segunda-feira, 4 de março de 2024

O tempo e o vento 1. O CONTINENTE. Vol. 1. Érico Veríssimo.

A julgar por mim, todo o velho é um saudosista. E desse saudosismo faz parte o desejo por releituras. Há um certo tempo tomei a decisão de reler Érico Veríssimo. Comecei com Incidente em Antares, livro com o qual introduzi a literatura em minhas aulas, mas o meu objetivo mesmo era reler O tempo e o vento. Depois de lido o primeiro volume de O continente tenho a dizer apenas - porque não fiz isso muito antes! O livro é um mergulho profundo no interior desse continente fantástico, na formação desse povo fabuloso, fruto da maior miscigenação de povos existente na história. Mostrar essa formação histórica, no garrão sul desse Continente, sempre foi o grande objetivo do escritor. 

O tempo e o vento [parte I]. O Continente. Vol. I. Érico Veríssimo.

Ao final do primeiro volume dessa fantástica e épica obra encontramos as suas origens, a gênese de sua concepção, ao final desse volume: "Quando publica O continente. em 1949, Érico Veríssimo já é um escritor consagrado. As primeiras notas do romance que se tornaria O tempo e o vento, datam de muito antes, de 1941, embora a ideia já lhe tivesse ocorrido em 1939.

Em O resto é silêncio, de 1943, sete personagens presenciam o suicídio de uma jovem em Porto Alegre. No final do romance, o escritor Tônio Santiago, está no Teatro São Pedro, ouvindo a Quinta Sinfonia de Beethoven, quando tem a visão da história do Rio Grande do Sul como uma sinfonia. Nessa imagem sucedem-se personagens e momentos desde a época das Missões, até os dias contemporâneos. O que deflagra o devaneio do escritor é uma associação vertiginosa de tempo e espaço: 'Quando o tema da Quinta Sinfonia preocupava o espírito do compositor, os antepassados da maioria das pessoas que enchiam o teatro andavam pelas campinas do Rio Grande do Sul a guerrear com os espanhóis na disputa das missões' (O resto é silêncio, capítulo 45, 'Sinfonia').

Érico tinha planejado escrever toda a ação de O tempo e o vento num único romance de oitocentas páginas, mas acabou por desdobrá-la em três: O Continente, cuja ação vai de 1745 a 1895, e O Retrato e O Arquipélago, que falam de fatos transcorridos entre 1895 e 1945". A história do Rio Grande do Sul concebida como uma sinfonia, uma sinfonia grandiosa, épica. Vamos a uma pequena resenha do primeiro volume, partindo da síntese da contracapa:

"O Continente abre a mais famosa saga da literatura brasileira, O tempo e o vento. A trilogia - formada por O Continente, O Retrato e O Arquipélago - percorre um século e meio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil, acompanhando a formação da família Terra Cambará. Num constante ir e vir entre o passado - as Missões, a fundação do povoado de Santa Fé - e o tempo do Sobrado sitiado pelas forças federalistas, em 1895, desfilam personagens fascinantes, eternamente vivos na imaginação dos leitores de Érico Veríssimo: o enigmático Pedro Missioneiro, a corajosa Ana Terra, o intrépido e sedutor Capitão Rodrigo, a tenaz Bibiana". Reforçando, a origem da família Terra Cambará. O índio Terra e o paulista (tropeiro - mais guerreiro que tropeiro) Cambará. Que personagens!

A narrativa se apresenta em forma de retrospectiva. Ela começa no Sobrado, onde está entrincheirado Licurgo Cambará, chefe legalista, dos chamados republicanos. Os federalistas sitiaram o Sobrado. O clima é de total pavor. Os federalistas praticamente dominam o Rio Grande, embora o governador seja a favor do presidente, o marechal Floriano Peixoto. A partir daí é que começa a retrospectiva. Observem o sobrenome do homem do Sobrado, Licurgo Cambará. Para bem entender essa questão, trago algumas informações da Revolução Federalista. Ela ocorreu no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1893 a 1895 e chegou ate as terras paranaenses. Tenho anotado as seguintes observações.

Revolução Federalista. 1893-1895. Uma divisão entre os republicanos, que defendiam a centralização em torno do sanguinário governo de Floriano Peixoto (Ah, os militares na política brasileira), do qual o governador Júlio de Castilhos era aliado. Usavam um lenço branco e eram chamados de pica-paus. Em Santa Fé, seu principal expoente era Licurgo Cambará. 

Do outro lado estavam os federalistas, que defendiam a descentralização, isto é, uma maior autonomia administrativa para as províncias, ideais que vem de longa data, e eram comandados por Gaspar Silveira Martins. Usavam lenço vermelho e eram chamados de maragatos. A vitória coube ao governo florianista, num dos episódios que mais ensanguentou este país. Foi a Revolução da chamada degola. Sempre afirmo que a nossa República conseguiu ser muito pior do que a nossa monarquia. Os militares tomaram gosto pela política e nela intervém, sempre que privilégios são ameaçados. Uma herança... (desculpem a digressão).

O livro tem sete títulos, que seriam os capítulos. Vejamos: O Sobrado I; A fonte; O Sobrado II; Ana Terra; O Sobrado III; Um certo capitão Rodrigo; O Sobrado IV. A primeira retrospectiva está em A fonte. Ela retrocede até o ano de 1745. Em 1750 ocorreria o Tratado de Madrid, que trocaria os sete povos das missões (possessão espanhola) com a Colônia do Sacramento (posse portuguesa). Os dois povos se comprometeram com a pacificação das áreas, isto é, acabar com os indígenas ou então fazê-los retornar às suas áreas de origem, em terras paraguaias. São as guerras guaraníticas, onde se destaca um grande personagem, Sepé Tiaraju, ou o São Sepé. São - de santo. Não canonizado pela Igreja, mas sim, pela concepção popular. Após o Tratado, Portugal deveria tomar conta das terras entre Laguna e a Colônia do Sacramento. Missão complicada. No interior do Continente praticamente existia apenas Rio Pardo.

Uma pacata família morava nas imediações de Rio Pardo e, de certa forma, até tiveram algum progresso. A família tinha dois filhos e uma filha, a  Ana Terra. Essa família acode a um ferido, de origem índia, que viera das terras missioneiras. Era Pedro Missioneiro. Ele engravidou Ana Terra. Seus irmãos, por ordem do pai, deram cabo dele. Desse relacionamento nasce Pedro Terra, pai de outro personagem central do livro, Bibiana. Mas aguardemos.

Esta família sofreu a invasão dos castelhanos e dela sobraram apenas as mulheres e crianças. Um dia aparece um carroceiro, a quem seguem para um novo povoado que se iria iniciar. Santa Fé, sob o comando dos Amaral. A narrativa volta ao Sobrado e a vila em guerra. Depois volta para Ana Terra, que se estabelece na cidade com o filho Pedro e os netos Juvenal e Bibiana. Ana será a parteira da cidade. A narrativa mais uma vez se volta ao Sobrado para retornar a Santa Fé, onde chega - possivelmente um dos mais fantásticos personagens da Literatura Brasileira. Rodrigo Cambará, ou - um certo capitão Rodrigo. Rodrigo não cabe no imaginário de ninguém. É muito diferente de todos. Bonachão, briguento e sedutor. Sedutor, inclusive de Bibiana. Ocorre então a mistura entre os Terra e os Cambará. Os Terra- Cambará. Bolívar e Leonor.

Com Rodrigo Cambará em cena, irrompe a Revolução Farroupilha (1835). Rodrigo era amigo de Bento Gonçalves. Os caciques de Santa Fé, os Amaral, ficam ao lado do governo, e Rodrigo, que partira para Rio Pardo, aderir a Revolução, volta a Santa Fé e toma a cidade. Apesar de todas as estripulias do capitão, os seus amores insaciáveis, Bibiana nunca se queixou e intimamente parecia ser feliz. Rodrigo era diferente e era o seu marido. A narrativa volta ao Sobrado.

Na narrativa, Érico introduz em itálico outros aspectos da história do Continente de São Pedro do Rio Grande: a povoação do continente, a chegada dos imigrantes alemães (1824) e a Revolução Farroupilha. São páginas notáveis. Vou fazer posts em separado. Quero destacar ainda, ou salientar os três personagens maiores desse primeiro volume de O Continente. Ana Terra, Bibiana Terra e Rodrigo Cambará.


 


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