quarta-feira, 23 de outubro de 2024

O HORROR ECONÔMICO. Viviane Forrester. 1996.

O ano de 1997 marca a minha chegada a um endereço famoso: rua Monte Alegre, em Perdizes, São Paulo. Depois de minha aposentadoria, como professor da escola pública do estado do Paraná, eu chegava a PUC, para iniciar os meus estudos de mestrado, no renomado programa de História e Filosofia da Educação, sempre laureado com uma nota sete. Foram os anos de aprimoramento da minha formação teórica. Oportunidade rara na vida. Chegava, portanto, ao curso de mestrado, ao final do século XX, num período de grandes transformações, tanto na ordem política, quanto na econômica. Um mundo de novos livros se colocava à frente de meus olhos. Avidamente eu os comprava nas livrarias que rodeavam o famoso endereço. Cada dia mais, aprendia a ler o mundo.

O horror econômico. Viviane Forrester. UNESP. 1997. Tradução: Álvaro Lorencini.

No campo econômico os termos mais citados eram os do neoliberalismo, da mundialização, dos livres mercados, agora globalizados. Revendo as minhas anotações, me deparo com estes termos, ainda hoje em pleno vigor. Anotações de aula da professora Nereide Saviani: desestatização - desnacionalização - globalização; desregulamentação - desconstitucionalização; desuniversalização - desproteção. Entre os autores, apenas os mais citados: David Harvey, Frederic Jameson, Atílio Borón, Perry Anderson, Adam Przeworski, além dos teóricos do liberalismo e do neoliberalismo. Depois veio o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, onde entramos em contato direto com muitos desses autores.

Me lembro de um livro, em particular. O tomei para uma releitura. Um pequeno livro que causou profundo impacto. O horror econômico, de Vivane Forrester (1925-2013). O livro surgiu em 1996. Não poderia haver um título melhor para a realidade descrita: O horror econômico provocado pelo fim do mundo do trabalho e dos empregos, categorias estruturantes do sistema capitalista. Vejamos os dois primeiros parágrafos do livro: "Vivemos em meio a um engodo magistral, um mundo desaparecido que teimamos em não reconhecer como tal e que certas políticas artificiais pretendem perpetuar. Milhões de destinos são destruídos, aniquilados por esse anacronismo causado por estratagemas renitentes, destinados a apresentar como imperecível nosso mais sagrado tabu: o trabalho.

Com efeito, deformado sob a forma perversa de 'emprego', o trabalho funda a civilização ocidental, que comanda  todo o planeta. Confunde-se a tal ponto com ela que, ao mesmo tempo em que se volatiliza, seu enraizamento, sua evidência jamais são postos em causa, menos ainda sua necessidade. Não é ele que, em princípio, rege toda distribuição e, portanto, toda sobrevivência? Os emaranhados de intercâmbios que daí decorrem parecem-nos tão indiscutivelmente vitais quanto a circulação do sangue. Ora, esse trabalho, tido como nosso motor natural, como a regra do jogo que serve à nossa passagem para esses lugares estranhos, de onde cada um de nós tem vocação a desaparecer, não passa hoje de uma entidade desprovida de substância" (Página 7).

Está aí anunciado o teor do livro. A explanação e análise se dá ao longo de 12 pequenos capítulos, no decurso de 154 páginas. Nesse novo mundo cabem apenas os seres úteis aos objetivos do sistema, isto é, os que auferem lucros. Para os excluídos, medidas paliativas de "alívio à pobreza", termo tão ao gosto do Banco Mundial, que junto ao FMI e a OCDE, são os gestores do sistema, os formuladores de suas políticas. E não há alternativas. Todos precisam se adaptar ao único sistema viável. É domínio do 'pensamento único". Lembremos da sra. Tatcher, a conhecida sra. TINA. (There Is Not Alternative). Fim do trabalho e pensamento único aprisionam a todos. Não resisto à tentação de transcrever um pequeno texto de Perry Anderson, que descreve esse mundo, no belo livro Pós neoliberalismo, livro organizado por Emir Sader e Pablo Gentili. Usei este texto à exaustão em trabalhos de formação: 

"O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais (as medidas paliativas de alívio à pobreza, medidas compensatórias à ausência dos empregos) e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária (Teto de gastos - arcabouço fiscal), com a contenção dos gastos com o bem-estar social, e a restauração da taxa 'natural' de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava redução de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas" (Página 11).

Viviane Forrester também estava enfronhada com o mundo da literatura e dela retira alguns personagens para ilustrar as suas análises e aplicar a elas um tom de ironia mordaz. Aos economistas a serviço desse sistema e pregadores de seus dogmas, ela evoca o personagem do senhor Homais, o farmacêutico flibusteiro do livro de Flaubert, Madame Bovary. Um pseudocientista que ditava os dogmas que infelicitavam os seus atingidos. Era ele que detinha o veneno do envenenamento da madame. Genial e perfeitamente aplicável aos economistas de nossa mídia, a serviço do capital.

Entre os parágrafos finais, selecionei este para a conclusão do post: "Não se trata de chorar sobre o que não existe mais, de negar e renegar o presente. Não se trata de negar, de recusar a mundialização, o surto das tecnologias, que são fatos, e que poderiam ser animadores não só para as 'forças vivas'. Trata-se, pelo contrário, de levá-los em consideração. Trata-se de não ser mais colonizado. De viver com conhecimento de causa, de não mais aceitar tacitamente as análises econômicas e políticas (de homens inescrupulosos como o senhor Homais) que passam por cima dos fatos, que só os mencionam como elementos ameaçadores, obrigando a medidas cruéis, as que se tornarão ainda piores se não forem aceitas com toda a submissão" (Página 144).

Carlos Heitor Cony, sob o título O novo holocausto, apresenta o livro em suas orelhas: "Depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seu braço operacional, que é a globalização, criaram, mantêm e ampliam, em nome da sacralidade do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passo seria a eliminação? Caminhamos para um holocausto universal, quando a economia modernizada terá repugnância em custear a sobrevivência de quatro quintos da população mundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, devem ser exterminados?

O raciocínio é bem mais do que uma hipótese. É um desdobramento lógico do horror econômico fabricado no laboratório dos economistas neste final de século. Horror - este sim - globalizado pelos governos que buscam resultados contábeis e condenam a ação social como jurássica.

A massa de excluídos em todo o mundo constituirá um formidável dinossauro que a economia modernizada eliminará como inviável no Estado neoliberal. Não se trata de um apocalipse, mas de um novo eixo da história. Só os melhores, os economicamente arianos, deverão sobreviver. Os não arianos formarão o gueto - e como a manutenção de um gueto é um paradoxo econômico (para quê produzir para quem não pode produzir?), a solução a médio ou a longo prazo será o extermínio em massa. Menos custo e mais benefício para os balanços de governos e empresas.

Viviane Forrester, romancista e ensaísta, autora de um belo livro sobre Van Gogh (um excluído que nunca vendeu um quadro) e outro sobre Virgínia Wolf, analisa com lucidez e lógica a decomposição dos valores humanísticos e sociais que se tornaram a besta-negra dos guarda-livros que se investiram na função de Sumos Sacerdotes, somente eles capazes de penetrar no Santo dos Santos do templo globalizado.

Ela prefere Rimbaud e Pascal aos economistas do neoliberalismo. O horror econômico denuncia o jargão e as siglas que estão fabricando o abominável mundo novo em gestação. Seu livro é um momento da consciência humana".

Na atualização de leituras sobre o tema, creio que este é o livro que mais aprofundou o tema. Deixo aqui a sua resenha:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/02/a-nova-razao-do-mundo-ensaio-sobre.html


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