quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Seara Vermelha. A voz dos beatos e a voz dos padres.

A história é movida pelas contradições. As contradições promovem uma luta interna na totalidade de uma realidade, na busca da superação. Jorge Amado, em seu romance Seara Vermelha confronta o sermão dos padres com a voz dos beatos, bem como as suas práticas. Na superação, ambas as vozes não teriam mais ouvintes quando a terra passasse a pertencer àqueles que nela trabalhassem, quando todos viveriam num mundo onde a justiça social imperasse. Na crença de Jorge, no ano de 1946 - ano em que escreveu o romance, isto se daria com a vitória das revoluções comunistas, mundo afora.
A contradição entre os sermões dos padres e os sermões dos beatos. Um tema trabalhado por Jorge Amado, em Seara vermelha. 

Vejam a diferença dos sermões dos padres e a pregação dos beatos, no caso, do beato Estêvão. Vejam também a diferença da recepção por parte dos sertanejos:

"Chamava-se Estêvão mas todos o tratavam de beato Estêvão., os peregrinos usavam a voz carinhosa de 'meu pai'. Curvavam a cabeça para receber sua bênção quando ele passava, a mão levantada, as palavras quase inaudíveis. Sua bênção era milagrosa, curava doenças, cicatrizava feridas, evitava pragas nas plantações, moléstias nos animais, expulsava os maus espíritos e fechava o corpo dos homens às mordidas das cobras venenosas e às balas assassinas.
Os beatos e a voz da esperança. Uma presença constante em meio a miséria brasileira.

Como duvidar do seu poder sobrenatural, da sua santidade, se as cobras, as mais temidas - a cascavel, o jararacuçu-cabeça-de-platona, a jararaca - saíam do caminho ao seu passo e o acompanhavam na estrada e se deixavam pegar por ele e compreendiam a língua embrulhada que ele falava? Como duvidar, se ele falava da fome dos homens, de todas as desgraças que se sucediam, se ele dizia que nenhum coronel, nenhum dos grandes fazendeiros se salvaria da ira de Deus, do castigo iminente?

Nenhuma palavra podia contra ele, nem mesmo a palava dos padres que se levantavam para condenar o beato. Os sertanejos sabiam que os padres não batizavam nem casavam de graça, viviam pelas fazendas mas hospedados nas casas-grandes, comendo fartamente na mesa dos coronéis, e seus sermões nada adiantavam sobre as terras tomadas, sobre os salários que não davam nem para pagar o armazém. Nos sermões dos padres, cheios de fogo do inferno, eles imprecavam era contra os amigados, os que tinham filhos por batizar, os que se punham nos animais por não ter mulher com quem dormir. O beato falava outra língua. nenhuma palavra contra as raparigas, contra os homens que tinham mulher sem receber a bênção do vigário, contra os que usavam éguas e jumentos. Clamava, em compensação, contra os pecados dos ricos, falava de como eles estavam matando os pobres de fome, e a eles, à sua usura e cobiça, atribuía a cólera de Deus que resolvera terminar com o mundo. Nunca parou para descansar numa casa-grande e as poucas vezes que se encontrou com algum coronel foi para lançar-lhe em rosto as mais violentas imprecações, para convidá-lo a entregar aos colonos espoliados as terras tomadas, para pagar o roubado nas contas do armazém aos seus trabalhadores. E mais de um fugira de sua presença, impressionado com a figura do velho se alteando no bordão, as barbas flutuando ao vento, aves canoras no seu ombro, cobras venenosas no seu rastro".

Junto com os beatos, os cangaceiros. Vozes em defesa do povo oprimido, produzidas pelo coronel e pelo latifúndio.

Cada um que tire suas conclusões mas, verdadeiros São Franciscos andaram pelas caatingas e por todos os sertões deste Brasil, coberto de injustiças.

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