quinta-feira, 21 de março de 2024

O tempo e o vento (parte II). O RETRATO (VOL.I). Érico veríssimo.

O primeiro volume da segunda parte de O tempo e o vento, O Retrato, de Érico Veríssimo, apresenta na sua contracapa a seguinte síntese: "O Retrato é a segunda parte da trilogia O tempo e o vento, que percorre a história do Brasil e do Rio Grande do Sul acompanhando a trajetória da família Terra Cambará. Aqui Rodrigo Cambará, neto do heroico capitão Rodrigo, homem sedutor, sobranceiro, torna-se líder populista, amante das causas populares - e da própria imagem. Seu projeto é modernizar tudo - da casa onde vive à cidade inteira - e proteger os pobres. Depois de aderir ao governo de Getúlio Vargas, muda-se para o Rio de Janeiro durante o Estado Novo. Em 1945, com a queda de Vargas e já muito doente, Rodrigo volta à cidade natal para um ajuste de contas com a família". A primeira edição data do ano de 1951.

O tempo e o vento (parte II). O Retrato. (vol. I). Companhia das Letras.

Como devem ter percebido, Rodrigo Terra Cambará será o personagem absolutamente central de toda a segunda parte da trilogia. "Amante de sua própria imagem", deve ter um significado todo especial. Deve ter relação com o título O Retrato. Os personagens da primeira parte, os do Sobrado, ainda estão presentes, como Licurgo, o pai, Toríbio, o irmão e Maria Valéria, a tia e madrinha (uma nova Bibiana!). Já Rubin, um tenente nietzschiano, o coronel Jairo, o militar positivista e o fantástico Don Pepe, o espanhol anarquista serão os novos personagens que darão força para a pluralidade de posições nos diferentes debates.

Este O Retrato (vol. I), tem apenas dois títulos; 1. Rosa-dos-Ventos e 2. Chantecler. Este segundo é bem mais longo que o primeiro e está subdividido em 14 capítulos. Chantecler terá continuidade no segundo volume. Rosa-dos-Ventos é um teco-teco, com o qual Rodrigo Cambará sobrevoa a sua Santa Fé, quando em 1945 volta do Rio de Janeiro para a sua cidade, depois da queda de Vargas e fim do Estado Novo (1937-1945). Rodrigo chega a Santa Fé, duplamente mal, com a queda de Vargas e os seus problemas do coração. Além disso vê o seu sogro, que de grande estancieiro, se vê agora reduzido a pequeno arrendatário. Seus filhos aderem a diferentes posições políticas. Prestes e o queremismo serão os temas em debate.

Depois de ter situado Rodrigo em Santa Fé, com a sua volta à cidade em 1945, começa a sua história, em retrospectiva até o ano de 1909, quando triunfante chega à sua Santa Fé, com o seu título de doutor. Formara-se no curso de medicina, em Porto Alegre. Junto com o seu diploma, o acompanham muitos sonhos, planos de modernização, de revolução social e dedicação a causas humanitárias. Julgava o fato de ser admirado como a suprema felicidade do ser humano. Tinha seus vinte e poucos anos. Um Dom Quixote a querer mudar o mundo. Este é o segundo capítulo que tem por título: Chantecler.

Acima de tudo, Rodrigo chega absolutamente inconformado à sua cidade, com a arbitrariedade na política e as injustiças nas estruturas da sociedade. A cidade é dominada pelos latifundiários, categoria à qual ele própria pertencia, por alguns homens que com eles trazem a indústria e o comércio e por toda uma legião de peões e operários. O lugarejo cresce e se transforma em cidade, com a sua elevação a condição de sede de municipalidade. A família Trindade a domina politicamente. Rodrigo será oposição, com o apoio de Licurgo, seu pai e Toríbio, seu irmão. Quer mudar completamente seus hábitos, dedicar-se à clínica médica e ser um cidadão influente e exemplar em sua cidade. Toríbio, incrédulo e irreverente o observa.

O grande valor desse primeiro volume de O Retrato, é o de dar continuidade à formação histórica e política do Rio Grande do Sul (O Continente) e fazer uma minuciosa análise de sua estruturação social com a definição das diferentes camadas sociais, das que frequentam os salões do Clube Comercial até os moradores da periferia da cidade e das colônias Alemã (Pomerânia) e italiana (Garibaldina). O que mais o revolta é a permanência das instituições e a sua impenetrabilidade. As transformações são praticamente impossíveis.

O grande tema político dessa época são eleições de 1910. É o marechal Hermes da Fonseca contra Rui Barbosa. Rodrigo é defensor ardoroso de Rui Barbosa. A derrota foi acachapante. E com muita violência. Rodrigo odiava a presença dos militares na política. Na parte teórica os grandes personagens serão o tenente Rubin, adepto de Nietzsche, de sua vontade de poder e de super-homem, do coronel Jairo e o seu positivismo, do qual o Rio Grande do Sul está totalmente impregnado. 

Mas, disparadamente o personagem mais fantástico é Don Pepe, o espanhol basco. Não bastava apenas ser espanhol, tinha que ser basco. Bakunin sempre está em seu pensamento, assim como também Tolstói. Pepe esconjura padres e militares, os que dão sustentáculo ideológico para a burguesia. Só que ele é ativista apenas em sua mente, embora seja corajoso e destemido. Ele é pintor e terá ainda grande importância ao longo da obra. Será de sua autoria o tal do Retrato, aquele que não desfigurará. Com a vitória do marechal Hermes termina este primeiro volume de O Retrato.

E, como estamos vivendo (estou escrevendo no dia 15 de março de 2024) uma nova e profunda era de obscurantismo no Brasil e especialmente no Paraná, do governador Rato Júnior, que recolheu o livro de Jeferson Tenório O avesso da pele, para efeitos de análise, para ver se concede o nihil obstat e o imprimatur, deixo uma frase forte do livro e que é, seguramente o motivo da recolhida para efeitos de análise, ou então, claramente, vergonhosa censura: "Depois que a gente lê certos livros, os horizontes do espírito se alargam". Página 211. Por óbvio, a frase só poderia ter sido proferida pelo Rodrigo.

Deixo também a resenha dos dois primeiros volumes, os de O Continente.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/03/o-tempo-e-o-vento-1-o-continente-vol-1.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/03/o-tempo-e-o-vento-parte-i-o-continente.html


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