segunda-feira, 4 de julho de 2016

Mayombe. Pepetela. Vestibular da USP.

Chego ao livro Mayombe, de Pepetela através da indicação de livros incluídos na relação do vestibular da FUVEST. Pepetela é o nome literário de Artur Carlos Maurício dos Santos, um escritor angolano, nascido em 1941. É literatura africana de língua portuguesa em nossos vestibulares. E Angola é o grande tema deste seu livro.
O belo livro de Pepetela. No vestibular para a USP.

Mayombe é uma região montanhosa coberta de densa floresta, na qual os guerrilheiros do MPLA estabeleceram as suas bases no processo de luta pela independência do país. Um pouco de história ajuda na melhor compreensão do livro. A independência de Angola se deu em 1975, após a Revolução dos Cravos, que restabeleceu a democracia em Portugal, no famoso 25 de abril de 1974. Três movimentos guerrilheiros foram responsáveis pelo heroico feito de ruptura da dependência portuguesa. O MPLA, a UNITA e a FNLA. Isso só poderia dar em uma longa guerra civil, após a realização da independência. O MPLA teve  papel preponderante no processo. 

O livro é datado de 1980 mas no registro de memórias existem fatos ocorridos em 1961, ano de fundação do MPLA. O livro tem a seguinte dedicatória: "Aos guerrilheiros do Mayombe, que ousaram desafiar os deuses abrindo um caminho na floresta obscura, Vou contar a história de Ogun, o Prometeu africano". O livro é dividido em cinco capítulos, a saber: I. A Missão; II. A Base; III. Ondina; IV. A Surucucu e V. A Amoreira.

Em A Missão, a necessária guerra contra o colonialismo é o tema e a guerrilha é o meio. Vejamos um escrito de Sem Medo, o comandante e o personagem principal do Livro: "Sacanas colonialistas, vão à merda, vão para a vossa terra. Enquanto estão aqui, na terra dos outros, o patrão está a comer a vossa mulher ou irmã, cá nas berças"! No capítulo sobre a Base está descrita a organização guerrilheira e os seus problemas. Possivelmente a parte fundamental do livro. Veremos depois, a questão tribal.

No capítulo sobre Ondina continuam os problemas da guerrilha. Ondina chama para as questões da sexualidade e da afetividade em meio a guerrilha. Mas afloram também as questões de disciplina, da individualidade e do coletivo e as próprias dúvidas com relação aos objetivos do movimento. A Sururucu do quarto capítulo é relativa a um alarme falso que provocou uma operação da guerrilha. O capítulo sobre a Amoreira é um dos mais bonitos, já no encaminhamento do livro para a sua parte final. Transcrevo um trecho sobre o envolvimento da amoreira com a floresta, que deixo para a interpretação do leitor. É uma metáfora. São reflexões do Comissário junto ao corpo de Sem Medo, o Comandante:

"A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos o tronco  para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal é o homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais  sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida".

Já na última página encontramos, na voz do Chefe das Operações uma bela frase conciliatória mas que não deixa de refletir os problemas: "Lutamos, que era cabinda, morreu para salvar um kimbundo. Sem Medo, que era kikongo, morreu para salvar um kimbundo. É uma grande lição para nós, camaradas". É a grave questão tribal que levou o país para uma longa guerra civil, amplamente fomentada pela divisão da bipolaridade dos tempos da guerra fria.

Por ocasião da independência, Pepetela, que era guerrilheiro do MPLA, ocupou o segundo cargo no Ministério da Educação do país. Foi professor universitário e hoje se dedica integralmente à literatura. Ganhou o Prêmio Nacional de Literatura de Angola, com Mayombe e o Prêmio Camões, o maior prêmio da literatura portuguesa.

O livro é um belo mergulho na subjetividade das pessoas. Seus ideais, seus sonhos, suas utopias.  E o choque dos sonhos coletivos com a afirmação e os desejos do individual. Um belo confronto entre os valores burgueses arraigados e os valores do chamado homem novo, uma tentativa de realização dos regimes socialistas.  É bom lembrar que estes sonhos socialistas já não tinham a mesma força de antes, ao final da segunda guerra mundial. O 1956  e o XXº Congresso do PCUS já tinha acontecido.




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