quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

8 décadas. Carolina Nabuco.

Mary del Priore, com o seu Histórias da gente brasileira, volume 3. República. Memórias. 1889 - 1950, me levou ao livro de Carolina Nabuco, 8 décadas, como uma das memorialistas citadas em seu livro, das mais citadas, diga-se de passagem. Daí para a leitura, dois fatos me impulsionaram. A grande admiração que tenho pelo abolicionista Joaquim Nabuco e uma visão de oito décadas através de um olhar que certamente muito incorporou de seu pai.
Um tour por oitenta anos de vida. Memórias de Carolina Nabuco.

Joaquim Nabuco não foi apenas um abolicionista. Ele tinha um projeto de incorporação dos negros libertos ao todo social brasileiro, integrando-os ao mercado interno, com um projeto de educação e de reforma agrária. Além da abolição, também a obra desta escravidão deveria ser extinta. E esta, como vemos, persiste até os dias de hoje com extrema crueldade. Quanto a visão de oito décadas, um passeio simplesmente maravilhoso. Carolina teve um olhar bem construído e com muita perspicácia e humanidade observa o que ocorre no mundo, no triste e violento século XX. A geração que viveu duas guerras mundiais. O livro tem sete capítulos e um apêndice. Os fatos estão agrupados por décadas.

Creio que também podemos dividir o seu livro em duas partes. Primeiramente temos seis capítulos referentes à última década do século XIX e as cinco primeiras do XX. A segunda parte, de 1950 em diante, faz relatos mais pessoais, contando fatos de seu mundo interior e privado. O livro conta ainda com dois apêndices, com falas suas, uma sobre o lar de Joaquim Nabuco e outra, história de meus livros. A primeira edição do livro data de 1978. As datas limites de sua vida são as de 1890 e 1981.

No capítulo I, 1890-1900, mostra as revoltas internas do início da república, com grande destaque para a Revolta da Armada, quando seu pai, monarquista convicto, aguardava o retorno a este regime e para Canudos. Lembra do surto da febre amarela e dos famosos casos judiciais de Dreyfus e de Oscar Wilde. Este, um julgamento moral. A família se muda para Paris. No capítulo II, 1900-1910, descreve o clima cultural de Paris e a mudança para Londres. Observa os fatos internacionais da década, com destaque para a guerra dos Boeres e a revolução tecnológica, da máquina substituindo os cavalos. Vê os primeiros movimentos do transporte aéreo. Volta ao Brasil, com a febre amarela já derrotada e descreve o seu ingresso no mundo da literatura com Charles Dickens. A família passa a morar em Washington. O mundo da diplomacia.

No capítulo III, 1910-1920, as atenções se voltam para a morte de seu pai, indo então morar com a mãe, em Petrópolis. Descobre a literatura portuguesa através de Eça de Queirós e toma consciência da triste realidade social brasileira. Começa a escrever em português. Se escandaliza com o atraso do Rio de Janeiro e a absoluta falta de oportunidades para o ingresso no mundo do trabalho, a não ser, pela via do funcionalismo público. Fala da vocação religiosa de seu irmão, o sacerdote Joaquim. Descreve o ano de 1918, o ano final da guerra e o da febre amarela no Brasil. 1.100 óbitos em um único dia. Chegam ao Brasil as influências dos Estados Unidos e ela se maravilha com o gênio de Einstein. No capítulo IV, 1920-1930, o primeiro destaque vai para o ano do centenário, com a exposição internacional. A derrubada do morro do Castelo serviu de cenário, sob o custo de que a nossa história veio abaixo. Os locais da fundação da cidade desapareceram. Em 1929, após grande esgotamento, o livro A vida de Joaquim Nabuco é publicado.

No capítulo V, 1930-1940, o primeiro destaque vai para a Revolução de Vargas, iniciada pelos tenentes, emendando a seguir com a revolta de São Paulo, em 1932. Se mostra inconformada com a forma da escolha dos deputados classistas. Tinha alguém da família no meio. Fala da fundação do Partido Comunista e do surgimento dos integralistas e da ditadura do Estado Novo. Por algum tempo vai morar no Chile, que considera como a sociedade mais fechada da América do Sul. Poucas famílias controlam toda a economia. Descreve os costumes do Rio de Janeiro, o estourar da Segunda Guerra e as fragilidades de Chamberlain. No capítulo VI, 1940-1950, a guerra, obviamente, ocupa as suas primeiras reflexões. O rompimento da Linha Maginot e a retirada de Dunquerque são o tema mais constante. Mora uns tempos na Itália, onde inicia o seu livro sobre santa Catarina de Sena. Em 1948 morre dona Evelina, sua mãe. Mora uns tempos em Washington e, depois, novamente em Petrópolis.

No capítulo VI, 1950 em diante é que começa a diversificação do livro. Descreve a primeira década, contando da história da família e a origem da propriedade em que irá morar, junto com o irmão, já diplomata aposentado, no Rio de Janeiro. Aproveita este momento para opor o Rio de Janeiro de sua infância com o Rio de janeiro dos anos 1950. Nesta mesma casa também passara a sua infância. Os fatos políticos já não entram na abrangência das memórias deste período, passando então a falar dos velórios, de sua geração que se esvai, da chegada de sua velhice, em páginas memoráveis, às quais dediquei um post em separado e termina com belas reflexões sobre Deus em sua vida. Transcrevo o parágrafo final.

"Isso dito, não quero me perder mais em vagas imaginações. Deixo que essas minhas memórias se terminem com a simples afirmação da fé católica em que me conservei, graças a Deus". Se você tiver curiosidade a respeito de Carolina e de sua vida em família e de sua vida como escritora, atente para os dois apêndices, que se ocupam destes temas. Uma leitura simplesmente maravilhosa. Uma viagem de volta ao mundo, não em 80 dias, mas por 8 décadas.

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