sexta-feira, 7 de julho de 2023

Tempo de reportagem. Histórias que marcaram época no jornalismos brasileiro. Audálio Dantas.

Dia de festa. Jantar na casa de Regina e Valdemar. Levo um livro (Padura) e um vinho. Lá também se encontrava o Pai Firmino, o venerável da sátira e do humor. Pai Firmino e a excelentíssima também trouxeram livros. Ganhei um. Devo dizer que meus olhos brilharam quando vi que o livro era de autoria do Audálio Dantas. Tempo de reportagem - histórias que marcaram época no jornalismo brasileiro. Era um encontro/celebração no moderno Jardim de Epicuro, numa de suas melhores versões.

Tempo de reportagem. Audálio Dantas. LeYa. 2012.

De Audálio Dantas eu sabia apenas o essencial, até o dia em que eu li, As duas guerras de Vlado Herzog - da perseguição nazista à morte sob tortura no Brasil. A partir daí, virei admirador incondicional. O que eu mais apreciei no livro e que eu agora localizei com facilidade, porque devidamente sublinhado, é a história de um jovem que estivera na Praça da Sé, por ocasião do culto ecumênico, na Catedral da Sé, em memória de Vlado, sétimo dia. O jovem tinha por nome Márcio José de Moraes. O que eu sublinhei estava num entre parênteses: "(Três anos mais tarde, iniciando sua carreira na magistratura, o jovem Márcio tomaria uma decisão que teria tudo a ver com a história que estava sendo contada naquela praça, acrescentando-lhe um novo capítulo - a sentença que condenou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Herzog -, o qual marcaria sua vida e a própria história do país"). Por ocasião da leitura fiz um post especial.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/01/a-sentenca-de-condenacao-da-uniao-pela.html

Agora eu li atentamente o livro com o qual eu fui agraciado. É uma preciosidade. São treze reportagens selecionadas e comentadas por Audálio, publicadas originalmente na Folha da Noite, revista O Cruzeiro, revista Realidade e, uma delas, na Playboy. A revista Realidade tem toda uma história singular no jornalismo brasileiro. Foi uma das que mais sofreu na ditadura militar brasileira. Ela simplesmente trombou com os "anos de chumbo". Eu falo das reportagens:

1. Diário de uma favelada: a reportagem que não terminou. Esta reportagem, desnecessário dizer, se transformou no famoso livro Quarto de despejo, da escritora favelada Carolina Maria de Jesus. A favela era o quarto de despejo da maior e mais rica metrópole brasileira. A dor da fome é a nova escravidão, ou a escravidão remanescente, a indenização permanente pela abolição. A reportagem foi publicada pela Folha da Noite, em maio de 1958, sob o título: O drama da favela escrito por uma favelada.

2. O circo do desespero. O fato narrado, um verdadeiro horror. Um concurso carnavalesco de resistência de dança. Das 15h00 de sábado até as 9h00 de terça-feira, com breves intervalos, controlados por rigorosos e empolados juízes. Uma promoção da TV Record, com patrocínio de um produto de limpeza. O local do surreal espetáculo era o Ibirapuera. Haja frevo, a dança que mais cansava os participantes. A premiação era uma merreca em dinheiro, necessidade primordial dos participantes. Profundamente desumano. A reportagem foi publicada na revista O Cruzeiro, em março de 1963, sob o título: O circo do desespero.

3. Nossos desamados irmãos loucos. Uma reportagem de inimaginável sofrimento humano. Mostra como eram tratados os "loucos", nessa época. Trata-se do hospital psiquiátrico do Juqueri, em Franco da Rocha, em São Paulo. É a descrição do "espetáculo" da miséria humana. Hoje o Juqueri está em toda parte. Nossos amados irmãos loucos foi publicada na revista O Cruzeiro, em março de 1963.

4. A nova guerra de Canudos. Possivelmente seja a mais impactante das reportagens. A nova guerra e a nova destruição é uma referência à construção de uma barragem no rio Vaza-Barris, soterrando a área do conflito. A história da primeira guerra também é recontada, por um menino sobrevivente, o menino Bruega, agora o velho Bruega. Nada, ou muito pouco, mudou. A nova guerra de Canudos foi publicada na revista O Cruzeiro, em dezembro de 1964.

5. Oh, Minas Gerais! Uma reportagem sobre o jeito mineiro de ser. Narra a chegada da minissaia na terra da Tradicional Família Mineira. Uma revolução nos costumes. Um desnudar de hipocrisias. Minas Gerais se industrializa Surge uma Belo Horizonte moderna. Oh, Minas Gerais! é uma publicação da revista Realidade, de janeiro de 1970.

6. Doença de menino. A mais triste das reportagens. A doença descrita é a mortalidade infantil. O cenário é o estado de Pernambuco, o bairro de Beberibe, no Recife e a cidade de Amaraji, na rica Zona da Mata-sul, em meio aos canaviais. Uma vida nada doce. A doença de menino é simplesmente naturalizada. É a vontade de Deus se cumprindo! (Pensei muito no SUS, criado junto com a Constituição de 1988. Não canso de dizer, em todas as minhas falas, que o SUS é o maior patrimônio do povo brasileiro). Doença de menino foi publicada na revista Realidade em fevereiro de 1970.

7. Povo caranguejo. Reportagem sobre a captura de caranguejos nos mangues da foz do rio Sanhauá, na Paraíba. Nessa reportagem, além de mostrar as aflições dos caçadores de caranguejo, da captura até a venda, ele também interpreta a subjetividade dos coitados dos bichinhos, em busca da manutenção de sua liberdade. Povo caranguejo foi publicada na revista Realidade, de março de 1970.

8. Chile 1970. É uma reportagem sobre a cobertura das eleições chilenas do ano de 1970, que levaram Salvador Allende à presidência da República. O antes e o depois, com todos as suas tensões. Na volta, muitos amigos o esperavam no aeroporto em São Paulo, em função de boatos de sua prisão. Tempos da ditadura. Três anos depois o Chile sofreria o sanguinário golpe do general Pinochet. Chile 1970 foi publicada na Realidade, de novembro de 1970.

9. Oh, Canadá!. Mais uma reportagem internacional. É a tensão no pacífico e próspero país, causada pela sua dualidade na colonização. A parte francesa de Quebec queria se tornar independente do resto, de colonização inglesa. Audálio chegou a entrevistar o primeiro ministro Trudeau, que tinha um pé nas duas origens históricas. Em Toronto teve um encontro com Florestan Fernandes, então ali exilado. Oh, Canadá! foi publicada em Realidade, em dezembro de 1970.

10. Joaquim Salário Mínimo. Nessa reportagem, além de contar a história do salário mínimo, conta também as dificuldades de quem o recebe e dele tem que viver. Reportagem difícil de fazer, pois, pelo medo da censura, o governo deveria estar totalmente isento de culpa, embora fosse ele a fixar o seu preço. A Vila Guilherme, na cidade de São Paulo é o cenário dessa reportagem. É lá que morava o Joaquim Salário Mínimo. Reportagem publicada em Realidade, no mês de janeiro de 1971.

11. O prédio. Outra reportagem de cunho social. O "personagem" da vez é o edifício Martinelli. De seu esplendor até a sua mais degradante decadência. É um relato do que se passava nesse verdadeiro antro da esplendorosa São Paulo. Tem muito da história de São Paulo, de um dos seus centros de maior efervescência, sob todos os aspectos, no triângulo traçado entre as ruas São João, São Bento e Líbero Badaró. O edifício sobrevive, sendo a Prefeitura de São Paulo, a proprietária. O Prédio foi publicada em Realidade, em abril de 1971.

12. À margem. Belíssima reportagem descrevendo as margens do rio São Francisco, o rio da integração nacional. Quanta miséria e quanta tristeza. Personagens únicos. Essa reportagem me proporcionou um reencontro. Nos meus tempos de filosofia, em Viamão, RS., nossos olhares de reverência estavam voltados para um estudante, já da teologia. Era Carlos Moraes, tido por todos como a maior inteligência que já passara por Viamão. Sabíamos, por boatos, que ele estava encrencado com a ditadura e que fora trabalhar na revista Realidade. Nunca mais tinha ouvido falar. Ele era da diocese de Bagé. As dioceses circunscreviam a geografia do imenso seminário de Viamão. Já encomendei livros seus. Faleceu em São Paulo, onde foi jornalista e escritor, em 2019. Carlos propôs o Nobel da Paz para o rio São Francisco. Ele teve que interromper sua participação nessa reportagem por ordem militar, vinda da cidade de Bagé. Os horrores da ditadura militar. Reportagem da Realidade, março de 1972.

13. A maratona do beijo. Uma reportagem semelhante a de O circo do desespero, o concurso sobre a resistência de dançar no carnaval. Agora era o tempo da maior duração de beijo. Uma maratona de sessenta dias, com os intervalos mínimos possíveis e necessários. Reportagem para a Playboy, de agosto de 1993. Na apresentação dessa reportagem é contado um pouco de sua história à frente do Sindicato dos jornalistas, em 1975.

São estas as treze reportagens, mas o livro não acaba ali. Ele tem um apêndice, tão precioso quanto o próprio livro. Uma entrevista/ homenagem, conduzida por Claudiney Ferreira, com a participação de Eliane Brum e Ricardo Kotscho. A reconstituição de sua vida, desde Tanque d'Arca (AL), até a sua trajetória de vida e resistência em São Paulo. Audálio traz em sua vida um prêmio da ONU, por sua atuação em defesa dos Direitos Humanos. O livro teve a sua publicação no ano de 2012, numa publicação da LeYa. O livro é prefaciado pelo amigo Fernando Moraes. Deixo ainda a resenha do livro sobre Herzog, com um adendo.

As duas guerras de Vlado Herzog. Audálio Dantas. Civilização Brasileira. 2012.


http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/01/as-duas-guerras-de-vlado-herzog-audalio.html

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