Como no volume anterior, vamos também neste, apresentar a síntese aposta na contracapa. "O Retrato vol. 2, conclui a segunda parte de O tempo e o Vento. A trilogia - formada por O Continente, O Retrato e O Arquipélago - percorre um século e meio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil acompanhando a saga da família Terra Cambará.
Em 1915, Rodrigo Terra Cambará constrói uma imagem de político popular e generoso, enfrentando as contradições de seus afetos privados e reafirmando sua inteireza ética e sua coragem. Com o advento do Estado Novo, muda-se para o Rio de Janeiro. Em 1945, com a queda de Vargas e bastante enfermo, volta para sua pequena Santa Fé.
No fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial, a família Terra Cambará não se reconhece no país que ajudou a construir".
O tempo e o vento (parte II). O Retrato. (vol. 2). Companhia das Letras.Este segundo volume é praticamente todo ele dedicado ao personagem de O Retrato. Mas, antes, vejamos os seus títulos: 1. Chantecler (continuação); 2. a sombra do anjo; 3. Uma vela pro Negrinho. No primeiro volume de O Retrato, Chantecler tinha 14 capítulos. Agora, neste segundo volume, teremos os capítulos 15 a 23. A sombra do anjo terá seis capítulos, enquanto que - uma vela pro Negrinho - terá apenas um. No primeiro título teremos todos os esclarecimentos.
Logo no início, às paginas 23 e 24 temos explicitações em torno do título - Chantecler. Vejamos: "Não sei se vocês leram esta notícia... Edmond Rostand acaba de levar à cena no teatro Porte Saint-Martin a sua nova peça, Chantecler, na qual trabalhou durante doze anos. Diz o jornal que não se fala noutra coisa em Paris. As confeitarias fazem bolos, tortas e pastelões com efígie de Rostand, e a imagem de seu herói, o Chantecler, anda por todos os cantos, nas vitrinas, nas revistas, nos jornais, no coração do povo parisiense. O que se sabe sobre essa peça dá para encher toda uma biblioteca". Mais adiante teremos mais esclarecimentos sobre a peça: "Mas, afinal de contas [...] em que consiste a peça? - Originalíssima! imaginem vocês que as personagens são quase todas animais domésticos: galos, galinhas, cães, faisões...". A descrição da peça continua, com a exaltação do galo e do "Hino ao Sol". Com certeza, Rodrigo, o Chantecler de Santa Fé.
Este Chantecler não mereceria a perenidade ou a imortalidade? Sim. Ela virá com O Retrato. Don Pepe, o anarquista e pintor espanhol se propõe esta tarefa? "Rodrigo, me gustaria pintar tu retrato de cuerpo entero... No! De alma entera". Mais adiante Don Pepe exclama: " - Chantecler! Sí, tú eres el Gallo. Tu canto ha hecho el sol alzar-se en el horizonte, y ahora el sol te acaricia el rostro. Es la mañana de tu vida..." E depois de muito tempo, depois de muitas tentativas Don Pepe, num certo dia se chega a Rodrigo, lhe trazendo o quadro. Veríssimo assim descreve a perplexidade de Rodrigo:
"Ao ver a própria imagem na tela, Rodrigo sentiu como que um soco no plexo solar. Por um momento a comoção dominou-o, embaciou-lhe os olhos, comprimiu-lhe a garganta, alterou-lhe o ritmo do coração. Quedou-se por um longo instante a namorar o próprio retrato. Ali estava, nas cores mesmas da vida, o dr. Rodrigo Cambará, todo vestido de preto (Pepe explicava que o plastrão vermelho era uma licença poética), a mão esquerda metida no bolso dianteiro das calças, a direita a segurar o chapéu-coco e a bengala. O sol tocava-lhe o rosto. O vento revolvia-lhe os cabelos. E havia no semblante do moço do Sobrado um certo ar de altivez, de sereno desafio. Era como se - dono do mundo - do alto da coxilha ele estivesse a contemplar o futuro com os olhos cheios duma apaixonada confiança em si mesmo e na vida". E um pouco mais adiante:
" - Caramba! Pepe, palavra que nunca pensei...
Tornou a contemplar o quadro. Havia naquela figura uma poderosa expressão de vitalidade. Era o retrato de alguém que amava a vida, que tinha ânsias de abraçá-la, de gozá-la totalmente e com pressa. Sim, ele se reconhecia naquela imagem: a tela mostrava não apenas sua aparência física, as suas roupas, o seu "ar", mas também seus pensamentos, seus desejos, sua alma. Como era que o diabo do espanhol tinha conseguido tamanho milagre".
Este era o Rodrigo Terra Cambará. Um retrato de um momento de extrema e pura vitalidade. Estava aí impassível e perene. O Rodrigo real era, porém, cheio de afetos e paixões. Nele, força e fraqueza se equilibravam. Tinha noção clara de seus compromissos, porém, na real ele fraquejava. O retrato o advertia. Diante dele, ele se examinava. Busca em Flora e no casamento a estabilidade em sua vida, mas não conseguia suportar os seus limites. E isso lhe trazia problemas e repreensões, especialmente as dele próprio, diante de seu retrato.
Antônia (Toni) aparece em sua vida. Tinha 20 anos e educação europeia. Ela era austríaca. Por imposições do destino veio parar em Santa Fé. Pertencia a família filarmônica dos Weber. Falava com Rodrigo, de igual para igual, sobre música, sobre literatura e sobre os mais diferentes compositores e autores. Uma explosão tórrida de paixão! E... alguns dias de recolhimento no Angico. E... as torturas da culpa e do remorso. É o título A sombra do anjo. A morte paira nas páginas desse capítulo.
Uma vela para o negrinho é a parte final desse segundo volume. É Maria Valéria, já aos 85, que ascende esta vela para o negrinho do pastoreio. Ela assiste a desintegração da família, reunida no Sobrado, tendo Rodrigo como agonizante e seus filhos divididos por diferentes credos políticos, além de um genro espertalhão, ávido à espera da herança, que lhe asseguraria uma boa vida, no Rio de Janeiro. Não sei se a vela daria conta disso tudo, mas a obra de Érico estava aberta para os três volumes seguintes de O arquipélago.
Os grandes personagens desse volume são, Rodrigo, por óbvio, além de Don Pepe, o autor do retrato, Licurgo, Toríbio e Maria Valéria, que permanecem do primeiro volume e de Flora, mais uma das personagens femininas fortes de Veríssimo. E deixo ainda uma síntese da colonização de O Continente, ou do Rio Grande do Sul, nas palavras de Eduardo, o filho comunista, stalinista, prestista de Flora e Rodrigo:
"Eduardo voltou-se para o Retrato de Rodrigo Cambará que pendia da parede da sala, dentro de sua moldura cor de ouro velho.
Ali está o símbolo das coisas que nós comunistas combatemos. O dono da vida, o moço do Sobrado, o morgado, a flor de várias gerações de senhores feudais, muitos dos quais começaram como ladrões de gado e foram aumentando seu patrimônio por meio do saque, do roubo, da conquista à mão armada e à custa do suor e do sangue do trabalhador rural. Olha só a empáfia, a vaidade... Parece que ele está dizendo: 'Eu sou o centro do mundo, o sal da terra'"! Era de matar o pai doente! Já Floriano, o outro filho, é aprendiz de escritor... uma promessa de escritor...
Deixo ainda a resenha do volume I de O Retrato.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/03/o-tempo-e-o-vento-parte-ii-o-retrato.html
OBRIGADO você sinceramente salvou, eu e essa obra esquecida, tive dificuldade em achar um site bom que falasse do livro de Eric Verissimo
ResponderExcluirQue bom que foi útil. Espero que tenha sido contagiado pela obra magnífica do Érico Veríssimo. E..., me deve uma cerveja por 'tê-lo salvo'.
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