terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Italianos no Brasil. Franco Cenni. Dificuldades.

Muitas vezes temos uma visão muito romantizada em torno das imigrações que se fizeram no Brasil. Neste momento estou lendo sobre a imigração italiana, que a partir de 1875 se tornou massiva, inicialmente no Rio Grande do Sul e um pouco depois em São Paulo. Nos demais estados ela atingiu menor escala. Estou lendo Italianos no Brasil, de Franco Cenni, livro que teve a sua primeira edição em 1960. A que tenho em mãos é de 2003, da Edusp. Escolhi duas passagens para mostrar as dificuldades pelas quais eles passaram, ambas do Rio Grande do Sul. Vejamos a primeira, de 1925 e tirada de um discurso do eterno governador deste Estado, proferido na inauguração da Exposição Colonial Italiana de Porto Alegre, realizada naquele ano.
O belo livro Italianos no Brasil, de Franco Cenni. Edição EDUSP de 2003.

"Na partilha do solo riograndense, foi a colonização italiana a menos afortunada, porque encontrou já ocupadas as melhores terras de cultura. Reservou-lhe o destino a posse da região aspérrima das altitudes, ao norte do Estado e das colônias alemãs, onde uma natureza montuosa e selvática profundamente rochosa, cortada de vales apertados e de correntes impetuosas, habitada de silvícolas nômades, devia ser o majestoso cenário da raça forte dos nossos povoadores.

Distanciados dos centros urbanos e sem vias de comunicação francas e diretas, quase insulados no sertão bravio, tais foram os largos anos que atravessaram eles em luta pertinaz com a 'selva selvagem', desbravando a ferro e fogo a floresta, abrindo picadas, afugentando o gentio, perseguindo as feras. Durante esse penoso período, a produção era quase limitada às necessidades da subsistência, o comércio rudimentar e difícil, os transportes precários e morosos. Viviam as colônias esquecidas e desprotegidas dos governos da época"!
Borges de Medeiros, o governador do Rio Grande do Sul falando das dificuldades encontradas pelos imigrantes italianos.

A outra narrativa é mais dramática. Ela é relatada pelo jornalista Arquimedes Fortini, que recolheu o depoimento de um velho colono a um sacerdote. Isto ocorreu em 1950, por ocasião da comemoração dos 75 anos da imigração.

"De dia, trabalhávamos com muito medo de ser atacados pelos bugres quando procurávamos derrubar algum pedaço de mato para tirar lenha para o nosso consumo ou para armar algum galpão ou construir alguma cerca. À noite, alguns dos colonos eram destacados a montar guarda, a fim de dar alarma num caso de agressão. Porém, os bugres nunca nos molestaram e também nunca os vimos.
Uma típica casa de colonos italianos em Antônio Prado, a mais italiana das cidades brasileiras.

Ah!, se não fossem os pinhões não sei como teríamos sobrevivido, porque somente em princípios de 1877 começaram as primeiras colheitas de produtos essenciais à nossa alimentação. Quando, porém, veio a bendita safra, constatamos que ela era disputada por muitos pretendentes, entre os quais macacos, papagaios e outros animais e aves que em grande número investiam contra as plantações. Se nos prejudicavam, justiça devemos confessar que muitos deles, apanhados e mortos, mais de uma vez encheram nossas panelas, proporcionando-nos um caldo e uma carne mais do que saborosa. Quanto aos porcos, não nos contentávamos em afastá-los por meio de tiros de espingardas, disparadas ao cair da noite nos lugares das plantações onde desejávamos apanhá-los. Outro estratagema era o abrir buracos, cobertos de folhagem e, quando por ali passavam, neles caíam, havendo assim muita facilidade em apanhá-los; depois de mortos eram transportados para nossas casas. Uma outra praga era dos ratões, em quantidade incrível, roendo caixões, sapatos, trazendo, à noite, verdadeiro sobressalto aos que estavam dormindo. No Campo dos Bugres, a diretoria da Colonização auxiliou-nos numa empresa para sua exterminação, pagando quinhentos réis a quarta (oito quilos). Porém, depois de dois meses de trabalho, encontramos suas tocas, no meio de bambus e, com o emprego de venenos, terminamos com a terrível praga.
A tradição italiana no Campo dos Bugres, atual Caxias do Sul. Já houve tempos mais difíceis.

Sr. reverendo! faça ideia do trabalho tido para buscar qualquer artigo de primeira necessidade! Precisávamos caminhar um dia inteiro, enlamear-nos até os olhos para vencer uma distância que agora se faz comodamente em pouco tempo. Mais de um pobre colono precisou caminhar meio dia, com um saco de milho no ombro, para conduzi-lo ao local onde haveria um simulacro de moinho". Págs. 149-50. O Campo dos Bugres acima referido é a atual cidade de Caxias do Sul.


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