domingo, 23 de março de 2025

A ROMANA. Alberto Moravia. 1947.

A minha última leitura foi A pele, de Curzio Malaparte. Um instigante livro sobre Nápoles, sobre a Itália e a Europa do pós Segunda Guerra Mundial. Por óbvio, Malaparte traçou um panorama profundamente depressivo e desolador. O que ler depois? Resolvi continuar na Itália, com o mesmo tema e a mesma época. E, um livro da mesma coleção - Os Imortais da Literatura Universal. A Itália do pós guerra. O livro da vez então foi A Romana, de Alberto Moravia. Adriana, a romana do título, é a personagem principal, que junto a todos os outros personagens, tem um encontro com as suas vidas, vidas absolutamente desencontradas. Enfrentam ambientes psicológicos destituídos de perspectivas. Deixo o link da resenha de A pele. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/03/a-pele-curzio-malaparte-1949.html

A romana. Alberto Moravia. Abril. 1972. Tradução: Marina Colasanti.

O livro é do ano de 1947. Tempo de reconstrução. Reconstrução de sonhos? Quais as razões para tantas angústias diante do destino? Vejamos primeiramente algo sobre o autor. Moravia nasce no ano de 1907. O sonho familiar era destiná-lo para a diplomacia. Uma doença, no entanto, impede a realização desse sonho. Era portador de uma tuberculose óssea (infecção grave que afeta ossos e articulações, me diz uma rápida consulta ao Google), que o obrigou a uma vida reclusa. Segundo ele próprio, este foi um dos fatores determinantes em sua vida. Outro seria a ascensão do regime fascista, iniciado em 1922, sob o comando de Mussolini. Um encontro permanente com o autoritarismo e a censura. 

O seu primeiro romance - Gli Indifferenti - lhe marca as características que o acompanhariam ao longo de sua vida de escritor. As ácidas críticas à decadente burguesia de Roma e às instituições a ela vinculadas, como o tradicionalismo, o casamento, a falsidade moral e o apego à propriedade. O sucesso despertou a censura e o livro foi proibido a partir de sua quinta edição. O livro de biografias que acompanha a coleção, lhe aponta uma segunda característica, de fundamental importância: "Outro traço do romance de estreia de Moravia é o perfil das personagens, cujos sentimentos básicos (tédio, indiferença, desatenção, náusea) permeiam toda a obra. Por isso, mais tarde, Gli Indifferenti seria considerado o primeiro romance existencialista europeu, escrito dez anos antes que Sartre e Camus, filosoficamente mais conscientes do que Moravia, dessem corpo ao existencialismo como corrente literária". Precursor do existencialismo.

A romana, livro de 1947, repetiria o êxito popular de seu romance de estreia. Ao livro incorpora novos personagens que conhecera ao longo de uma fuga e refúgio no norte da Itália, já sob a dominação nazista, pouco antes do final da Segunda Guerra: "O refúgio do estábulo dera-lhe a ideia de outro tipo de personagem, mais simples, preocupado basicamente em ganhar a vida", como lemos no livro de biografias. A romana começa a ser escrito no ano de 1945.  Adriana será a protagonista. E uma característica toda especial do livro. Será ela a narradora de sua vida, tudo em primeira pessoa. Me lembrei muito de Madame Bovary, quando Gustave Flaubert afirma ser ele a dita madame.

A respeito dessa sua tática de escritor, ele mesmo comenta: "... Essa técnica, essencialmente fotográfica, tem a vantagem de levar o leitor a uma intimidade maior com as situações do romance: 'Adriana, a romana, falando na primeira pessoa, poderia referir-se com mais liberdade, a qualquer coisa de Roma do que eu próprio, também romano, poderia fazê-lo'. Entretanto, a técnica trazia também problemas, colocados pela linguagem necessariamente restrita da personagem, cujo perfil simples e popular limita o vocabulário, obriga ao uso do dialeto romano e não pode ultrapassar, com suas explicações, o limitado universo cultural de que faz parte". Eu, da minha parte, devo dizer que esta estratégia tornou a sua leitura extremamente agradável.

E o romance? Adriana é uma menina de muitos sonhos, os dela e os de sua mãe. Sua beleza seria o meio para a realização desses sonhos, sempre instigada pela mãe. Torna-se modelo para pintores. Posa nua. Se envolve em relacionamentos, todos muito complicados. Chamaria atenção para quatro deles: Gino, um motorista casado, Mino, um estudante e militante político, Astarita, um policial do sistema fascista e Sonzogno, um criminoso. O seu envolvimento com esses personagens faz o romance ter uma fluência maravilhosa e a leitura ser agradável. A ingenuidade de Adriana, bem como a de sua mãe, a torna uma personagem que gera certa empatia, uma torcida para que tudo dê certo em sua vida. Mas isso seria o oposto do romance. O romance também mereceu o furor dos católicos, que o colocaram no INDEX, o índice de livros proibidos.

O livro é dividido em duas partes, as duas fases da vida de Adriana. A primeira consta de nove capítulos e a segunda de onze. Ao todo, soma 415 páginas. "... A ideia de outro tipo de personagem, mais simples, preocupado basicamente em ganhar a vida". É Adriana. e... Adeus aos sonhos românticos. Vejamos o parágrafo final da obra:

"Sozinha, senti minha dor quase aliviada pelo que tinha dito aos dois (ex companheiros de Mino). Pensei em Mino e depois pensei no meu filho. pensei que nasceria de um assassino e de uma prostituta; mas todo homem pode matar um dia e toda mulher pode entregar-se por dinheiro. O que mais importava era que nascesse bem e crescesse forte e sadio. E decidi que, se fosse homem, chamar-se-ia Giácomo (Mino), em lembrança de Mino. Mas, se fosse mulher, Letícia,, pois queria que, ao contrário do que se dera comigo, tivesse uma vida alegre e feliz, e tinha certeza de que, com a ajuda da família de Mino, assim haveria de ser". Olha a réstea de esperança... A caixa de Pandora.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.