sábado, 9 de julho de 2016

Pelados X Peludos. O Massacre dos Xucros. Renato Mocellin.

Neste ano de 2016 transcorre o centenário do final das lutas nas terras contestadas entre os estados do Paraná e de Santa Catarina, conhecida como Guerra do Contestado. As terras contestadas, na verdade, esconderam causas muito maiores de sua ocorrência, entre os anos 1912 e 1916, do que uma disputa entre estados. Praticamente se repetiu no sul do Brasil o fenômeno ocorrido na Bahia, na Guerra de Canudos, alguns anos antes, (1896-1897). As causas foram muito semelhantes.
O maravilhoso livro do professor Renato Mocellin. Pelados X Peludos.

Num reencontro com o amigo e professor Renato Mocellin, recebi dele, com um belo autógrafo, o seu livro Pelados X Peludos - O massacre dos Xucros, em que, em quinze capítulos, narra a infelicidade destas pobres gentes, diante da insensibilidade e desfaçatez de suas elites. O massacre foi completo e com requintes de muita crueldade.

Os quinze capítulos tem os seguintes títulos: I. José Maria Redivivo. Nele nos é apresentado o monge, os estados e as pessoas envolvidas e o começo do conflito em Irani (SC). II. Santos do povo. Nele nos é mostrada a religiosidade popular e a presença da figura carismática dos monges e o ambiente propício às insurreições populares, devido às extremas condições de miséria. Já é citada a construção da estrada de ferro que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul.

III. A República dos Peludos. Nele é apresentado o espírito republicano instaurado no Brasil através de um golpe e com o espírito do positivismo. Bela república! A exclusão social era uma de suas marcas. Examina ainda a Lei de Terras de 1850 e os problemas gerados pela autonomia dos estados na concessão das terras. IV. Uma sociedade em crise. É mostrado o caráter conservador da modernização econômica, a atuação da Lumber e a desconstrução de uma sociedade de estruturas simples. Passa também pelo exame das populações nativas. V. O Trem de ferro. É mostrada a atuação da empresa americana Percival Farquhar, da Brasil Raylway Company, da Lumber (Três Barras - SC), suas serrarias e o desmatamento de pinheiros e imbuias, além do conflito de terras.

VI. "Tudo é para a gente da Oropa".Tudo para a Lumber. Os Camargo no Paraná e os Ramos em Santa Catarina desenraízam os nativos em favor dos interesses estrangeiros. Um horror contra as nossas gentes é mostrado neste capítulo. VII. A Guerra de São Sebastião. É mostrada a organização dos sertanejos, as adesões recebidas, bem como os cenários da guerra: Taquaruçu, Caraguatá... Ainda é mostrada a questão do significado de serem monarquistas. VIII. A ofensiva sertaneja. Metade da área contestada fica em poder dos sertanejos. Seus principais redutos eram: Canoinhas, Curitibanos, Itaiópolis, Caçador, Calmon. O controvertido comandante Adeodato também nos é apresentado.

Um mapa da área conflitada. Terras em disputa.


IX. O "socialismo caboclo". Neste capítulo é mostrado que a organização do movimento se inspirou no cristianismo primitivo, em seus valores de solidariedade. O movimento chegou a ter sob seu poder 28.000 Km² e mais de vinte mil pessoas envolvidas. Houve também a incorporação de experiências revolucionárias anteriores. X. A grande ofensiva dos peludos. Setembrino de Carvalho vem com um exército de sete mil homens, equivalente a um terço das forças do exército brasileiro. A ele somavam-se as forças das polícias dos estados de Santa Catarina e do Paraná e mais os jagunços profissionais. Todos unidos contra os pelados. XI. O cerco final. Os grandes redutos caem em série, como Canoinhas, Papanduvas, Santa Maria, Caçador... O exército encerra as operações, confiando-as às polícias estaduais.

XII. A Derrota dos pelados. Um novo núcleo se forma em São Miguel. Problemas internos, esgotamento de crenças e fome minam a resistência. Adeodato impõe uma ditadura. Depois da derrota de Pedra Branca, em fins de 2015, o comandante libera seus fiéis que quisessem fugir. Houve  forte repressão e muitas execuções contra os derrotados. XIII. A guerra historiográfica. Um capítulo maravilhoso de contestação à neutralidade e um posicionamento claro em favor dos pelados de ontem e de hoje. XIV. Um balanço da guerra insana. O balanço mostra o número de perdas, o destino dos políticos e dos sertanejos e a saída da Lumber do Brasil, após a devastação de nossos pinheiros e imbuias. Em troca recebemos o deserto verde de pinus dos dias atuais. (Não posso deixar de registrar os desejos de entreguismo de nossas elites onipresentes em nossas história. vejam José Serra e a entrega do Pré Sal). XV. Vozes dos protagonistas. É uma coletânea de depoimentos.

O livro tem ainda um belo álbum de fotografias, uma rica indicação de bibliografia e a indicação de 5 filmes que envolvem o tema. O livro é editado pela SITE e está disponível nas principais livrarias. A pesquisa e a escrita do livro, como fica muito claro no capítulo sobre a historiografia, foi temperada com muita paixão. O seu ardor em favor dos pelados também está evidente na dedicatória que eu recebi: "Ao amigo Pedro Eloi defensor dos "pelados" de ontem e de hoje. Com um forte abraço".

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