Continuo a saga da releitura de José Saramago. Em 30 de julho de 2010, como apontado ao final do livro, eu terminava a leitura de Memorial do convento, o seu livro publicado no ano de 1982. Hoje, dia 3 de agosto de 2024, terminei a releitura. O impacto continua o mesmo como o da primeira leitura. Trata-se, a exemplo de Levantando do chão, de uma viagem por Portugal. Se por Levantando do chão conhecemos os latifúndios e os sofrimentos por eles provocados aos trabalhadores na região de Évora, com o Memorial do convento vamos ter um encontro com trabalhadores, milhares de trabalhadores, livres e forçados, todos empenhados na monstruosa e medonha construção.
Memorial do convento. José Saramago. Bertrand Brasil. 2010.Nos meus anos de seminário eu cantava no coral. Além do hino do Vaticano, me lembro que cantávamos os sinos de Mafra, em que as vozes imitavam os badalos. Já nos primeiros ensaios, vim saber que em Mafra (SC.) não havia sinos famosos. Fui descobri-los em Portugal e, pelo livro de Saramago, fiquei sabendo serem eles mais de cem. O convento foi do tempo em que Portugal podia sustentar essa verdadeira loucura. O ouro, o comércio de escravos e das especiarias, ou dito de forma mais simples, as colônias tudo pagariam. Coube ao arquiteto alemão João Frederico João Ludovice o seu desenho, mas que na execução foi muito aumentado. De 80 monges residentes quis o rei, 300. Isso para demovê-lo da ideia da reprodução da basílica de São Pedro, a de Roma, em Lisboa.
A construção do convento tem a sua origem no cumprimento de uma promessa de D. João V (1689 - 1750 e rei a partir de 1706, até o fim de sua vida). Ele era casado com a princesa austríaca D. Maria Ana. Em troca da fertilidade dela (Do homem jamais se duvidava), o convento seria erguido ad maiorem Dei gloriam. Ao nascer a infanta Maria Bárbara, as obras iniciaram. Isso era no ano de 1717. A inauguração festiva, nos conta, tanto Saramago como a Wikipédia, ocorreu em 22 de outubro de 1730, levando mais dez anos ainda, para as obras estarem concluídas.
Mas não é apenas isso. Também há o padre Bartolomeu Lourenço, de Gusmão, depois de doutorado concluído em Coimbra. Era brasileiro esse padre Voador, pois voar era o seu intento. Também há Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, maneta por motivo de guerra com os espanhóis. E há ainda Blimunda, que para complementar o Sete-Sóis, de Sete-Luas passou a ser chamada. E há a inquisição e as grandes solenidades do Santo Ofício, que já levara a mãe de Blimanda e também já andava no encalço do padre Voador, pois voar era contra a vontade de Deus, senão a Dele, ao menos a de seus representantes. Estes três celebraram um pacto, o de construir, sob segredo, a engenhoca voadora. E, de fato voaram. Isso é o que nos conta Saramago. Sobrevoaram a cidade de Mafra. para cujo povo, fora o Espírito Santo que baixara.
A fuga do padre de seus inquisidores se deu por via aérea, da qual os três se saíram bem. O padre sumiu, para mais tarde reaparecer em Toledo, na Espanha. O casal mantém o segredo, do qual apenas um músico italiano compartilhava. Sete-Sóis cuida da manutenção da engenhoca, que um dia voa junto com ele e simplesmente desaparecem - para nove anos de peregrinação de Blimunda, atrás da jeringonça e do marido. Muitos fatos se sucedem nesses anos, até que finalmente, num Auto de Fé, em Lisboa, encontrar Sete-Sóis ardendo em fogueira. E, lá se foram 25 capítulos, ao longo de 347 páginas, de muita história, ironia e diversão.
Na contracapa uma síntese: "Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra.
Era uma vez a gente que construiu esse convento.
Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.
Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.
Era uma vez".
Na orelha da contracapa encontramos outra síntese, na parte final do texto de José J. Veiga: "A pretexto de escrever um livro sobre a história da construção de um convento em Mafra no século XVIII, Saramago inventou uma história outra, na qual entram outras famílias inesquecíveis, a dos Sete-Sóis e a das Sete-Luas, e mais o padre Bartolomeu de Gusmão com sua passarola e o compositor Scarlatti com seu órgão e sua música, e mais reis e rainhas e princesas, e mais uma pedra descomunal que precisa ser transportada a longa distância, e o que acontece durante o transporte. Que pretende Saramago com seus livros poderosos? Para mim, isto: fazer o que fez Homero antes dele, isto é, escrever histórias aparentemente reais mas inventadas com tanta competência que depois de lidas passam a ser reais e a fazer parte da longa e sofrida experiência humana".
Para nós cabem apenas os prazeres da sua leitura e releitura, como a que acabo de fazer. Saramago é Nobel de Literatura do ano de 1998.
Deixo ainda ainda a resenha de Levantando do chão:
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/08/levantando-do-chao-jose-saramago.html. E como um dos temas do livro é a inquisição na Península Ibérica, vai aqui também a resenha de um memorável livro sobre ela.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/07/inquisicao-o-reinado-do-medo-toby-green.html
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