quarta-feira, 27 de março de 2024

O Tempo e o Vento (parte II). O Retrato. Vol. 2. Érico Veríssimo.

Como no volume anterior, vamos também neste, apresentar a síntese aposta na contracapa. "O Retrato vol. 2, conclui a segunda parte de O tempo e o Vento. A trilogia - formada por O Continente, O Retrato e O Arquipélago - percorre um século e meio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil acompanhando a saga da família Terra Cambará.

Em 1915, Rodrigo Terra Cambará constrói uma imagem de político popular e generoso, enfrentando as contradições de seus afetos privados e reafirmando sua inteireza ética e sua coragem. Com o advento do Estado Novo, muda-se para o Rio de Janeiro. Em 1945, com a queda de Vargas e bastante enfermo, volta para sua pequena Santa Fé.

No fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial, a família Terra Cambará não se reconhece no país que ajudou a construir".

O tempo e o vento (parte II). O Retrato. (vol. 2). Companhia das Letras.

Este segundo volume é praticamente todo ele dedicado ao personagem de O Retrato. Mas, antes, vejamos os seus títulos: 1. Chantecler (continuação); 2. a sombra do anjo; 3. Uma vela pro Negrinho. No primeiro volume de O Retrato, Chantecler tinha 14 capítulos. Agora, neste segundo volume, teremos os capítulos 15 a 23. A sombra do anjo terá seis capítulos, enquanto que - uma vela pro Negrinho - terá apenas um. No primeiro título teremos todos os esclarecimentos.

Logo no início, às paginas 23 e 24 temos explicitações em torno do título - Chantecler. Vejamos: "Não sei se vocês leram esta notícia... Edmond Rostand acaba de levar à cena no teatro Porte Saint-Martin a sua nova peça, Chantecler, na qual trabalhou durante doze anos. Diz o jornal que não se fala noutra coisa em Paris. As confeitarias fazem bolos, tortas e pastelões com efígie de Rostand, e a imagem de seu herói, o Chantecler, anda por todos os cantos, nas vitrinas, nas revistas, nos jornais, no coração do povo parisiense. O que se sabe sobre essa peça dá para encher toda uma biblioteca". Mais adiante teremos mais esclarecimentos sobre a peça: "Mas, afinal de contas [...] em que consiste a peça? -  Originalíssima! imaginem vocês que as personagens são quase todas animais domésticos: galos, galinhas, cães, faisões...". A descrição da peça continua, com a exaltação do galo e do "Hino ao Sol". Com certeza, Rodrigo, o Chantecler de Santa Fé.

Este Chantecler não mereceria a perenidade ou a imortalidade? Sim. Ela virá com O Retrato. Don Pepe, o anarquista e pintor espanhol se propõe esta tarefa? "Rodrigo, me gustaria pintar tu retrato de cuerpo entero... No! De alma entera". Mais adiante Don Pepe exclama: " - Chantecler! Sí, tú eres el Gallo. Tu canto ha hecho el sol alzar-se en el horizonte, y ahora el sol te acaricia el rostro. Es la mañana de tu vida..." E depois de muito tempo, depois de muitas tentativas Don Pepe, num certo dia se chega a Rodrigo, lhe trazendo o quadro. Veríssimo assim descreve a perplexidade de Rodrigo:

"Ao ver a própria imagem na tela, Rodrigo sentiu como que um soco no plexo solar. Por um momento a comoção dominou-o, embaciou-lhe os olhos, comprimiu-lhe a garganta, alterou-lhe o ritmo do coração. Quedou-se por um longo instante a namorar o próprio retrato. Ali estava, nas cores mesmas da vida, o dr. Rodrigo Cambará, todo vestido de preto (Pepe explicava que o plastrão vermelho era uma licença poética), a mão esquerda metida no bolso dianteiro das calças, a direita a segurar o chapéu-coco e a bengala. O sol tocava-lhe o rosto. O vento revolvia-lhe os cabelos. E havia no semblante do moço do Sobrado um certo ar de altivez, de sereno desafio. Era como se - dono do mundo - do alto da coxilha ele estivesse a contemplar o futuro com os olhos cheios duma apaixonada confiança em si mesmo e na vida". E um pouco mais adiante:

" - Caramba! Pepe, palavra que nunca pensei...

Tornou a contemplar o quadro. Havia naquela figura uma poderosa expressão de vitalidade. Era o retrato de alguém que amava a vida, que tinha ânsias de abraçá-la, de gozá-la totalmente e com pressa. Sim, ele se reconhecia naquela imagem: a tela mostrava não apenas sua aparência física, as suas roupas, o seu "ar", mas também seus pensamentos, seus desejos, sua alma. Como era que o diabo do espanhol tinha conseguido tamanho milagre".

Este era o Rodrigo Terra Cambará. Um retrato de um momento de extrema e pura vitalidade. Estava aí impassível e perene. O Rodrigo real era, porém, cheio de afetos e paixões. Nele, força e fraqueza se equilibravam. Tinha noção clara de seus compromissos, porém, na real ele fraquejava. O retrato o advertia. Diante dele, ele se examinava. Busca em Flora e no casamento a estabilidade em sua vida, mas não conseguia suportar os seus limites. E isso lhe trazia problemas e repreensões, especialmente as dele próprio, diante de seu retrato.

Antônia (Toni) aparece em sua vida. Tinha 20 anos e educação europeia. Ela era austríaca. Por imposições do destino veio parar em Santa Fé. Pertencia a família filarmônica dos Weber. Falava com Rodrigo, de igual para igual, sobre música, sobre literatura e sobre os mais diferentes compositores e autores. Uma explosão tórrida de paixão! E... alguns dias de recolhimento no Angico. E... as torturas da culpa e do remorso. É o título A sombra do anjo. A morte paira nas páginas desse capítulo.

Uma vela para o negrinho é a parte final desse segundo volume. É Maria Valéria, já aos 85, que ascende esta vela para o negrinho do pastoreio. Ela assiste a desintegração da família, reunida no Sobrado, tendo Rodrigo como agonizante e seus filhos divididos por diferentes credos políticos, além de um genro espertalhão, ávido à espera da herança, que lhe asseguraria uma boa vida, no Rio de Janeiro. Não sei se a vela daria conta disso tudo, mas a obra de Érico estava aberta para os três volumes seguintes de O arquipélago.

Os grandes personagens desse volume são, Rodrigo, por óbvio, além de Don Pepe, o autor do retrato, Licurgo, Toríbio e Maria Valéria, que permanecem do primeiro volume e de Flora, mais uma das personagens femininas fortes de Veríssimo. E deixo ainda uma síntese da colonização de O Continente, ou do Rio Grande do Sul, nas palavras de Eduardo, o filho comunista, stalinista, prestista de Flora e Rodrigo: 

"Eduardo voltou-se para o Retrato de Rodrigo Cambará que pendia da parede da sala, dentro de sua moldura cor de ouro velho.

Ali está o símbolo das coisas que nós comunistas combatemos. O dono da vida, o moço do Sobrado, o morgado, a flor de várias gerações de senhores feudais, muitos dos quais começaram como ladrões de gado e foram aumentando seu patrimônio por meio do saque, do roubo, da conquista à mão armada e à custa do suor e do sangue do trabalhador rural. Olha só a empáfia, a vaidade... Parece que ele está dizendo: 'Eu sou o centro do mundo, o sal da terra'"! Era de matar o pai doente! Já Floriano, o outro filho, é aprendiz de escritor... uma promessa de escritor...

Deixo ainda a resenha do volume I de O Retrato.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/03/o-tempo-e-o-vento-parte-ii-o-retrato.html


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