quarta-feira, 22 de abril de 2020

Pedagogia da esperança - um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paulo Freire.

Assim que terminei de ler Cartas a Cristina - reflexões sobre minha vida e minha práxis, de Paulo Freire, iniciei outro livro seu, em que ele também re-memoriza grandes fatos de sua vida. Se em Cartas a Cristina ele o faz até o seu período do exílio, na Pedagogia da Esperança - um reencontro com a Pedagogia do oprimido, ele, além de retomar a sua vivência na cidade de Recife, onde efetivamente gestou o Pedagogia do oprimido, ele vai além, vai para Santiago do Chile, onde o livro foi escrito. Depois segue toda a trajetória sua e a do livro, pelo mundo afora.
Em 1992 Paulo Freire escreve Pedagogia da esperança, Nele tem um reencontro com a Pedagogia do oprimido.

Além da memória da gênese e escrita do livro, creio que o grande objetivo dele é o de fazer uma análise das críticas feitas, que vieram tanto da direita, quanto da esquerda. As da direita, geralmente infundadas, ele simplesmente perguntava sobre o teor da discordância e a que livros, especificamente, ele se referia. Normalmente o debate se encerrava aí. Quanto à esquerda, as críticas, de maneira geral, se referiam a três elementos da obra. Que ela teria um caráter idealista, que desconsideravam um quadro mecanicista da história e que ele falava de oprimidos e opressores e não de luta de classes. Questão de dogmatismos e ortodoxias. E a eterna questão: Para os oprimidos ou junto com os oprimidos.

Em torno do teor do livro e também dessas questões acima se deram muitas das andanças de Paulo Freire, mundo afora, em seus longos quinze anos de exílio, como também, depois de sua volta ao Brasil. Essas andanças lhe renderam inúmeros títulos de Doutor Honoris Causa (35 no total, segundo a Wikipédia), debates nas universidades e elaboração de projetos em torno de políticas educacionais populares e de alfabetização de adultos. Merece destaque especial o trabalho feito junto às ex colônias portuguesas da África, recém independentes do jugo colonial. No exílio Paulo teve uma rápida passagem pela Bolívia, em torno de quatro anos no Chile, uma rápida passagem por Harvard, para depois fixar sede na cidade de Genebra, junto ao Conselho Mundial de Igrejas.

Pedagogia do oprimido foi escrita no Chile, ao longo dos anos 1967 e 1968. Sua gênese remonta às observações feitas junto ao povo pobre de Recife e do interior pernambucano, junto aos camponeses chilenos envolvidos em projetos de reforma agrária e junto a negros e porto-riquenhos da cidade de Nova York. O próprio Paulo Freire sofreu a violência da fome e experimentou uma mudança de endereço do Recife para a então periférica Jaboatão, onde, confessa, beirou à indigência e lhe brotou a sua radicalidade. Reencontrou-se depois com os pobres, com seus trabalhos junto aos filhos de trabalhadores, trabalhando no SESI. Quando Paulo partiu para o exílio já era um intelectual formado, com o curso de direito, professor universitário e os títulos de doutor e pós-doutor.

A saída de Jaboatão se tornou possível graças a uma bolsa de estudos no Colégio Oswaldo Cruz, um colégio da elite pernambucana, tendo como contrapartida ser um aplicado aluno. Em sua biblioteca, nessa época, já se catalogavam 600 livros estrangeiros, fora os da literatura brasileira e de interpretações de Brasil. Por eles lia o Brasil e o mundo. Dialogou intensamente com os pensadores do ISEB. Não é estranho portanto, que escrevesse livros de tamanha profundidade como Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. Na saída para o exílio, Paulo já estava com seus 43 anos de idade.

Pedagogia do oprimido foi escrito de um fôlego só, dentro de uns quinze dias de férias. Tinha originalmente três capítulos. Por sugestões, o livro ficou descansando por mais de dois meses. Quando retomado, ganhou um quarto capítulo. O livro foi dado como concluído em 1968, quando Paulo dele tirou várias cópias. A primeira publicação é do ano de 1970, nos Estados Unidos, com publicação da Penguin Books. Antes de sua publicação no Brasil, em 1974, o livro já havia sido traduzido, além do inglês da primeira edição, para o espanhol, francês, italiano e alemão. O diplomata e político suíço Jean Ziegler fizera chegar uma cópia ao editor brasileiro Fernando Gasparian. A edição que tenho em mãos é de 1979.

O livro tem a seguinte dedicatória: "Aos esfarrapados do mundo e aos que nele se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam. É a Pedagogia do oprimido. O livro tem um prefácio singular e único, de autoria do professor Ernani Maria Fiori. Ele termina assim: "Em regime de dominação de consciências, em que os que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra e em que multidões imensas nem sequer tem condições para trabalhar, os dominadores mantém o monopólio da palavra, com que mistificam, massificam e dominam. Nessa situação, os dominados, para dizerem a sua palavra, tem que lutar para tomá-la. Aprender a tomá-la dos que a detém e a recusam aos demais, é um difícil, mas imprescindível aprendizado - é a 'pedagogia do oprimido'". Também li que o livro está inspirado na dialética do escravo de Hegel.
O meu exemplar da Pedagogia do oprimido data do ano de 1979. 11ª edição.

Como vimos, o livro tem quatro capítulos: 1.Justificativa da pedagogia do oprimido; 2. A concepção bancária da educação como instrumento da opressão. Seus pressupostos. Sua crítica; 3. A dialogicidade - essência da educação como prática da liberdade; 4. a antidialogicidade e a dialogicidade como matrizes de teorias de ação cultural antagônicas: a primeira, que serve à opressão; a segunda, à libertação. A libertação e a esperança a que ela conduz é a tônica que perpassa todo o livro. Deixo o último parágrafo: "Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar".

Da Pedagogia da esperança selecionei um parágrafo, um tanto longo, que, creio, sintetiza bem a defesa que ele fez do livro. O transcrevo:

"Na Austrália, sobretudo, tive a oportunidade de conviver com intelectuais que, no lado certo de Marx, alcançando por isso mesmo, corretamente, a relação dialética mundo-consciência, perceberam as teses defendidas na Pedagogia do oprimido e não o consideraram um livro idealista. Mas dialoguei também com quem, preso ao dogmatismo igualmente de origem marxista, mais do que minimizava a consciência, a reduzia a pura sombra da materialidade. Para quem pensava assim, mecanicamente, a Pedagogia do oprimido era um livro idealista burguês. Possivelmente, ao contrário, uma das razões que continuam a fazer este livro tão procurado hoje quanto há 22 anos é exatamente o que nele então levava certos críticos a considerá-lo idealista burguês. É a importância, nele reconhecida, da consciência, que, porém, não é vista nele como fazedora arbitrária do mundo; é a importância manifesta no indivíduo, sem que se lhe atribua a força que não tem; é o peso, igualmente reconhecido, em nossa vida, individual e social, dos sentimentos, da paixão, dos desejos, do medo, da adivinhação, da coragem de amar, de ter raiva. É a defesa veemente de posições humanistas que jamais resvalam em pieguismos. É a compreensão da história em cujas tramas o livro procura entender o de que fala, é a recusa a posições dogmáticas sectárias, é o gosto da luta permanente, gerando esperança, sem a qual a luta fenece. É a oposição já nele embutida contra os neoliberalismos que temem o sonho, não o impossível, pois que esse não deve sequer ser sonhado, mas o sonho que se faz possível, em nome das adaptações fáceis às ruindades do mundo capitalista". Páginas 244-5.

Neoliberalismo e pós modernidade são temas muito presentes em Paulo Freire ao longo dos anos 1990. Ele não tolera os fatalismos do anunciado fim da história, do fim da luta de classes e do fim das ideologias. Ele não aceita fatalismos e determinismos. Entre as críticas que Paulo reconhece é a linguagem machista contida no livro e a corrige - usando depois - sempre o masculino e o feminino em sua escrita. O livro é escrito num fôlego só, sem a divisão de capítulos. Tem notas explicativas de Ana Maria Araújo Freire e prefácio de Leonardo Boff. O livro é de 1992 e tem 333 páginas.   


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