terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Filho de Mil Homens. - Valter Hugo Mãe.

Sabes, pai, gosto de pensar que nunca mais vou ficar sozinho e que alguém há de ficar comigo para sempre sem me abandonar.

O Crisóstomo disse ao Camilo: todos nascemos filhos de mil pais e de mais de mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãs uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa em pessoa, que nunca estaremos sós (pág.188).
Ficha do livro: Valter Hugo Mãe. O Filho de Mil Homens. São Paulo: Cosac Naify. 2012. R$ 39,00.

Creio que esses dois parágrafos representam o ápice e a explicação para o título do romance do escritor angolano, radicado em Portugal, desde a sua infância. O nome do livro é O filho de mil homens. Recebeu de José Saramago o elogio de que com ele estamos a "assistir a um novo parto da língua portuguesa". Em 2007 recebeu o Prêmio Literário José Saramago e neste ano de 2012 o Portugal Telecom com o livro A Máquina de fazer espanhóis. Antes de romancista fora poeta. É também artista plástico e vocalista de banda de rock.

O seu nome original é Valter Hugo Lemos mas trocou o Lemos por Mãe, para lembrar, na figura da mãe, o amor incondicional. É formado em direito e pós graduado em língua portuguesa. Nasceu em 1971, estando portanto, com 41 anos, a mesma idade de Crisóstomo, o personagem principal do seu O filho de mil homens. O livro é um tributo à vida, em que nas suas diferentes passagens, sempre melhoramos. O filho de mil homens é o tributo a todos os que nos precederam

O livro se constitui numa hábil história de pessoas que não se encontraram na vida. O desencontro com a vida é representado pela solidão, pela infelicidade. São pessoas pela metade, que buscam se completar com o encontro com o outro. A dificuldade de encontrar esse outro reside nos inúmeros preconceitos, com os quais convivemos em sociedade. As pessoas pela metade, ou as pessoas sozinhas vão, no entanto, encontrando os outros, se completando e  ainda mais, transcendendo e assim encontrando a felicidade. O ápice desses encontros se dá no capítulo XV - O Crisóstomo amava por grandeza.

Mas vamos aos personagens centrais. Crisóstomo é um pescador que encontrou e identificou a sua solidão ao perceber que não tem um filho. Se sentia pela metade. Queria se sentir inteiro, ao ter um filho e ainda queria dobrar, se arranjasse uma mulher. O filho ele encontra em Camilo, um menino abandonado, filho de uma anã e que nascera, não fruto do amor, mas da solidão e da pouca resistência. Crisóstomo encontra Camilo quando ele tem 14 anos e representou uma festa para dentro de ambos.

A mulher é encontrada em Isaura, que buscara a liberdade no casamento e no que tinha entre as pernas, mas o moço nada sentia por ela. Era exclusivamente por ele. Isaura se tornou infeliz e rejeitada por pai e mãe por não ter encontrado casamento. Por ser infeliz era uma mulher que diminuía, que caía para dentro de si. Para remediar a sua situação casa-se com Antonino, um maricas, filho de Matilde. Antonino e Matilde são infelizes. Sofrem com os preconceitos. Ele por ser maricas e ela por não ter sabido educar o filho. O casamento é só fachada, consentida até pelo padre. Até Crisóstomo educa o filho Camilo no ódio ao Maricas.

Crisóstomo gosta de Isaura mas não gosta da presença de Antonino. A história vai se encompridando com novos personagens. Matilde tem em Rosinha uma espécie de ajudante, que por sua vez tem uma filha, Emília ou Miminha. Rosinha casa com o velho Gemúndio que quer companhia, mas muito interesseira, Rosinha morre no dia do casamento. Resultado: Matilde cuida de Gemúndio e também de Miminha.

Após encontros e desencontros, de destilar preconceitos e acima de tudo de superar preconceitos, Crisóstomo faz de sua casa um palácio e resolvem misturar as famílias num grande banquete e celebrar a felicidade, a felicidade de não ficarem sozinhos e de cada um assumir a sua condição. Naquele instante, nenhum dos convidados quereria ser outra pessoa. O Crisóstomo pensava nisso, em como acontece a qualquer um, num certo instante, não querer trocar de lugar com rei ou rainha nenhum de reino nenhum do planeta (pág. 169).

De aperitivo mais uma descrição mostrando a felicidade das pessas pelo encontro: Assim se fizera da casa de Crisóstomo um palácio. E, sorrateiramente, no coração do reticente Camilo também um lustre se ia pendurando e acendendo. Ao deitar-se, naquela noite, pensou que a família era um organismo todo complexo e variado. Era feita de tudo. Se era feita de tudo, o Antonino não seria coisa nenhuma de tão rara ou disparatada, seria antes o Antonino, a fazer a parte do Antonino no coletivo. Pensou que a ideia da Isaura de verem a casa como um palácio era de uma beleza humana que se impunha sobre a matéria, como uma ideia para cura de colesterol e melhoria de tetos. Se assim fossem todas as ideias, seriam todas as pessoas como príncipes e reis e viveriam agigantados pelas emoções. As emoções dão tamanhos. Porque, se intensificadas, passam as pessoas nos caminhos mais estreitos como se alassem de plumas e perfumes e pasmassem com elas até as pedras do chão (pag. 172-3).

Com a leitura de um livro desses dá até para acreditar numa das ideias do livro, que está enunciada na frase acima, de que a leitura cura o colesterol e de que os médicos deveriam pedir de seus pacientes, além dos exames clínicos, cobrança de leituras para que assim melhorassem a sua saúde.

2 comentários:

  1. Muito obrigado. Em breve comentarei A Máquina de fazer espanhois. Um detalhe, comprei este livro na Livraria Lello, no Porto, uma das livrarias mais bonitas do mundo.

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