segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Viagem a Portugal. José Saramago.

As minhas releituras de Saramago. Olhando na estante os livros que tenho de José Saramago, deparo com Viagem a Portugal. Envergonhado, confesso que não me lembrava de tê-lo lido. Mas ao folheá-lo, vi partes sublinhadas e outras pequenas anotações. Assim percebi que o tinha lido, e de ponta a ponta. E forçando um pouco a memória, lembrei das várias vezes que Saramago ia em busca de chaves das igrejas que queria visitar, mas que nem sempre as encontrava, ou então se encontrava com pessoas muito mal humoradas e pouco dispostas em atendê-lo. Mas, afinal, o que devo dizer da releitura deste livro?

Viagem a Portugal. José Saramago. Companhia das Letras. 2010.

Uma viagem. Uma viagem que, como nos diz o próprio Saramago, é um livro de viajante e não de turista. É um livro meticuloso, voltado a detalhes de arte, de história e de cultura, com os quais vai povoando as inúmeras cidades visitadas, de norte a sul de seu país. Isso mesmo, a viagem obedece a este direcionamento. Começa ao norte, em Miranda do Douro, junto a divisa com a Espanha e termina em Lagos, cidade através da qual Portugal promoveu a sua enorme expansão. E haja paisagens geográficas, haja história e cidades históricas, arte mourisca e arte portuguesa, estilos do românico, do gótico e do barroco e, acima de tudo, haja castelos e igrejas. E sim, o estilo manuelino. Tudo isso é entremeado de análises e de críticas. Portugal e a sua história é tema das primeiras grandes obras de Saramago. Para lembrar, cito Levantando do chão, sobre os latifúndios do Alentejo e o sofrimento de seu povo na luta pelo pão de cada dia e Memorial do Convento, em que é contada a história da construção de seu famoso convento e os enormes sacrifícios do povo, no trabalho de sua construção.

O livro é longo. São 484 páginas, divididas em seis partes, ou capítulos, que correspondem às regiões visitadas. Dou, primeiramente, os títulos e as páginas. Faço isso para que se tenha uma ideia do quanto o autor dedicou a cada uma das regiões: 1. De Nordeste a Noroeste, duro e dourado (páginas 15 a 139); 2. Terras baixas, vizinhas do mar (páginas 141 a 185); 3. Brandas beiras de pedra, paciência (páginas 187 a 272); 4. Entre Mondego e Sado, parar em todo o lado (páginas 273 a 381); 5. A grande e ardente terra de Alentejo (páginas 383 a 451; 6. De Algarve e sol, pão seco e pão mole (páginas 453 a 476. Passo a dar também as principais cidades visitadas em cada região e algum detalhe a mais.

Na primeira parte o viajante se deparou com Bragança, Outeiro, Vila Real, Amarante, Guimarães (a cidade berço do país), Viana de Castelo, Braga (a Roma portuguesa e a rival de Santiago de Compostela), Barcelos (a cidade do Galo) e Porto, junto a foz do Douro.

Na segunda parte, o viajante, após a travessia do Douro, percorre Vila Nova de Gaia (a cidade do vinho), Aveiro, Figueira da Foz, Montemor e Coimbra (a capital nos séculos XII e XIII e a sua famosa universidade jesuítica).

Na terceira parte, o viajante continua pela região central do país e a região da Serra da Estrela. As principais cidades visitadas são Cidadelhe, Belmonte (a terra de Pedro Álvares Cabral e o Museu dos descobrimentos), Marialva, Covilhã, Castelo Branco e Abrantes.

Na quarta parte o viajante vem beirando o rio Tejo. As cidades pelas quais ele andou são Constância (a terra natal de Camões e do Castelo de Almourol, Tomar, a cidade dos templários, com o Convento de Cristo e também um famoso aqueduto, Fátima (cidade tomada pelo comércio e da qual, afirma ele, se salva apenas a fé), Leiria, Batalha (a batalha de Aljubarrota), Nazaré, Alcobaça, Azinhaga (a cidade natal do viajante), Santarém, Óbidos, Mafra (a cidade do convento), Estoril e Cascais e mais de vinte páginas dedicadas a Lisboa.

Na quinta parte, já feita a travessia pela  ponte Vasco da Gama ou 25 de abril, chega-se à famosa região do Alentejo. Entre as cidades visitadas estão Setúbal, Montemor-o-Novo, Pavia, Mora - Brotas, Grândola - Carvalhal, Alter do Chão, Vila Viçosa,  Évora (Templo de Diana), Beja e Mértola. Terra de latifúndios e sofrimento humano.

A sexta parte é a mais breve. É o Algarve. Duas cidades merecem destaque. Faro e o seu museu e Lagos e o museu náutico. Terra de turismo e de estrangeirismos.

Mas, deixemos o próprio Saramago falar de seu livro. Isso ele faz na sua apresentação: "Esta viagem a Portugal é uma história. História de um viajante no interior da viagem que fez, história de uma viagem que em si transportou um viajante, história de viagem e viajante reunidos em uma procurada fusão daquele que vê e daquilo que é visto, encontro nem sempre pacífico de subjetividades e objetividades. Logo: choque e adequação, reconhecimento e descoberta, conformação e surpresa. O viajante viajou no seu país. Isto significa que viajou por dentro de si mesmo, pela cultura que o formou e está formando, significa que foi, durante muitas semanas, um espelho reflector das imagens exteriores, uma vidraça transparente que luzes e sombras atravessaram, uma placa sensível que registou, em trânsito e processo, as impressões, as vozes, o murmúrio infindável de um povo".

Ao final, o viajante nos alerta que em breve ele estará de volta. "Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse 'Não há mais que ver', sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já".

Deixo a resenha dos dois livros em que o escritor se ocupa mais diretamente com histórias de seu país. Levantando do Chão e Memorial do Convento.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/08/levantando-do-chao-jose-saramago.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/08/memorial-do-convento-jose-saramago.html

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