terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Seara Vermelha. Jorge Amado.

Cai, orvalho do sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz..

Versos de Castro Alves, que formam uma das epígrafes do livro de Jorge Amado, A Seara vermelha. Esta epígrafe combina com o último parágrafo do livro, em que se lê: "E pela madrugada, quando as sombras ainda envolviam os campos úmidos de orvalho, e no ar se elevava aquele cheiro poderoso de terra, Nenem partiu para a caatinga pelo mesmo caminho seguido um dia por Jerônimo e sua família. Os brotos de dor e de revolta cresciam naquela seara vermelha de sangue e fome, era chegado o tempo da colheita".
Um dos mais vibrantes livros a abordarem o tema do retirante nordestino, junto com Vidas Secas e O Quinze.

Seara Vermelha foi escrito em 1946, em pleno mandato de Jorge Amado como deputado constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro. O tempo de colheita se refere ao tempo que virá, o tempo em que a revolução comunista, já vitoriosa, extinguiria do sertão ou da seara vermelha de sangue e fome, a sua dor, causada neste mundo, por um universo de injustiças. Nenem caminha pelo sertão, cheio de esperanças, organizando as células do Partido Comunista, assim como Jerônimo e a sua família um dia caminharam no rumo da esperança, representada por São Paulo.

Este romance de Jorge é impressionante. Retrata a dura vida do sertão e das andanças sem fim do sertanejo em busca de uma melhor condição de vida, que nunca chega. Por isso o caminho é de ida e de volta. É sertanejo que busca São Paulo e é sertanejo que busca de volta a sua vida sofrida do sertão. Jerônimo e a sua família é a descrição das milhares de famílias sofridas que andam em permanente peregrinação. As grandes dores são representadas pelo deserto de espinhos da caatinga, pelo sol inclemente a castigá-los, as doenças causadas pela fome, a capacidade infinita da maldade humana, representada pelo coronel e as instituições por ele criadas, como o latifúndio, as leis e a polícia.
Bela capa da primeira edição de Seara Vermelha, lançado em 1946 pela Livraria Martins Editora.

Como analgésicos para esta dor, as únicas vozes e as únicas ações que se levantam contra esta ordem são: a voz dos beatos e a ação dos cangaceiros, os justiceiros e vingadores do sertão. Em Seara vermelha, o beato toma a forma do beato Estêvão, coadjuvado por Zefa, a lesa da família de Jerônimo. Sua voz junta multidões, anunciado a ira de Deus e o fim do mundo e pedindo penitências aos sertanejos, já que para os coronéis não havia salvação. Eram as injustiças por eles praticadas, abençoadas pelos padres e salvaguardadas pela lei, que provocavam a ira de Deus. Era a ação do cangaço que impunha um pouco de medo e assim impunha um pouco de limites aos inumanos coronéis. O cangaço não é representado por Lampião. Este fora de outra época. Agora é o destemido Lucas Arvoredo, que tem em  Zé Trevoada o seu valente escudeiro. Zé Trevoada é José, um dos filhos de Jerônimo.

A família de Jerônimo sai do sertão, após a venda da fazenda de seu Aureliano, que tinha Artur como capataz, que recebeu ordens para despachar todos os colonos. Jerônimo e Jucundina, mais a sua família começam as andanças pela caatinga, junto com a família de João Pedro, seu irmão. Acompanham ainda o jumento e marisca, a gatinha que Noca carregava no braço. Quando o grupo já estava reduzido, os mais fracos ficavam no caminho, até a marisca foi sacrificada, para matar a fome de mais um dia de andança. Já bem reduzido, o grupo chega a Juazeiro, na Bahia. As esperanças se renovam. A caatinga ficara para trás. Agora é só no navio. O destino é Pirapora. Lá seguiriam de trem, no trem da imigração. Este não precisavam nem pagar.

Em Pirapora precisam de um visto de saúde, dado pelo médico da imigração. Com ele, não haveria mais obstáculos para chegarem ao paraíso de São Paulo. Mas Jerônimo adoecera. O visto não lhe é negado. Entra em cena Marta, a filha de Jerônimo e Jucundina. As agruras do sertão não conseguiram roubar-lhe toda a beleza, logo percebida pelo médico. A chantagem acontece. Os vistos de saúde são liberados e os poucos que sobram seguem para São Paulo. Fica Marta, amaldiçoada por Jerônimo, e feito mulher dama. A desgraça ia se completando.
Cartaz do filme Seara Vermelha, lançado em 1964, baseado na obra de Jorge Amado.

O romance novamente se volta para o sertão. O beato Estevão recebe toda a atenção. A polícia recebe ordem para acabar com ele e seus seguidores. A voz do beato chicoteava a consciência dos coronéis. Não suportavam mais ouvi-la. Entre os policiais está Jão, o João, outro filho de Jerônimo. Jão não vê razão para cercar e matar o beato Estevão, mas polícia não precisa entender, tem que cumprir as ordens. O beato recebeu a ajuda de Lucas Arvoredo, que já contava em seu bando com José, o temível Zé Trevoada, o outro filho de Jerônimo. Os irmãos iriam se enfrentar em plena caatinga.

O romance se volta agora para Natal. Ali se encontra o cabo Juvêncio, o Nenen de Jerônimo e Jucundina. Era cabo do exército e soldado do Partido Comunista. Foi um dos líderes da Aliança Nacional Libertadora. Quase se tornou mártir da causa. Foi parar em Ilha Grande, de prisão em prisão. Era estimado por todos. Recebeu a visita de Jucundina e do sobrinho Tonho. Trocam-se as notícias e reanimam-se as esperanças. Só não tem notícias de Marta.

Juvêncio volta para o sertão, para acabar com os beatos e os cangaceiros e isto só aconteceria quando o Partido Comunista já estivesse no poder e a terra passasse a pertencer àqueles que nela trabalhavam. Um belo sonho, que a todos dava alento.

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