais causas. Um dos temas preferidos do filósofo, escritor e jornalista era o totalitarismo soviético sob o comando do stalinismo. Assassinatos em série, em nome de uma causa, era um grande absurdo que ele reafirmava constantemente.
Albert Camus era um menino pobre a quem a primeira guerra fez órfão prematuramente. Viver, para ele, passou a ser um imperativo do sobreviver. Desde cedo, professores atentos perceberam o seu gênio e o ajudaram, até mais tarde, em seus estudos universitários. Certamente toda essa trajetória de dificuldades pessoais, das injustiças do colonialismo francês sobre a Argélia e o viver ao longo de duas guerras o transformaram, ele próprio, em um homem revoltado. A revolta o levou à militância. Causas não lhe faltaram.
Abri este post falando que O homem revoltado é uma obra de rara erudição. Quem é o homem revoltado? Quais são as suas características? Quando ele efetivamente existiu? Este é o tema deste monumental ensaio. A análise começa pelos gregos e não tem um término. Só acabará efetivamente com a morte do último homem. A revolta acompanha o ser humano em sua luta contra o seu destino, desde os gregos, passando por todos os grandes seres humanos que tiveram consciência do seu existir: filósofos, literatos, ideólogos, pintores, políticos. O homem revoltado se defronta com os temas comuns à filosofia: a revolta, a insubordinação, a revolução, justiça, injustiça, liberdade, igualdade, sofrimento, racionalidade, irracionalidade, autoritarismo, ideologias, alienação, massas e por aí vai, passando também pelos principais pensadores.
O livro teve a sua publicação no ano de 1951, e como lemos na orelha da capa, ele lhe rendeu um verdadeiro linchamento: "Quando foi publicado pela primeira vez em 1951 O homem revoltado valeu a Albert Camus um verdadeiro linchamento promovido por intelectuais franceses encabeçados pelo romancista e filósofo Jean-Paul Sartre". E qual teria sido o motivo? Continuamos, na mesma orelha: "O ataque a Camus aos crimes perpetrados em nome da revolta repercutiu mal, e ele ainda foi acusado de defender a liberdade de forma simplista, privilegiando a questão individual. Foi assim que, por várias décadas, a complexidade de seu pensamento foi reduzida a uma tese de direita". A explicação continua:
"Stálin ainda vivia, muita gente começava a se desentender com o Partido Comunista, mas apesar disso Camus não podia ser perdoado ao criticar igualmente a violência e o totalitarismo de direita e esquerda. Não se podia aceitar uma crítica tão forte contra as prisões e os assassinatos perpetrados em nome da revolução. O novo humanismo de Camus - talvez por vezes contraditório, mas certamente sincero - era repudiado radicalmente".
A descrença no mundo do socialismo real, aquele que efetivamente existiu, ou o stalinismo entrou em decadência, em favor de um socialismo democrático, após 1956, com a realização do XX Congresso do Partido Comunista (XX - PCUS), quando Nikita Krushchov tornou públicos os crimes cometidos pelo regime stalinista. A partir de então, os próprios partidos comunistas, sob orientação da Terceira Internacional perdem terreno em favor dos partidos socialistas, que defendem o socialismo com democracia. (Citaria como exemplo, aqui do Brasil, o caso da ascensão de Lula e do PT e a queda do Partidão na luta hegemônica dos ideais socialistas). Este será o tempo da reabilitação de Camus e do seu O homem revoltado. Vejamos a parte final da apresentação do livro, agora já na orelha da contracapa.
"Mais de cinquenta anos depois de sua primeira publicação, com as disputas ideológicas e os questionamentos existenciais da humanidade radicalmente deslocados de seus eixos, o livro adquire uma dimensão especial. Não é possível mais ignorar crimes contra a humanidade seja quais forem seus pretextos revolucionários. A revolta não desculpa tudo. É assim que o humanismo proposto por Camus revela-se fundamental para aqueles que preferem defender os seres humanos antes de defenderem sistemas teóricos abstratos. E é por isso e muito mais que O homem revoltado é um dos livros mais importantes do século (XX)".
Em algum lugar, nas consultas que eu fiz ao longo da leitura, eu li que as polêmicas entre Sartre e Camus em torno de O homem revoltado se transformaram na "Guerra Fria Cultural" desse período. Muito apropriado. Já localizei. Trata-se de uma observação que fiz na primeira página do livro. Tem outra, que remete ao livro de Tony Judt, O mal ronda a terra, de que o livro promoveu a ruptura de Camus com o seu próprio passado.
O ensaio é longo. São, no total, 351 páginas divididas entre uma introdução, sob o título de - o absurdo e o assassinato -, e cinco capítulos: I. O homem revoltado; II. A revolta metafísica; III. A revolta histórica; IV. Revolta e arte; V. O pensamento mediterrâneo. A introdução merece um destaque todo especial. O seu primeiro parágrafo também aparece na contracapa como apresentação do livro. Vejamos:
"Há crimes de paixão e de lógica. O código penal distingue um do outro, bastante comodamente, pela premeditação. Estamos na época da premeditação e do crime perfeito. Nossos criminosos não são mais aquelas crianças desarmadas que invocam a desculpa do amor. São, ao contrário, adultos, e seu álibi é irrefutável: a filosofia pode servir para tudo, até mesmo para transformar assassinos em juízes". Albert Camus recebeu o Prêmio Nobel de Literatura do ano de 1957.
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