A editora Expressão Popular fez uma bela edição de uma série de crônicas de Lima Barreto. A maioria delas foi escrita entre os anos de 1918 e 1922. Elas são um perfeito retrato do que era o mundo, dominado em sua conjuntura internacional pelo fim da primeira grande guerra e da Revolução Russa de 1917. Já no Brasil cresciam as insatisfações com a vetusta República Velha e as manifestações do novo, em torno da formação de uma nação brasileira, mesmo com todos os seus problemas. Muitas dessas crônicas já faziam parte de uma seleção, feita pelo próprio Lima Barreto e publicadas no livro Bagatelas.
Já que o livro consta de uma seleção de crônicas, na sua apresentação existe uma bela conceituação sobre o que é uma crônica. Achei muito ilustrativa e por isso resolvi transcrevê-la. A autoria é de Zenir Campos Reis.
A coletânea de crônicas. Uma coletânea temática. A militância política.
A coletânea de crônicas. Uma coletânea temática. A militância política.
Crônica
Na acepção rigorosa do termo, "crônica" não pertence a um gênero literário. Desse modo, buscar enquadramento preciso entre os gêneros tradicionais parece improdutivo. Os escritos atualmente conhecidos como crônicas podem apresentar-se como narrativas curtas, como fragmentos dramáticos, dialogados, como comentários gerados a partir de um fato qualquer sugerido pelo noticiário do momento. Podem fingir uma carta, ou expressar-se de maneira subjetiva, lírica, vizinha do poema, em prosa ou verso.
Na advertência escrita para a coletânea Bagatelas, datada de 13 de agosto de 1918, Lima Barreto observa que o livro era "composto de artigos de várias naturezas e que podem merecer várias classificações, inclusive a de não classificáveis..."
"Crônica" é o apelido mais genérico para nomear o escrito em que o "tempo" (Chronos em grego) fornece a matéria bruta. Entre os termos afins encontramos os diários, anais, comentários, fastos, memórias, relações, anedotas, biografias. A sugestão consta do útil e esquecido Dicionário dos sinônimos da língua portuguesa (Lisboa: Aillaud e Bertrand, s.d., "Introdução" de janeiro de 1848).
Em "mãos dadas", Carlos Drummond de Andrade declara: "o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes. // a vida presente", sincronizado com o seu momento, conflituoso, tenso, exigente do empenho de cada cidadão responsável. O poeta se nutre da mesma matéria bruta do cronista, para elevá-la ao patamar da palavra artística.
O tempo, na definição de Alain (nome literário do filósofo e educador francês Émile Chartier (1868-1951), é a "forma universal da mudança". Enquanto se desenrola, só pode ser capturado de forma provisória. O cronista captura momentos, elabora, e a "crônica" tanto pode ser apreciada nessa forma limitada como pode constituir-se base ou matéria-prima para futuras sínteses, possibilitadas pela história de mais longa duração, que explicita o desdobramento até então apenas possível - um possível entre muitos.
O livro das Crônicas, no Antigo Testamento, título hebraico, chama-se, na tradução grega e na Vulgata, Paralipômenos, literalmente "(fatos) deixados de lado, omitidos", episódios desgarrados da história do povo judeu. Se essas narrativas foram "deixadas de lado" é porque lhes foi atribuída importância menor.
Quando, em 1951, desejou organizar as reflexões políticas de Alain, extraídas dos conjuntos dos seus "propos" (como Alain os denominava, isto é "palavras", "falas"), Michel Alexandre salientou: "uma política não é em nenhum grau uma crônica". As crônicas (ou os "propos") "visavam sobretudo os homens do dia ou [...] seguiam de perto acontecimentos esquecidos ou ultrapassados". Certamente continuavam valiosos para muitas modalidades de interesses, históricos, literários e outros. No entanto, para a organização de uma antologia temática, política, deveria ser descartado grande número delas.
A crônica expressa um ponto de vista sobre a matéria contingente e mobiliza conhecimento e vivência do observador-escritor. Os nexos que consegue perceber ou construir dependem fundamentalmente da amplitude dessa bagagem mobilizada na operação. O grau de comprometimento nessa modalidade de escrita se explica com nitidez, e isto contribui fortemente para explicitar posturas políticas e valores que, na ficção, onde as mediações exigem mais distanciamento, ficam apenas sugeridos.
E vamos às crônicas com o viés político militante de Lima Barreto. Astrojildo Pereira nos dá um interessante dado sobre a formação de Lima Barreto. "Desde jovem se fizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes". Uma espécie de lamento por não ter tido uma formação dentro do marxismo. Sob esta ótica, sob esta visão de mundo é que Lima Barreto analisava os fatos de seu tempo.
Quando, em 1951, desejou organizar as reflexões políticas de Alain, extraídas dos conjuntos dos seus "propos" (como Alain os denominava, isto é "palavras", "falas"), Michel Alexandre salientou: "uma política não é em nenhum grau uma crônica". As crônicas (ou os "propos") "visavam sobretudo os homens do dia ou [...] seguiam de perto acontecimentos esquecidos ou ultrapassados". Certamente continuavam valiosos para muitas modalidades de interesses, históricos, literários e outros. No entanto, para a organização de uma antologia temática, política, deveria ser descartado grande número delas.
A crônica expressa um ponto de vista sobre a matéria contingente e mobiliza conhecimento e vivência do observador-escritor. Os nexos que consegue perceber ou construir dependem fundamentalmente da amplitude dessa bagagem mobilizada na operação. O grau de comprometimento nessa modalidade de escrita se explica com nitidez, e isto contribui fortemente para explicitar posturas políticas e valores que, na ficção, onde as mediações exigem mais distanciamento, ficam apenas sugeridos.
E vamos às crônicas com o viés político militante de Lima Barreto. Astrojildo Pereira nos dá um interessante dado sobre a formação de Lima Barreto. "Desde jovem se fizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes". Uma espécie de lamento por não ter tido uma formação dentro do marxismo. Sob esta ótica, sob esta visão de mundo é que Lima Barreto analisava os fatos de seu tempo.
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