sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Tolstói - A Biografia. Rosamund Bartlett.

No ano de 1968, nas disciplinas pedagógicas da minha licenciatura em filosofia, eu tive que fazer um trabalho sobre as ideias pedagógicas de Liev Nikoláievitch Tolstói (1828- 1910). Lembro que me deu bastante trabalho. Encontrei o material necessário na Biblioteca Pública de Porto Alegre. Encontrei literatura para a realização do trabalho apenas em francês, mas isto não era problema. Relembrando isso, me parece que desaprendi muita coisa ao longo da minha vida. Guardo este trabalho, em meus arquivos, até hoje. Num outro momento, querendo saber dos grandes romances que envolvem as mulheres, li Anna Karênina possivelmente o seu melhor romance.
Tolstói, a Biografia - Rosamund Bartlett (8525054852)
Capa do livro de Rosamund Bartlett, Tolstói. A biografia.

Agora, recebendo e-mail da Travessa, vejo o livro Tolstói - A Biografia, de Rosamund Bartlett em oferta, com 50% de desconto e frete grátis. Como adoro biografias, não tive dúvidas. Comprei e ainda o tirei da fila de espera de minhas leituras, passando-o para o primeiro lugar. Li as suas mais de 600 páginas de um fôlego só. Como sempre, aprendi muito. Contextualizei toda a história russa da segunda metade do século XIX e a primeira década do XX e ainda fiz uma maravilhosa e inédita incursão no mundo da igreja ortodoxa e as suas relações com o poder russo, nos tempos dos tzares. É difícil imaginar uma personalidade mais complexa do que a de Tolstói. Quero contar alguma coisa do que eu li, mas me encontro em dificuldades. Vou começar com uma exortação sua, que talvez represente uma síntese de seu pensamento, mais ou menos definitivo.

Uma das imagens características de Tolstói. Seria o monge de Iasnaia Poliana?

"Vocês sabem que aquilo que vocês pregam sobre a criação do mundo, sobre a inspiração divina da Bíblia e sobre tantas outras coisas não é verdade. Como é que então têm a coragem de pregar esses ensinamentos às criancinhas e aos adultos ignorantes que procuram vocês em busca de esclarecimento? [...] Sejam vocês quem forem - papas, cardeais, bispos, arcebispos, superintendentes, sacerdotes ou pastores - pensem nisso. Se vocês pertencem ao clero (que em nossos dias é infelizmente numeroso, e cujas fileiras não cessam de engrossar), que sabem claramente o quanto os ensinamentos da Igreja são obsoletos, irracionais e imorais, mas que, mesmo sem de fato acreditar neles, continuam a pregá-los por motivos pessoais (seu salário de sacerdotes e bispos), não se consolem com a suposição de que suas atividades se justificam por qualquer tipo de utilidade para as massas, que ainda não compreendem o que vocês compreendem" (488).

Por outro lado, vou mostrar o pensamento de uma seguidora sua, que em seu diário, assim descreve o que significa ser uma seguidora do pensamento de Tolstói, 50 anos após a sua morte e com toda a oficialização de seu pensamento pelo regime do chamado socialismo real soviético. É uma professora que assim escreve:

"Hoje se completam cinquenta anos da morte de L. N. Tolstói, meu querido pai e professor para a vida. Ele ajudou-me a purificar os ensinamentos de Jesus Cristo das superstições que lhes foram sendo acrescentadas ao longo dos séculos. Ele ajudou-me a encontrar amigos queridos, uma família espiritual que, se não tem laços de sangue, é melhor, mais forte e mais genuína. Graças a Tolstói, eu me mudei da cidade para o campo, para viver em meio aos que lavram a terra, e ao mesmo tempo comecei a praticar o trabalho braçal na horta e no jardim, o que aprendi a amar. Tolstói ajudou-me a encontrar a verdadeira bondade na vida. Ele mostrou-me as falhas e defeitos que dividem as pessoas, e por vezes chegam até mesmo a destruir a vida humana. O grande e ainda subestimado Tolstói!" (551)

O livro Ana Karênina, de Leão Tolstói. Da coleção Os Imortais da Literatura Universal, nº 20. 749 páginas de letrinhas. Da Abril Cultural. Publicação de 1971.

Entender Tolstói não é uma tarefa fácil. A pergunta a se fazer seria certamente esta, qual Tolstói? O Tolstói de que fase? Conta-se que cada fase de sua vida durava sete anos. A cada sete anos ele se reformulava e refazia todo o seu modo de pensar. Em sua vida, encontramos também, profundos poços de contradições. Por nascimento pertenceu a alta nobreza russa, proprietária de terras. Conviveu com o latifúndio sem sentir, no início de sua vida, a grave situação social de seu país. Quase dispersou toda a fortuna que herdara no vício do jogo. Sem explicações e, assim de repente, parou de jogar. Casou-se e impôs duras regras a Sônia, sua esposa. Creio que foram felizes e infelizes. ter filhos era tanto uma obsessão sua, quanto uma imposição. Era absolutamente contra a contracepção. Era filho todo ano.

Não vou falar do romancista. Seus romances Guerra e Paz e Anna Karênina, são inquestionáveis e figuram em todas as listas como entre os melhores do mundo. Intercalava a sua vida de escritor com as diferentes obsessões em sua vida. Assim largou a literatura para se dedicar à educação. Estudou os sistemas educacionais e métodos pedagógicos em voga e passou a criar o próprio método, que aplicou em suas escolas. As ideias libertárias foram amadurecendo e são a grande marca de seu pensamento educacional. O seu ideal libertador vai amadurecendo contra as outras formas de dominação que oprimiam o povo russo. Foi tomando para si a dor dos camponeses. Lutou para libertar o povo da dominação religiosa. A igreja ortodoxa russa, aliada fiel do tzarismo tornou-se o próximo alvo de suas lutas. Podemos dizer que já era um anarquista, um livre pensador ou um pensador libertário. Evidentemente que entrou em conflito com todo mundo. Com a esposa, com os filhos e com o regime. Na mesma medida ganha discípulos. É um precursor das doutrinas pacifistas e da não violência do século XX.

Guerra e Paz, edição da LPM - Pocket, em três volumes.

Terminou fugindo de casa, numa aventura de final trágico. Morreu aos 82 anos de idade, em 1910, com o regime tzarista já em plena decadência. Para isso ele muito contribuíra. Rosamund Bartlett compara Tolstói com Roussou, de quem herdou muitas influências. Melhor, Bartlett estabelece a relação de que assim como Rousseau esteve para a Revolução Francesa, Tolstói esteve para as Revoluções Russas de 1917. Os Bolcheviques tentaram se apropriar de sua doutrina. Lênin foi o mais compreensivo, embora visse em seu pensamento todo o idealismo, bem como, condenava o seu pacifismo. O socialismo real conviveu com o Tolstói dos romances, mas expurgaram todo o seu pensamento educacional e especialmente o religioso e, por falar em religião, uma última notinha interessante, Tolstói foi excomungado pela igreja ortodoxa em 1901.

Biografia das mais ricas sobre um personagem tão complexo. Vale muito a sua leitura para conhecer o grande escritor, o grande formador de opinião e de uma grande legião de seguidores pelo mundo inteiro. Se tivesse que defini-lo, em seu pensamento, ao final de sua vida, com uma única palavra, prontamente eu responderia: foi um anarquista.




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