sábado, 31 de julho de 2021

Um novo lar na imensidão da mata. Memórias de Paul Ramminger. Imigrante de Mondaí - SC. Década de 1920.

Recebi do meu irmão, Hédio José, o mais velho entre nós, que acaba de completar 87 anos de vida, um presente valioso. Trata-se do livro Um novo lar na imensidão da mata - Reminiscências de Paul F. Ramminger, um imigrante alemão no oeste catarinense na década de 1920. O meu irmão mora na cidade de Mondaí, a antiga Porto Feliz, cidade retratada pelo livro. Porto Feliz foi colonizada essencialmente por protestantes e rivalizava com Porto Novo (Hoje Itapiranga), colonizada por católicos, com forte apoio dos padres jesuítas. Em Itapiranga se estabeleceram alemães oriundos das antigas colônias ou das primeiras colônias, das imigrações a partir de 1824, dos vales dos rios dos Sinos e Caí. A nossa família teve por berço a cidade de Harmonia, no vale do rio Caí.

Um novo lar na imensidão da mata. Oikos, 2020. Leandro Mayer, organizador.

O livro retrata a saga da família Ramminger, originária da Alemanha, da cidadezinha de Aldinger, que, conforme vislumbrei no mapa, se situa nas proximidades de Freiburg (Alemanha) e de Basileia, na Suíça. Faço a citação de Basileia porque ali se situava a Missão de confissão luterana, à qual pertencia Karl, o pai de Paul, o protagonista do livro. Karl se tornara pastor e trabalhou em missões de sua igreja na China. Por questões familiares, manutenção de sua unidade, veio trabalhar no Brasil, na localidade de Neu-Württenberg, hoje Panambi. Dono de uma personalidade forte, se desentende com a comunidade e decide se embrenhar em meio à floresta, às margens do rio Uruguai, na nascente localidade de Porto Feliz, a atual Mondaí (SC). Isso era no ano de 1921. Com uma coleção de selos e outra de moedas chinesas comprou duas colônias de terras, o equivalente a 48 hectares.

O livro é organizado pelo historiador Leandro Mayer, a partir das memórias escritas de Paul, que chega ao local, com apenas 11 anos de idade. Muitos e muitos sacrifícios! Saber grego, hebraico, aramaico e o Antigo Testamento quase de cor, além de seguir de ser adepto do pietismo, de pouco valeram para a derrubada da floresta, o corte da madeira e a sua transformação em tábuas e telhas para a construção de suas primitivas residências. Quando estas primeiras dificuldades, oriundas da natureza, foram sendo domadas, problemas de outra natureza aparecem, como a Coluna Prestes (1924) e a febre tifoide que assolou a colônia em sequência e consequência. Chegaram, inclusive, a participar da Revolução Constitucionalista de 1932 e, mais estranho ainda, ao lado de São Paulo. 

Mas nada se comparou com os sofrimentos passados ao longo dos anos de 1942 e 1943, período da Segunda Guerra Mundial, quando foram presos e torturados, unicamente por serem alemães. O alinhamento, por parte do governo Vargas, de alemão com nazista era praticamente automático. Não havia oportunidade para esclarecimentos. Conheceram as prisões da região e até de Porto Alegre. Um dos mais bonitos relatos é escrito por Erich, um dos filhos de Paul. Com a melhora da situação financeira da família, ele irá estudar em Panambi e depois em Porto Alegre. Lá cursou Ciências Econômicas na UFRGS. Revoltado com as injustiças do sistema capitalista, ingressou em movimentos clandestinos contra a ditadura militar, movimentos que abandona, após muitas advertências do pai, para se tornar executivo de uma das maiores empresas do capitalismo global. Chegou a ser o diretor presidente brasileiro do Thyssen-Grupp, trabalhando em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O livro termina com o legado histórico da família para a cidade de Mondaí e para toda a região do oeste catarinense, com a montagem de um museu.

O livro se estrutura, sempre tendo como base as memórias escritas por Karl, de Paul, na maior parte das vezes, e por seu filho Erich, em oito capítulos, recheados de notas dadas por Leandro Mayer, o organizador do livro, num memorável trabalho de contextualização. Eis os capítulos, não numerados no livro: I. Um novo lar na imensidão da mata!- Reminiscências de minha vida, escrito por Paul em alemão e traduzido  pelo filho Erich; II. 1876-1976: o centenário do pastor karl e Hedwig Ramminger, com base no texto de Paul e mais uma vez traduzido pelo filho Erich Centenário de Karl e Hedwig Ramminger; III. Um voluntário na Revolução Constitucionalista de 1932, com base no texto de Paul O diário do voluntário Paul F. Ramminger, com tradução de Gisela Dreger; IV. "Vítimas da nacionalização": repressão, prisões e torturas contra alemães, com base num depoimento de Paul para o Livro Colonização e desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina, de 1997, de autoria do padre Luiz Heinen;

V. "Balsas no rio Uruguai": um testemunho, um texto escrito por Paul, que relata as atividades de extração, transporte e comercialização da madeira com a Argentina; VI. Um ponto fora da curva: o conflito entre gerações. Trata-se do brilhante texto escrito pelo filho Erich, de suas aventuras estudantis em Porto Alegre e de seu envolvimento no combate à Ditadura Militar; VII. O legado histórico de Paul F. Ramminger. Trata da criação do museu e do acervo fotográfico deixado em Mondaí, fruto do zeloso trabalho na preservação da memória familiar, bem como da cidade, que ajudara a desbravar; VIII. O centenário da imigração da família Ramminger no Brasil. O adeus. Tem até uma narrativa de participação do casal Paul e Erika no programa Em nome do amor, no SBT, comemorativo às bodas de diamante do casal.

O livro tem ao todo 127 páginas, recheadas de memórias escritas, acompanhadas de um rico acervo fotográfico e de esclarecedoras notas de contextualização. Confesso que foi uma leitura extremamente agradável e de aquisição de novos conhecimentos e de contextualização e inserção dessa história local, com a história do Brasil e Universal. Todos os envolvidos na produção desse livro de memórias são merecedores dos melhores elogios por este brilhante trabalho de preservação de memória. E que vida! Que saga! São narrados os destinos de pessoas indomáveis e intrépidas. O livro é editado pela Oikos, de São Leopoldo. Essa editora se ocupa muito com o tema da imigração alemã. E para o meu irmão, os meus melhores agradecimentos pelo presente. Se não fosse por ele, provavelmente jamais teria tido acesso a este belo livro.

4 comentários:

  1. Histórias incríveis de aventureiros em busca de uma vida melhor . Vinham as escuras sem saber o que iam encontrar. E ainda assim vinham em busca de oportunidades de criar os filhos. Coincedentemente é a história dos meus antepassado escrita em um livro do professor José Boing que residia na colônia de Entre Rios próximo a Guarapuava

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    1. Meu amigo, creio que todos nós temos origens na saga desses pioneiros. Os meus mais antigos antecessores chegaram a cidade de São José do Hortêncio, no ano de 1828. Sofreram horrores. Agradeço a sua manifestação.

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  2. Respostas
    1. Sim, Nina. Uma vida de sacrifícios, inerentes ao pioneirismo. Um pioneirismo colonizador. Agradeço a sua manifestação.

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