"Estava só (Mathieu) em meio a um silêncio monstruoso, só e livre, sem auxílio nem desculpa, condenado a decidir-se sem apelo possível, condenado à liberdade para sempre". (Página 299 de Idade da razão). De tudo o que eu estudei de Sartre, ao longo de minha vida, esse conceito emerge espontaneamente. "O homem está condenado a ser livre". Trago comigo, inclusive, desde os idos de 1968, o ano de minha licenciatura, o livrinho O existencialismo é um humanismo, do qual emana esse conceito da condenação pela liberdade.
Idade da razão. Abril. 1972.Agora, por ter em casa a coleção Os imortais da literatura universal, enveredei pela obra literária de Sartre, com a leitura de Idade da razão. Como de hábito, vamos às primeiras contextualizações da obra, dizendo antes, que deste livro, emana ou está condensado também todo o saber filosófico do autor. O livro, que faz parte de uma trilogia, teve a sua primeira publicação no enigmático ano de 1945, ano do término da Segunda Guerra Mundial, mas não das guerras, mundo afora. Tempo de profundas aflições e de interrogações em torno do significado do existir. Poucas respostas havia para um mundo de interrogações. Sartre nasceu no ano de 1905, em Paris, cidade na qual também morreu, em 1980. A Segunda Guerra Mundial foi precedida pelos regimes totalitários do nazismo, do fascismo, do franquismo e do stalinismo.
Possivelmente Sartre tenha sido o último intelectual influente no mundo. Por influente, entendo ser ouvido. Sartre era um intelectual respeitado. E como tal, tomou partido e não se ausentou da militância política, tornando-se, por isso mesmo, muito polêmico. O livro de seu amigo Albert Camus, O homem revoltado, é, inclusive, considerado como o livro da Guerra Fria, no campo literário. Ainda não havia os influencers baratos do nosso tempo. Vou apresentar dados do livro de contextualizações e mini biografias que acompanha a coleção, para localizar as origens do pensamento do grande filósofo:
"Atraído pela fenomenologia, Sartre solicitou uma bolsa de estudos para passar um ano em Berlim (1933). Além da doutrina de Husserl, o jovem professor francês investigou as teorias existencialistas de Heidegger, Karl Jaspers e Max Scheler, que aprofundavam as ideias de Kirkegaard sobre a angústia da existência humana. No espírito de Sartre, começava a amadurecer uma nova filosofia, misto de existencialismo e fenomenologia". Sartre usou muito do teatro e da literatura para expor o seu pensamento. Vejamos isso expresso no nosso livro guia da coleção:
"Expresso no teatro e no ensaio, o problema da ação e da liberdade constitui o tema dos romances que compõem a trilogia Os caminhos da liberdade.
Em A idade da razão (1945), primeira parte da obra, as questões individuais dominam; a história e a política aparecem como pano de fundo. Mathieu Delorme, jovem professor de filosofia, procura a liberdade "pura", sem compromissos de qualquer espécie, Brunet, ao contrário, personifica a renúncia da liberdade em favor do engajamento político. O ................... Daniel (omiti um qualificativo para não roubar a expectativa do leitor) ilustra a tese, bastante difundida nos anos 30, de que o ato gratuito, sem qualquer motivo, é a única prova concreta da verdadeira liberdade. Na visão de Jacques, irmão de Mathieu, atingir a "idade da razão" significa abandonar os sonhos juvenis sobre a 'liberdade' e casar-se, ter um trabalho, uma vida regular (uma vida burguesa). Mas nem Mathieu, nem Brunet, nem Daniel podem aceitar tal perspectiva, que implica, para eles, uma 'morte interna'''. Embora a minha leitura tenha se atido ao primeiro volume da trilogia, para efeitos de contextualização maior, apresento também a essência dos outros dois:
"Em Sursis (1945), o segundo volume, os acontecimentos políticos são relatados paralelamente à vida íntima das personagens, de modo a revelar que os destinos individuais são, na verdade, determinados pela marcha da história, tornando-se assim ilusória a busca pessoal da liberdade. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à existência, conclui o escritor. As personagens, contudo, esperam ingenuamente que os Acordos de Munique evitem a guerra e a necessidade de um engajamento pessoal. É um período de sursis (espera), no qual a tempestade apenas aguarda a hora de desencadear-se.
Com a morte na alma (1949) é a terceira parte da obra. A ação transcorre em plena guerra, quando Mathieu é levado a engajar-se. Mas é um engajamento gratuito; ele arrisca a vida apenas para retardar de algumas horas a investida alemã. Brunet, aprisionado, procura organizar os companheiros para a revolta. Apesar dessa atitude corajosa, permanece escravo das ordens - mesmo absurdas - de seu partido. Daniel fica em Paris, colaborando com os ocupantes". São questões complicadas e existe muita literatura a respeito. No Brasil, é interessante ver a obra de Jorge Amado, de quem, por sinal, Sartre era amigo.
Bem, voltemos ao Idade da razão. Mathieu e Marcelle são os personagens centrais. Estão envolvidos em um caso de gravidez de Marcelle. A partir daí são discutidos o aborto, o casamento, o amor e as convicções das pessoas, bem como a firmeza em torno dessas mesmas convicções. Isso envolve os diferentes personagens e as diferentes convicções. E para realizar um aborto é necessário ter dinheiro. Teria que ser feito clandestinamente, ou por médico ou por charlatões. E como se faz para obter o dinheiro? Devo dizer ainda que o romance flui, a leitura te pede continuidade. Boates, dancings, noitadas de bebidas formam a ambientação do romance, do qual deixo as frases finais:
"Sentia ainda no fundo da garganta o calor adocicado do rum. Bocejou. O dia estava acabado e acabava sua mocidade. Morais comprovadas já lhe ofereciam seus serviços. O epicurismo desabusado, a indulgência sorridente, a resignação, a seriedade do espírito, o estoicismo, tudo isso que permite apreciar, minuto por minuto, como bom conhecedor, uma vida malograda. Tirou o paletó, pôs-se a desfazer o nó da gravata. Repetia bocejando - Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão". Deixo ainda a resenha de O homem revoltado de Albert Camus.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/07/o-homem-revoltado-albert-camus-nobel.html
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