sexta-feira, 28 de março de 2025

O Ingênuo. Voltaire. 1767.

Depois de Cândido, mais Voltaire. Outro de seus contos filosóficos. O Ingênuo - História verdadeira, tirada dos manuscritos do padre Quesnel. Como Voltaire gostava de ocultar a sua autoria! O conto tem certas semelhanças com Cândido. O tema é uma análise do mundo e de todos os males que ele contém. Agora a interlocução não será com Pangloss (Leibniz) mas com o Ingênuo, ou com Hércules Ingênuo, depois de seu batizado. Ingênuo é um nativo americano, um índio hurão. Um ser muito próximo de um ser natural, não corrompido e estranho aos costumes da civilizada França. Percebem a presença de Rousseau.

Contos. Voltaire. 1972. Páginas 297 -359. Tradução: Mário Quintana.

Diferente do ocorrido em Cândido, quando os principais personagens conhecem o mundo através de viagens, pelas quais entram em contato com diferentes realidades, em O Ingênuo, será este "selvagem" que entrará em contato com a "civilização" e mostrar todo o seu inconformismo com os hábitos, costumes e instituições, que são para ele, estranhas e absurdas. Percebeu grandes diferenças entre os ingleses e os franceses. Ele se familiarizara mais com a Inglaterra (Voltaire era grande admirador da Inglaterra). Mas, como era ingênuo, os franceses facilmente o convenceram a combater ao lado dos franceses contra os ingleses.

O Ingênuo chega às costas da França, no Priorado da Montanha, priorado fundado por Irlandeses. Outros irlandeses tinham vindo para a América do Norte. Já nas primeiras conversas, por um talismã que Ingênuo trazia, se descobrem parentes. Estes parentes lhe dão boa acolhida e Ingênuo logo se encanta pela bela jovem, St. Yves. Imediatamente quer com ela se casar, mas os costumes eram bem outros. St. Yves também tinha outros pretendentes. Seus parentes o fazem aceitar os costumes da terra e o primeiro passo para isso foi o seu batizado. Daí por diante será Hércules Ingênuo. Falaram-lhe dos feitos de Hércules, ocultando porém, que o herói transformara, numa única noite, cinquenta donzelas em mulheres. O fazem ler a Bíblia.

Como se destacara na guerra contra os ingleses, lhe recomendam apresentar-se ao rei. A caminho janta com os huguenotes, inimigos do rei e do papa. O rei e a sua corte são informados desse fato. Ingênuo já granjeara inimigos, especialmente por parte do bailio (uma espécie de xerife) que pretendia casar o seu filho com a bela St. Yves. Isso era motivo suficiente para delatar o pobre do Ingênuo. Ser huguenote equivalia a ser inimigo declarado do rei. Chegando à corte de Versalhes, imediatamente será trancafiado na Bastilha, condenado ao abandono perpétuo. Lá terá um encontro com Gordon, um sábio, condenado por ser jansenista. Ele tinha também alguns livros. Ele sofre grande transformação, que ele próprio constata: "Sinto-me tentado, a crer nas metamorfoses, pois fui transformado de bruto em homem".

Se ele estava completamente esquecido pelas autoridades, o mesmo não acontecia com a bela St. Yves. Ela, ao ver-se diante de um casamento forçado como o filho do bailio, e sabendo da prisão, vai a Paris. Mas lá os padres e as demais autoridades estão muito entretidos com diversões e ela não consegue audiências. Por fim é recebida por um padre jesuíta, que procura interceder por ela. Ela então é posta em contato com o poderoso sr. Pouange, que movido pela beleza da jovem, procura usar de seu poder em favor da jovem desde que, devidamente recompensado. Um padre a convence que deve ceder. Se o ato é vil, a finalidade é, no entanto, nobre e, assim a convence a ceder. Toda a argumentação estava bem fundamentada em Santo Agostinho.

Pouange não falha e Ingênuo e Gordon são libertados. Mas as dores do remorso e da culpa fazem com que St. Yves adoeça e tudo termine em tragédia. Pouange, que não era ruim de todo, pois não nascera mau, procura reparar o mal feito, concedendo benefícios aos dois, agora inseparáveis amigos. Sob o dístico de que o tempo tudo abranda, Ingênuo tornou-se bom guerreiro e intrépido filósofo. É... O tal do processo civilizatório.

O livro de contos da coleção dos Imortais da Literatura Universal tem notas introdutórias de Sérgio Milliet. Nas que antecedem ao O Ingênuo, lemos a seguinte nota: "O interesse deste romance, em que Voltaire volta, após o sarcasmo de Cândido, à fantasia menos cruel de seus primeiros contos, está em consistir ele numa exposição crítica da tese de J. J. Rousseau sobre o homem natural. O princípio é bem característico da filosofia do genebriano: o Ingênuo é honesto, franco, espanta-se com nossas ridículas convenções, mas a conclusão se revela contrária à ideia da volta à natureza".

O conto é relativamente curto. Umas sessenta páginas e vinte capítulos. O uso de personagens indígenas estava muito em voga entre os romancistas europeus da época. Deixo também a resenha de Cândido. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/03/candido-ou-o-otimismo-voltaire-1759.html

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