Como este post é o segundo da visita de Eneias ao mundo das sombras, deixo inicialmente o post da primeira viagem. A viagem ao tártaro.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/12/sibila-conduz-eneias-ao-mundo-das.html
Retomo aqui o momento em que Eneias, já no mundo das sombras e guiado por Sibila, chega ao local da bifurcação do caminho: "Aqui há uma bifurcação: o caminho à direita vai dar às muralhas do grande Plutão e aos Campos Elísios, mas o da esquerda conduz ao horrível Tártaro, onde são punidos os maus". Vejamos agora o mundo dos Campos Elísios:
A Eneida. Virgílio."Ali é maior a claridade do sol e mais bonito o brilho das estrelas - astros todos próprios do lugar e diferentes dos da terra - e ali as almas afortunadas têm o rosto iluminado de alegria, divertindo-se nos jogos, nas danças ou com versos poéticos. Ali estava Orfeu, o sacerdote trácio, com suas vestes compridas, afinando nas harmoniosas cordas da cítara sete diferentes tons, ora fazendo-as soar com os dedos, ora com a palheta de marfim. Também lá viram os antigos pais da dinastia troiana, Teucro e Dárdano, fundadores da raça. De longe Eneias admira-lhes os carros de guerra, as armas reluzentes e os cavalos soltos que pastavam por toda a parte, tudo sob a forma de sombras. Tão forte era o gosto dos antigos por aquelas coisas que até ali as tinham levado. Através da floresta, serpenteia o Erídano, que, vindo do mundo superior, ali faz pequeno percurso, para em seguida subir de novo na direção do mar.
Pouco adiante, chegaram a um riacho murmurejante que deslizava entre loureiros fragrantes. Outras sombras ali estavam. Eram as dos homens muito virtuosos e a quem muito amavam os deuses; os que tinham perecido defendendo a pátria; os que tinham dedicado sua vida terrena à procura da verdade - sacerdotes, filósofos e poetas cujos cânticos haviam inspirado pensamentos nobres nos corações dos homens; e também aqueles que haviam conquistado a estima do povo por seu altruísmo. Todos eles, de fita branca amarrada à cabeça, reuniram-se em torno dos viajantes, quando lhes perguntou a Sibila:
- Onde podemos encontrar Anquises? Por causa dele viemos e atravessamos o Érebo.
Uma das sombras, a mais destacada entre as outras, pertencentes ao poeta Museu, assim falou:
- Nenhum de nós aqui tem morada fixa. Habitamos os bosques espessos, os leitos das ribeiras e os prados frescos dos rios. Mas vós, se a vossa vontade assim o quer, subi a esse cabeço e logo vos porei no caminho certo.
Então seguiram o poeta, que se adiantou e apontou-lhes a encosta arborizada. Desceram e encontraram Anquises lá embaixo, no vale. Ali o ancião olhava pensativamente as almas que estavam por nascer. Ao ver o filho, estendeu-lhe os braços e com os olhos em lágrimas exclamou:
- Ó filho querido, por fim vieste. É verdadeiro o grande amor que tens por teu pai e só ele te poderia trazer incólume através de perigos tão grandes. É-me permitido assim ver teu rosto, ó filho, e ouvir e fazer ouvir palavras conhecidas. Na verdade, contei dia a dia, hora a hora, o tempo que levarias para aqui chegar. Dize-me, agora, por que terras e mares andaste no teu caminho árduo! Que grandes perigos e dificuldades enfrentastes? Quanto temi pela tua estada em Cartago!
- Ó pai, foi tua imagem, aparecendo-me muitas vezes em sonhos, que me obrigou a vir aqui. A armada troiana está segura no mar Tirreno. Permite, permite, ó pai, que eu aperte a tua mão direita e que não te afastes do meu abraço.
A recordar tantas coisas, as lágrimas enchiam-lhe o rosto. Tentou três vezes abraçar a sombra do pai, mas a imagem fugidia lhe escapava das mãos, qual leves ventos, à semelhança do que acontecia nos sonhos. Nesse momento, Eneias viu, num vale, bosque isolado, cujas árvores murmuravam à brisa, diante do qual, na pradaria, corria o rio Letes. As margens do curso dágua agitava-se multidão de sombras, indo e vindo, atarefadíssimas como abelhas num campo cheio de flores. Todo o local ressoava com o azáfama, e Eneias, sem saber o que era aquilo, olhava espantado para o grande ajuntamento. Eis que disse Anquises:
- Esses são espíritos, filho, destinados a subir novamente à terra para serem reencarnados. Bebem a água do Letes e assim fazendo esquecem totalmente sua vida anterior. São almas que algum dia habitarão os corpos de teus netos. Chamei-te aqui para mostrar-te estas coisas, a fim de que então continues a caminho da Itália, com maior vigor, para lançares lá as raízes de nova raça.
- Ó pai, devo crer que daqui sairão as almas outra vez para a luz, e dar vida nova aos corpos humanos? E por que tanto desejam eles voltar a respirar o ar da terra?
- Na verdade eu te direi, ó filho, o segredo desses mistérios divinos, pois o véu que cobre os olhos de todos os mortais foi agora retirado da minha vista. Em primeiro lugar, saiba que o céu e a terra, os mares e a lua, o sol, as estrelas brilhantes são todos sustentados por grande espírito flamejante, grande mente onisciente, de onde provém todas as coisas vivas - as raças dos homens, os animais das florestas, as criaturas aladas e todas as formas estranhas que habitam as águas dos oceanos. Cada forma mortal toma dentro de si uma porção maior ou menor desse espírito universal, embora grande parte de seu fogo divino esteja sufocado e tolhido pelo cárcere da carne. É dessas centelhas inestinguíveis que emana todo o temor e desejo, todo o sofrimento e alegria, todo o amor e esperança. Quando vem a morte e o espírito é libertado da prisão corpórea, alguns dos defeitos que manchavam a forma terrena ainda se apegam a ele, em razão de sua longa permanência na terra, e os carrega para o Mundo das Sombras. Esses espíritos que vês amontoados às margens do Letes já sofreram punição e as manchas de culpa lhe foram levadas pelas torrentes espumantes ou queimadas pelos fogos purificadores. Depois disso, então, vieram por estes Campos Elísios e aqui estão morando até que a última mancha seja totalmente apagada, nada restando senão o espírito imaculado. Não se passarão menos de mil anos, antes que um espírito, inocente agora de qualquer pecado, esteja pronto para ser reencarnado. Então, a chamado divino, as almas purificadas vêm para as margens do Letes e, bebendo de suas águas, perdem toda a lembrança de sua vida anterior na terra e retornam à luz superior.
Acabando de falar, Anquises levou Eneias para o meio do grande ajuntamento fantasmagórico. Juntamente com Sibila subiram a um outeiro de onde pudessem melhor ver e conhecer os que ali se reuniam.
- Vem - disse Anquises - e mostrar-te-ei, dentro do que posso, algo das glórias que daqui em diante acompanharão a descendência dardânia, que netos terás na Itália, que almas ilustres hão de herdar teu nome. Vem e te revelarei os teus destinos. Aquele jovem que se encosta numa lança inofensiva, o primeiro da linha que se prepara para respirar os ares do Céu, é teu filho, Eneias, o mais moço de todos que te dará Lavínia, tua esposa, em idade avançada. Seu nome será Sílvio e ele, misturando seu sangue ao que corre nas veias italianas, fundará nova dinastia. Aquele próximo a ele é o espírito de Procas, que será um dos maiores heróis da nação troiana e um dos primeiros daquela descendência e sentar-se no trono da nação que erguerás, meu filho. Logo em seguida, estão as almas de Cápis, Numitor e Sílvio Eneias, que te fará reviver o nome, também notável pela piedade e pelo valor nas armas. Os dois primeiros fundarão as cidades de Nomento Gábios e de Fidena, respectivamente, e muitas outras serão também erigidas em campos que agora nem nome tem. A suma sacerdotisa Ília dará à luz um filho, Rômulo, cujo pai será o deus da guerra, Marte. Como este, o filho usará capacete com duas plumas e a ele Marte destinou grandes feitos guerreiros na terra. Reinará sobre a ínclita Roma, cidade de varões ilustres e cujas torres se elevarão de sete colinas dentro dos muros protetores. Sob seus auspícios a nação romana estenderá pelas terras seu poder e igualará seu merecimento ao próprio Olimpo. Volta agora teus olhos para mais adiante e vê César, chamado Júlio, segundo teu próprio filho Iulo - agora chamado Ascânio - e lá Augusto César, filho de Júlio, que trará a Idade do Ouro a Lácio. Governará seu povo com mão bondosa, procurará a paz abençoada e fará leis que levarão a justiça até o mais humilde de seus súditos. Seus domínios se estenderão por toda a África e Ásia, até as terras bárbaras do norte, que também se curvarão a seu jugo. Nem mesmo Hércules jamais reinou sobre tão grande extensão de terras.
E Anquises apontou muitos outros que no devido tempo subiriam à terra e tomariam parte em importantes acontecimentos.
- Ali estão os reis Tarquínios e Bruto vingador, e Paulo Emílio, que destruirá Argos, e Micenas de Agamenão, vencendo Perseu da Macedônia, assim vingando seus antepassados de Troia e os templos de Minerva profanados. O grande Catão, a geração dos Gracos e os dois Cipiões, flagelos da guerra da Líbia. Outros povos terão sem dúvida melhores escultores, melhores advogados, melhores astrônomos e melhores matemáticos, mas ao povo romano caberá a tarefa de impor as leis, governar os povos, propor as condições de paz, poupar os submissos e subjugar os soberbos. Vês que vem entrando Cláudio Marcelo, armado de ricos despojos. Será o maior de todos os heróis, sustentando a república romana, destruindo os cartagineses e subjugando o rebelde gaulês.
Assim iam Eneias, Anquises e a Sibila percorrendo a região e vendo todas aquelas coisas. O coração de Eneias rejubilava-se e seu ânimo exaltava-se ao sentir o destino glorioso que os deuses tinham reservado à sua descendência. Anquises instruía-o sobre o caráter e modos dos povos do Lácio, para onde logo iria. Disse-lhe das guerras que iria enfrentar, dos trabalhos por que passaria e da maneira que melhor se poderia sair das dificuldades.
Há dois portões que dão saída ao Mundo das Sombras. Um é escuro e feito de chifre e é por este que os espíritos sobem ao mundo superior para se reencarnarem. O outro é de branco brilhante, de marfim polido, mas é falso. Apenas os sonhos enviados pelas almas e os visitantes do Inferno a atravessam. Anquises levou seu filho e a Sibila pela porta de marfim e dali passaram rapidamente à terra.
Indo direto à frota, Eneias fez-se ao mar e, navegando para o norte, ao longo da costa italiana, lançou ferros num plácido ancoradouro" (Páginas 158 a 163).
O vislumbrar dessa realidade e o conforto trazido pelo encontro com o seu pai e as profecias que ele lhe fez, deram ânimo suficiente para Eneias continuar a sua missão. Ainda restavam outros seis capítulos de dificuldades para superar, pois estamos apenas no sexto capítulo, de um total de doze. Segue ainda a resenha de A Eneida. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/12/a-eneida-virgilio-19-c-o-grande-livro.html
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