Se o grande romance é aquele que mais consegue expor o ser humano em suas diferentes dimensões, não haverá dúvidas de que A consciência de Zeno, de Italo Zvevi, contempla esse quesito e, com certeza, frequenta a lista dos grandes romances da literatura universal. O livro foi lançado na Itália no ano de 1923 e traz dentro de si profundos reflexos da primeira guerra mundial. O cenário do romance é a hoje cidade italiana de Trieste, que na época pertencia ao império austro húngaro. O último capítulo do livro tem quatro datas, três de 1915 e uma de 1916. O livro demorou um pouco para ser publicado.
A consciência de Zeno. Biblioteca Folha. 2003. Tradução de Ivo Barroso.
A consciência de Zeno. Biblioteca Folha. 2003. Tradução de Ivo Barroso.
Italo Zvevo é o pseudônimo de Ettore Schmitz, nascido em Trieste no ano de 1861. Morreu em Motta de Livenza (Itália) em 1928, num acidente de carro. As dificuldades financeiras o levaram cedo ao trabalho em banco mas, já neste período, se dá a sua iniciação no campo da literatura. O sucesso só lhe veio quando James Joyce apresentou A consciência de Zeno a críticos literários franceses, que se encantaram com o escritor e recomendaram sua publicação na França. Zvevo foi aluno de inglês de Joyce e este passou a ser um grande admirador seu.
Em 1915, com a guerra, que o levou à inatividade, iniciou a sua carreira de escritor. A fama lhe veio com esse livro, após a recepção favorável pela crítica. Na orelha de capa do livro encontramos dois parágrafos bem ilustrativos da obra:
"Já no fim da vida, Zeno Cosini, um bem-sucedido empresário de Trieste (norte da Itália), decide fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista. Ali, deitado no estreito sofá, ele começa a dar conta de que toda a sua história, passada e presente, se compõe de pequenos fracassos: o casamento com uma mulher que ele não escolheu, o trabalho que não lhe agradava, as tentativas falhadas de parar de fumar ou de simplesmente mudar de rumo, ter outro destino. A lenta escavação dos fatos e das impressões pela memória é então submetida à visão implacável, irônica e às vezes hilariante de Zeno - que assim, de certa forma, consegue libertar-se da 'doença', mas não de suas neuroses.
Imediatamente aclamada por autores do porte do romancista James Joyce e do poeta Eugênio Montale, esta obra-prima de Italo Svevo (1861-1928) põe do avesso as distinções entre sanidade e loucura, sucesso e derrota, ao mesmo tempo em que expõe ao ridículo os valores da moral burguesa. Valendo-se de recursos próprios da psicanálise, como a livre associação de ideias, o romance faz ainda uma sátira da ciência criada por Freud - de quem Svevo, aliás, foi tradutor. É assim que Zeno chega à conclusão de que sua vida, afinal 'foi mais bela do que a dos assim chamados sãos'. Italo Svevo morreu cinco anos depois de alcançar a consagração literária com este romance".
O seu relato, profundamente autobiográfico, é relativamento longo. São 383 páginas de letra bem miudinha. Estou falando da edição da Biblioteca Folha (2003). Ele está dividido em seis capítulos, após um pequeno prefácio e preâmbulo. Nos capítulos são relatados os seus problemas: no primeiro o seu vício com o fumo; no segundo, a morte prematura de seu pai; no terceiro, a história meio trágico-cômica de seu casamento; no quarto, conta a história de sua relação com a amante, que assim como o cigarro, um milhão de vezes prometeu largar; no quinto, o mais trágico de todos conta as desventuras de uma sociedade comercial que manteve com o seu cunhado, que ao final das trapalhadas consegue cometer o suicídio. Já o sexto e último capítulo é dedicado a psicanálise.
Fiz algumas anotações no capítulo da psicanálise, o mais irônico de todos: A primeira é geral, sobre o tratamento. "Minha cura devia acabar porque minha doença fora descoberta. Era a mesma que em seu tempo o falecido Sófocles diagnosticara em Édipo: eu amava minha mãe e queria matar meu pai". A segunda reflete a sua decepção, quando procura um médico e não mais o psicanalista: "Dr. Paoli examinou minha urina em minha presença. A mistura coloriu-se de negro e o médico ficou pensativo. Era finalmente uma análise de fato, não uma psicanálise". Por fim ele diz que foi curado pelo comércio.
As últimas páginas, dentro do capítulo sobre a psicanálise, são dedicadas ao estouro da primeira guerra e a uma análise de seu tempo. Selecionei uma passagem, altamente profética sobre o futuro: "A vida atual está contaminada até as raízes. O homem usurpou o lugar das árvores e dos animais, contaminou o ar, limitou o espaço livre. Mas o pior está por vir. O triste e ativo animal pode descobrir e pôr a seu serviço outras forças da natureza. Paira no ar uma ameça deste gênero. Prevê-se uma grande riqueza... no número de homens. Cada metro quadrado será ocupado por ele. Quem se livrará da falta de ar e de espaço? Sufoco só de pensar nisso! E infelizmente não é tudo".
E uma última observação, que tomo de Bernardo Ajzenberg, contida na contracapa da edição da Biblioteca Folha: "O romance de Italo Svevo, não por acaso, é um daqueles nos quais o protagonista mais se desnuda. Ele expõe, a um tempo, com ironia e detalhes surpreendentes de tão ínfimos, não apenas o desencontro público e privado de um indivíduo sem eixo, mas também a decadência da classe e do período histórico que ele, sem saber, representa". Super recomendo.
"Já no fim da vida, Zeno Cosini, um bem-sucedido empresário de Trieste (norte da Itália), decide fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista. Ali, deitado no estreito sofá, ele começa a dar conta de que toda a sua história, passada e presente, se compõe de pequenos fracassos: o casamento com uma mulher que ele não escolheu, o trabalho que não lhe agradava, as tentativas falhadas de parar de fumar ou de simplesmente mudar de rumo, ter outro destino. A lenta escavação dos fatos e das impressões pela memória é então submetida à visão implacável, irônica e às vezes hilariante de Zeno - que assim, de certa forma, consegue libertar-se da 'doença', mas não de suas neuroses.
Imediatamente aclamada por autores do porte do romancista James Joyce e do poeta Eugênio Montale, esta obra-prima de Italo Svevo (1861-1928) põe do avesso as distinções entre sanidade e loucura, sucesso e derrota, ao mesmo tempo em que expõe ao ridículo os valores da moral burguesa. Valendo-se de recursos próprios da psicanálise, como a livre associação de ideias, o romance faz ainda uma sátira da ciência criada por Freud - de quem Svevo, aliás, foi tradutor. É assim que Zeno chega à conclusão de que sua vida, afinal 'foi mais bela do que a dos assim chamados sãos'. Italo Svevo morreu cinco anos depois de alcançar a consagração literária com este romance".
O seu relato, profundamente autobiográfico, é relativamento longo. São 383 páginas de letra bem miudinha. Estou falando da edição da Biblioteca Folha (2003). Ele está dividido em seis capítulos, após um pequeno prefácio e preâmbulo. Nos capítulos são relatados os seus problemas: no primeiro o seu vício com o fumo; no segundo, a morte prematura de seu pai; no terceiro, a história meio trágico-cômica de seu casamento; no quarto, conta a história de sua relação com a amante, que assim como o cigarro, um milhão de vezes prometeu largar; no quinto, o mais trágico de todos conta as desventuras de uma sociedade comercial que manteve com o seu cunhado, que ao final das trapalhadas consegue cometer o suicídio. Já o sexto e último capítulo é dedicado a psicanálise.
Fiz algumas anotações no capítulo da psicanálise, o mais irônico de todos: A primeira é geral, sobre o tratamento. "Minha cura devia acabar porque minha doença fora descoberta. Era a mesma que em seu tempo o falecido Sófocles diagnosticara em Édipo: eu amava minha mãe e queria matar meu pai". A segunda reflete a sua decepção, quando procura um médico e não mais o psicanalista: "Dr. Paoli examinou minha urina em minha presença. A mistura coloriu-se de negro e o médico ficou pensativo. Era finalmente uma análise de fato, não uma psicanálise". Por fim ele diz que foi curado pelo comércio.
As últimas páginas, dentro do capítulo sobre a psicanálise, são dedicadas ao estouro da primeira guerra e a uma análise de seu tempo. Selecionei uma passagem, altamente profética sobre o futuro: "A vida atual está contaminada até as raízes. O homem usurpou o lugar das árvores e dos animais, contaminou o ar, limitou o espaço livre. Mas o pior está por vir. O triste e ativo animal pode descobrir e pôr a seu serviço outras forças da natureza. Paira no ar uma ameça deste gênero. Prevê-se uma grande riqueza... no número de homens. Cada metro quadrado será ocupado por ele. Quem se livrará da falta de ar e de espaço? Sufoco só de pensar nisso! E infelizmente não é tudo".
E uma última observação, que tomo de Bernardo Ajzenberg, contida na contracapa da edição da Biblioteca Folha: "O romance de Italo Svevo, não por acaso, é um daqueles nos quais o protagonista mais se desnuda. Ele expõe, a um tempo, com ironia e detalhes surpreendentes de tão ínfimos, não apenas o desencontro público e privado de um indivíduo sem eixo, mas também a decadência da classe e do período histórico que ele, sem saber, representa". Super recomendo.
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