Abro este texto com uma citação famosa de Brecht, de que nada é natural, que tudo é cultural. Diz a frase: "Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência do singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar". Conclusão da história. O cultural é uma invenção humana. Se foi feito de um jeito, também o poderá ser de outro. O cultural e o histórico são invenções humanas.
Freud, em O futuro de uma ilusão, nos dá uma bela conceituação de cultura: "Como se sabe, a cultura humana - me refiro a tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima das condições animais e se distingue da vida dos bichos; e eu me recuso a separar cultura (Kultur) e civilização (Zivilization) - mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis". Quem quiser aprofundar a questão, indicaria a leitura de Marx e Engels - A Ideologia Alemã. Me permitam uma pitada de ironia. Para não provocar nenhuma confusão com aqueles promotores de São Paulo, confirmo que os autores são mesmo Marx e Engels e não Marx e Hegel. Marx e Hegel nada escreveram em conjunto. Marx aproveitou sim, conceitos hegelianos e os levou adiante em suas análises.
14 capítulos maravilhoso de filosofia.
14 capítulos maravilhoso de filosofia.
Mas é num manual de filosofia que encontramos uma explicação, cuja síntese seria a de que a cultura é a soma das relações que o ser humano estabelece com a natureza, com os outros e consigo mesmo. Esta explicitação está no livro de Antônio Joaquim Severino, Filosofia, logo no seu primeiro capítulo. Vejamos:
As três esferas da existência humana.
O quadro a seguir busca representar o que foi descrito e exposto neste capítulo. As esferas da existência humana e sua inter-relação. (O quadro se refere a um círculo, onde aparecem as três relações, ou práticas, que são as seguintes):
Prática produtiva: Pelo trabalho, os homens interferem na natureza com vistas a prover os meios de sua existência material, garantindo a produção de bens e a reprodução da espécie (a cultura em sua parte técnica, material).
Prática social: Ao produzir seus meios de subsistência, os homens estabelecem entre si relações que são funcionais e caracterizadas por um coeficiente de poder (a cultura em suas instituições).
Prática simbolizadora: As relações produtivas e sociais são simbolizadas em nível de representação e de apreciação valorativa, no plano subjetivo visando a significação e a legitimação da realidade social e econômica vivida pelos homens (a cultura em sua valoração, simbolização, representação e imaginário). Depois seguem as explicitações.
Com efeito, vimos que a existência humana, a partir do momento em que vai se tornando especificamente humana, ela se desenvolve em três dimensões. A dimensão básica é, sem dúvida, aquela da prática produtiva. É a esfera das relações de troca que o homem estabelece com a natureza, sem o que, obviamente, não poderia nem mesmo existir. O homem é uma parte da natureza, uma organização de elementos dessa natureza, e para sobreviver, física e biologicamente, precisa manter com ela um fluxo contínuo de trocas de elementos, sobretudo sob a forma de alimentação e de respiração. Para retirar da natureza esses elementos, o homem intervém sobre ela, agindo sobre seus processos, modificando-a, adaptando-a às suas necessidades. Essa atividade fundamental é o trabalho, prática produtiva através da qual provê os meios de sua subsistência.
Mas o desenvolvimento dessa atividade produtiva repercute sobre as relações dos homens entre si. A atividade produtiva representada pelo trabalho não pode se reduzir a uma prática puramente individual. É como se o homem/indivíduo isolado não conseguisse prover sua subsistência sozinho, ao contrário do que ocorre com os animais, que podem cuidar de sua sobrevivência mesmo individualmente isolados, contando com a habilidade instintiva para retirar da natureza os elementos para sua sobrevivência sem interferir no seu processo. Assim sendo, ao mesmo tempo que produzem seus bens naturais, os homens passam a se organizar de maneira sistemática, estruturada: eles instalam o modo social de viver, superando o modo puramente gregário de ajuntamento dos animais. A nova forma de agrupamento vai distribuir os indivíduos em grupos e subgrupos, dividindo e atribuindo as funções que cada um deve exercer em benefício do conjunto formado pelo grupo abrangente que é a sociedade como um todo. Os indivíduos e grupos não apenas são estruturados mas também hierarquizados, de tal forma que haverá tento uma divisão técnica das funções como uma divisão política do poder, no sentido de que alguns podem mais que outros.
Mas ocorre ainda a instauração de uma terceira dimensão, intrinsecamente vinculada às duas primeiras: acontece que ao mesmo tempo que produzem e se organizam socialmente, os homens desenvolvem, no plano de sua subjetividade, uma representação simbólica das condições de uma existência. Pela prática simbolizadora da consciência, eles criam conceitos e valores mediante os quais representam e avaliam essa realidade social e econômica.
Essas três dimensões se articulam entre si, de tal modo que o desenvolvimento de cada uma repercute sobre as outras duas, num fluxo e num contrafluxo permanentes. Assim, se o modo de produção, de um lado, repercute no mundo da formação social e se ambos repercutem sobre o modo da representação subjetiva dos homens, de outro, as suas representações mentais interferem na sua organização social e na sua atividade produtiva, como ainda teremos oportunidade de ver mais aprofundadamente no capítulo 12. Páginas 26-28.
Em 2017, um encontro com Antônio Joaquim Severino, na UFPR.
(O capítulo 12 tem o seguinte título: A atividade simbolizadora do homem: produção e organização da cultura. Também recomendaria, dentro da especificidade do tema, o capítulo 10. O homem, a natureza e o trabalho: a ordem econômica da sociedade e o 11. O homem na ordem política da sociedade: poder e dominação. Aliás, o livro de Severino é um dos melhores livros didáticos de filosofia de que dispomos. Deixo a referência: SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez Editora, 1997). Com certeza, existem edições mais novas.
Mas o desenvolvimento dessa atividade produtiva repercute sobre as relações dos homens entre si. A atividade produtiva representada pelo trabalho não pode se reduzir a uma prática puramente individual. É como se o homem/indivíduo isolado não conseguisse prover sua subsistência sozinho, ao contrário do que ocorre com os animais, que podem cuidar de sua sobrevivência mesmo individualmente isolados, contando com a habilidade instintiva para retirar da natureza os elementos para sua sobrevivência sem interferir no seu processo. Assim sendo, ao mesmo tempo que produzem seus bens naturais, os homens passam a se organizar de maneira sistemática, estruturada: eles instalam o modo social de viver, superando o modo puramente gregário de ajuntamento dos animais. A nova forma de agrupamento vai distribuir os indivíduos em grupos e subgrupos, dividindo e atribuindo as funções que cada um deve exercer em benefício do conjunto formado pelo grupo abrangente que é a sociedade como um todo. Os indivíduos e grupos não apenas são estruturados mas também hierarquizados, de tal forma que haverá tento uma divisão técnica das funções como uma divisão política do poder, no sentido de que alguns podem mais que outros.
Mas ocorre ainda a instauração de uma terceira dimensão, intrinsecamente vinculada às duas primeiras: acontece que ao mesmo tempo que produzem e se organizam socialmente, os homens desenvolvem, no plano de sua subjetividade, uma representação simbólica das condições de uma existência. Pela prática simbolizadora da consciência, eles criam conceitos e valores mediante os quais representam e avaliam essa realidade social e econômica.
Essas três dimensões se articulam entre si, de tal modo que o desenvolvimento de cada uma repercute sobre as outras duas, num fluxo e num contrafluxo permanentes. Assim, se o modo de produção, de um lado, repercute no mundo da formação social e se ambos repercutem sobre o modo da representação subjetiva dos homens, de outro, as suas representações mentais interferem na sua organização social e na sua atividade produtiva, como ainda teremos oportunidade de ver mais aprofundadamente no capítulo 12. Páginas 26-28.
Em 2017, um encontro com Antônio Joaquim Severino, na UFPR.
(O capítulo 12 tem o seguinte título: A atividade simbolizadora do homem: produção e organização da cultura. Também recomendaria, dentro da especificidade do tema, o capítulo 10. O homem, a natureza e o trabalho: a ordem econômica da sociedade e o 11. O homem na ordem política da sociedade: poder e dominação. Aliás, o livro de Severino é um dos melhores livros didáticos de filosofia de que dispomos. Deixo a referência: SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez Editora, 1997). Com certeza, existem edições mais novas.
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