O livro - A Eneida -, do poeta latino Virgílio, é um velho conhecido meu. Na década de 1960 eu frequentava o seminário, na cidade de Gravataí (RS). Recebíamos uma formação clássica. Isso incluía, entre outras obras, a sua leitura em latim e escandindo seus versos. Isso exigia muito esforço e disciplina. Até hoje guardo na memória um de seus versos, logo do início do famoso poema, em que é relatada a Guerra de Troia. Timeo danaos et dona ferentes. Uma referência ao famoso cavalo de Troia.
A Eneida. Virgílio.Depois o li, mais sistematicamente, por várias razões. Trabalhei A divina comédia, em que Dante, ao visitar o inferno, toma Virgílio como seu guia e, precisei lê-lo. Também fui professor no curso de Publicidade da Universidade Positivo e mais uma vez precisei lê-lo, pois se trata de uma obra que tornou públicos (publicizou) os feitos do povo de Troia, do qual Eneias é notável descendente e que, após a famosa guerra, terá a missão de fundar Roma e o mais consagrado império da antiguidade. E mais recentemente recebi como incumbência a escrita de um texto sobre valores perenes e, mais uma vez, recorri à beleza e à força desse grandioso livro. A obra tem a ver com o sentimento romano de patriotismo. Um conceito tão profanado nesse Brasil dos tempos mais recentes de nossa história. Patriotismo remete à ancestralidade e valores. Eneias irá buscá-los numa ida ao outro mundo. Isso merecerá dois posts especiais.
Bem, aí já entramos no teor da obra. E, antes de mais nada, quero aqui registrar a importância desse conceito de patriotismo, um conjunto de valores comuns a um povo, que Eneias, depois de receber a missão de fundar uma nova cidade e um novo reino, foi buscar no mundo dos mortos, junto a seu pai Anquises. Esses valores comuns é que deveriam nortear o bem viver em comum na cidade que ira fundar. Assim conferiu a esses valores o tom do sobrenatural. Nesse mundo dos ínferos, guiado por Sibila, encontra o tártaro e o elísio (o inferno e o paraíso cristãos). Exatamente por ter feito essa viagem ao mundo dos mortos é que Dante escolheu Virgílio como guia na sua incursão pelo inferno, onde estão as pessoas que tiveram uma vida nada exemplar, vida que deveria ser evitada.
Vamos então a uma visão mais sistemática da obra. Para isso, recorro primeiramente à introdução da edição do livro que eu li. Ela é de autoria de Matos Peixoto, que é também o editor da obra (Rio de Janeiro, 1964). Matos Peixoto fala da obra e de seu autor.
Quanto a obra, ele nos fala que ela apareceu praticamente mil anos depois da Ilíada, de Homero. Ela começa com a narrativa do fim da Guerra de Troia, vencida por ato de traiçoeira astúcia dos gregos, a do cavalo de Troia. Eneias será o herói de Virgílio. Ele é filho de Anquises e da deusa Vênus. Será ele que recebe a missão da fundação de uma nova cidade e de um novo reino. Roma e o Império Romano. Vejamos a narrativa da nota de introdução: "Poder-se-ia dizer que A Eneida é o poema de Roma, porque, através de sua admirável estrutura poética, canta a história épica da fundação da cidade e o advento da raça latina, consolidada depois de luta demorada e cruenta, da união de Eneias e de Lavínia". Vejamos mais um parágrafo:
"E tal drama de amor (Eneias e Dido, a rainha de Cartago) entrosa-se com a obcecada perseguição da deusa Juno, cujo ódio aos troianos, não só porque patrocinara a guerra junto aos gregos como porque não perdoava Páris, que dera a Helena a prevalência da beleza, jamais deu tréguas a Eneias e levou-o à terrível guerra com os habitantes da Itália, que, afinal, dominou. Dentro dessa luta terrível, refulge a imagem da lealdade e da amizade, nas lágrimas de Eneias por seu amigo e companheiro sacrificado e que culmina no episódio final, quando o troiano, entre a piedade que lhe inspira a súplica de Turno, inimigo vencido, e a lembrança do companheiro Palante (Palas), opta por esta e mergulha a espada na garganta de seu matador" (Páginas 9-10). Após essa morte do inimigo se consolida o casamento do troiano Eneias com a latina Lavínia e se dará a origem de Roma e do povo romano.
O livro, de 301 páginas, está divido em doze capítulos, devidamente intitulados. A saber: 1. A queda de Troia (a narrativa de sua parte final e a partida de Eneias no intento de cumprir com a sua missão). 2. Os troianos partem (Eneias reúne o que sobrara de seu povo e se lança ao mar. No mar passa a enfrentar os perigos que lhe são preparados por Juno). 3. Eneias chega a Cartago (É recebido com toda a boa hospitalidade e recebe ajudas de sua boa rainha). 4. Eneias e Dido (Dido, a rainha de Cartago, cai de amores por Eneias, que, no entanto, seguirá seu destino para cumprir sua missão. Dido não suporta as dores do amor não correspondido e se suicida). 5. Os jogos fúnebres (a celebração dos funerais do primeiro ano da morte do pai Anquises. As privações pelas quais tem que passar os guerreiros valentes, bons servidores da pátria).
6. Eneias no mundo das sombras (Eneias, acompanhado de Sibila, visita o mundo dos mortos. Lá, junto a seu pai Anquises, visita o mundo dos elísios e o tártaro. Ali encontra a recompensa dos virtuosos e o castigo dos maus. Buscou assim os princípios do bem viver em comum, do conviver. Sem dúvida, o capítulo fundante do livro. Em outros posts, darei a visão que Eneias teve desses dois mundos). 7. Os troianos desembarcam na Itália (Chegam a foz do rio Tibre e são bem recebidos, mas Juno trama contra. A esposa do rei e Turno, seu filho, se lançam contra Eneias). 8. Eneias em apuros (As alianças de Turno, contra Eneias). 9. Os troianos são cercados (Tudo indica que Turno derrotará Eneias). 10. A assembleia dos Deuses (Júpiter pede que, tanto Juno, quanto Vênus, parem de interferir na guerra, mas novos exércitos são organizados e as lutas continuam). 11. O rei Latino pede a paz (Turno não a aceita e as lutas continuam). 11. O combate final (Um duelo entre Turno e Eneias. Eneias vence e casa-se com Lavínia). Sua missão está cumprida.
Com toda certeza, uma das mais importantes obras da literatura universal. Os fundamentos do patriotismo e da cultura clássica. E, apenas para lembrar: patriotismo não tem nada a ver com o se enrolar numa bandeira ou vestir a camiseta da seleção do país. Patriotismo tem a ver com pátria, eu até preferiria mátria (Pater - mater), um pai, ou mãe comum a um povo, assim como o foi Anquises, para Roma. E... valores do conviver.
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