segunda-feira, 24 de março de 2025

CÂNDIDO OU O OTIMISMO. Voltaire. 1759.

Impressionante! Grande Voltaire! Retomando os livros da coleção Os Imortais da Literatura Universal, tomei em mãos o livro de número 40 - Contos, de Voltaire. O livro tem em seu total 672 páginas e contém seus principais contos. Voltaire usou os chamados contos filosóficos para debater e expor os seus posicionamentos e contestar os seus adversários. A ironia será sempre a sua principal arma. E que ironia! Comecei a minha leitura pelo seu conto mais famoso: Cândido ou o otimismo - Traduzido do alemão do senhor doutor Ralph. Com os aditamentos encontrados no bolso do doutor, por ocasião da sua morte em Minden, no ano da graça de 1759. Eis o título completo do conto.

Contos. Voltaire. 1972. Tradução: Mário Quintana. Páginas: 149-238.

Vamos a algumas contextualizações. Creio, que, antes de ler Voltaire, necessariamente precisamos conhecer alguns dados biográficos seus e ver com quem ele estabelecia os diálogos e quais eram as suas concepções de mundo. Para o caso específico de Cândido, é fundamental saber sobre o panorama da filosofia na Europa, neste período da segunda metade do século XVIII. Os filósofos em evidência são os alemães Leibniz (1646-1716) e Wolff (1679-1754). Eles professavam que vivemos no melhor possível dos mundos. Não precisamos entrar em detalhes, uma vez que no conto tudo isso estará bem explicitado.

O primeiro fato que é necessário ter em conta para interpretar Cândido é o de que Pangloss, um dos personagens fundamentais, é Leibniz. Será ele o preceptor de Cândido. Será ele que infundirá no seu jovem discípulo um otimismo insofismável. O conto começa na Alemanha, na Vestfália, onde encontraremos os primeiros personagens: Pangloss, Cândido, Cunegundes e o barão, seu pai. As desventuras que ali ocorrem, os levam a percorrer o mundo. Assim o conhecerão, não por imaginação ou descrição, mas por experiência. Lembrando ainda, que Cândido alimenta uma paixão doentia pela bela jovem Cunegundes. Casar com ela e ser feliz é o grande sonho de sua vida. Será a felicidade no melhor dos mundos.

O conto é cheio de viagens, de conflitos e de guerras, de mortes e ressurreições, de fugas e de encontros com sábios e com o povo. Esses contatos os põem em contato com a realidade do mundo. Conhecem a Europa e conhecem a América. Os personagens principais se desencontram e outros entram em cena. Experiências fantásticas são vividas e a questão que os acompanha está onipresente: Que mundo é este? Assim como também a visão de felicidade de Cândido, em ver o seu amor por Cunegundes ser correspondido, embora todas as suas submissões que afetaram a sua dignidade.

A passagem pela América merece um destaque maior. Depois de passarem por Buenos Aires, onde Cunegundes permanecerá presa, e pelo império dos jesuítas no Paraguai, Cândido e o seu amigo Cacambo chegam ao Eldorado. Este sim, é o reino onde, sob a concordância de todos, não há males. Apenas Cândido permanecerá infeliz por causa da ausência de sua grande paixão. Dois destaques nesta visita ao Eldorado: as grandes riquezas e a discussão com um sábio sobre a religião. A Deus nada pedimos. Apenas agradecemos, lhes confidencia o sábio. São agraciados com presentes que tornam sua riqueza inesgotável. Outra passagem notável ocorre no Surinam, onde Cândido encontra o sábio Martinho  e a visão que tem da escravidão na lavoura canavieira. "É o preço do açúcar na Europa". Um encontro direto com o Mal. Pangross, não está presente nessa discussão. Ele fora vítima da inquisição.

Cândido fica sabendo que Cunegundes está em Veneza e ele então empreende todos os esforços para ir à cidade. Acompanhado de Martinho, contratam viagem. São logrados por todos, mas como vimos, agora são portadores de fortuna que não acaba. Passam pela França, pela Inglaterra e chegam a Veneza, onde tem uma passagem fantástica, a visita que fazem ao Sr. Pococurante. Cunegundes ainda não chegara. Nos países visitados só horrores e males e a conclusão de que a única terra sem males é mesmo  Eldorado.

Em Veneza sabem que Cunegundes está em Constantinopla, trabalhando como escrava, velha e feia. Será para lá que se dirigirão. E, já na parte final do conto, os personagens se reencontram. Cândido perde o seu encanto por Cunegundes, mas diante do não consentimento do barão, o pai da noiva, no casamento, ele desafia a ordem.  Pangloss dá seu consentimento, Martinho quer lançar o barão ao mar e Cacambo quer fazer voltá-lo às galés. 

O trigésimo e último capítulo do conto é dedicado a conclusões. Vejamos os diálogos finais: "Também sei - disse Cândido - que é preciso cultivar nosso jardim (antes um sábio turco lhe falara sobre o trabalho que evita os males do tédio, do vício e da necessidade).

- Tens razão - disse Pangloss -, pois, quando o homem foi posto no jardim do Éden, ali foi posto ut operaretur eum, para que trabalhasse; o que prova que o homem não nasceu para o repouso.

- Trabalhemos sem filosofar - disse Martinho; - é a única maneira de tornar a vida suportável.

Todo o grupo se compenetrou desse louvável desígnio. A pequena propriedade rendeu bastante. Cunegundes estava, na verdade, muito feia, mas tornou-se uma excelente doceira. Paquette bordava. A velha costurava. Nem mesmo o irmão Giroflée se furtou ao trabalho; revelou-se um bom marceneiro; e até se tornou honesto (o happy end de Pangloss).

- Todos os acontecimentos - dizia às vezes Pangloss a Cândido - estão devidamente encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, afinal, se não tivesse sido expulso de um lindo castelo, a pontapés no traseiro, por amor da Srta. Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não tivesses percorrido a América a pé, se não tivesses mergulhado a espada no barão, se não tivesses perdido todos os teus carneiros da boa terra de Eldorado, não estarias aqui agora comendo doce de cidra e pistache.

- Tudo isso está muito bem - respondeu Cândido - mas devemos cultivar nosso jardim".

Mas antes, diante de suas próprias desgraças, Panglos já havia afirmado para Cândido: " - Mantenho a minha primitiva opinião - respondeu Pangloss -, pois, afinal, sou filósofo; não me convém desdizer-me, visto que Leibniz não pode incorrer em erro, e a harmonia preestabelecida é a mais bela coisa do mundo, bem como o todo e a matéria sutil". Questões de filosofia.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.