quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Nunca se roubou tão pouco. Ricardo Semler fala sobre corrupção.

Desde o final do processo eleitoral, nunca se ouviu falar tanto em corrupção no Brasil, do que agora. A operação "Lava Jato", desencadeada pela Polícia Federal trouxe fatos e, sobretudo imagens, absolutamente inéditas neste país. Foram mostradas cenas em que executivos das maiores empresas brasileiras e diretores da Petrobras estão sendo presos e se mostrando dispostos a devolver dinheiro e, dinheiro graúdo. Para o senso comum sobrou a imagem de que "nunca se roubou tanto neste país". Esta imagem foi construída, acima de tudo, pela mídia brasileira, inconformada com doze anos de PT no governo e, diante de mais mais quatro, conquistados agora, nestas eleições.
O artigo de Ricardo Semler contradiz o senso comum. Nunca se roubou tão pouco.

Marx, entre as suas frases famosas, nos deixou uma, muito a propósito, da formação do senso comum. "Se a aparência fosse igual à essência, não haveria a necessidade da ciência". Lembro de outra imagem, que é do Saramago. Ele, no documentário de João Jardim, Janela da Alma, mostrando um belo lustre do Teatro de Lisboa, o mostra visto de frente, assim como é visto pelo público. Ele está lindo e maravilhoso. Depois mostra o mesmo lustre, só que de outros ângulos e perspectivas. Ele já não é o mesmo. Até sujeira acumulada aparece. Diante do fato, Saramago conclui: "Para conhecer, há que dar a volta". Em outras palavras: "A aparência não é igual à essência". Conclusão: para conhecer efetivamente uma realidade, é necessário investigar, apresentar dados e estabelecer comparações. "Há que dar a volta".

Assim vive o Brasil, em seu quadro de aparências. E eis que no dia 21 de novembro, na coluna Tendências e Debates, da Folha de S.Paulo, o empresário Ricardo Semler, nos proporcionou um mergulho na "essência". Mas, poderia se fazer a pergunta, quem é Ricardo Semler? Qual é sua credibilidade para falar do assunto, falar com propriedade?  No próprio texto Semler nos dá algumas indicações. Apresento outras.
Ao final dos anos 1980, Ricardo Semler ficou muito conhecido no mundo da administração das empresas, afirmando os princípios da gestão democrática. Virando a própria mesa.


Ricardo Semler é proprietário da empresa SEMCO, uma empresa que está no mercado há mais de 60 anos. Ela atua, conforme o seu site no "desenvolvimento e fabricação de agitadores, misturadores, moinhos e equipamentos de refrigeração". Num parêntesis explica: "torres de resfriamento, condensadores e resfriadores de líquidos - circuito fechado". Ainda consta que já instalaram mais de 20.000 equipamentos pelo Brasil e pelo mundo afora. Em suma a SemcoEquimpamentos é uma grande empresa, gigante mesmo.

Ricardo Semler ficou muito conhecido ao final dos anos 1980, quando escreveu sobre as experiências da empresa e a sua gestão - no livro Virando a própria mesa. Foi um tremendo sucesso. Tenho em mãos uma edição de 1999 e consta que é a 51º. Foi leitura obrigatória em todos os cursos de administração. Afinal de contas, uma empresa brasileira, de origem familiar, se transformara numa grande empresa multinacional.

O artigo de Semler possui 18 parágrafos. Nos dois primeiros ele fala da sua empresa e da relação com a Petrobras. Afirma que deixaram de vender para a petrolífera, já nos anos 1970 e que tentaram de novo nos anos 1980  e 1990 e, ainda, mais recentemente e, nada feito. Categoricamente afirma que era impossível vender sem propina e, afirma mais: "Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso".
O empresário Ricardo Semler em imagem recente.

No terceiro parágrafo vem a afirmação mais bombástica: "Os percentuais caíram. Apenas isso mudou". Cita até a importação francesa de petróleo e os cochons des dix pour cent. Os três parágrafos seguintes são dedicados ao quadro pós eleitoral brasileiro, ironizando as passeatas e os pedidos de volta dos militares. Santa hipocrisia, considera, - para logo depois perguntar - onde é que estavam estes envergonhados de hoje, nas décadas em que houve  evasão de divisas de mais de um trilhão de reais? E ironicamente constata que muitos dos que pretendem viver em Miami são aqueles que querem gastar lá, tudo o que sonegaram em impostos, aqui. Contesta ainda a vociferação contra os nordestinos afirmando ver com extrema simpatia o esforço empreendido em favor daqueles que historicamente sempre tinham sido preteridos. Orgulho para um bom brasileiro.

No sétimo parágrafo fala da sua condição de filiado ao PSDB, com ficha abonada por tucanos de alta plumagem como Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e Fernando Henrique Cardoso. É nessa condição, afirma, que se sente muito à vontade para constatar que a prisão de executivos de grandes empresas representa um avanço histórico para o país e no parágrafo de número oito, credita os méritos desse fato para a presidente Dilma, por ter dado total autonomia para a Polícia Federal, mesmo que a corrupção tivesse lançado tentáculos para dentro do próprio Palácio do Planalto. Um fato inédito.

Segue afirmando que votou pelo fim do ciclo do PT no governo, por causa de sua conivência com a corrupção e por divergências na condução da política econômica, mas que agora, a presidente Dilma deve ser vista como a presidente de todos os brasileiros e que o momento representa muita esperança. Isto está dito nos parágrafos nove e dez. Já nos seguintes volta ao tema da corrupção. No de número onze afirma que a corrupção também está instalada em outras empresas estatais e que é difícil vender  ou construir qualquer obra sem os "tentáculos sórdidos das empresas bandidas". Continua, agora atingindo o setor privado, acusando que também é difícil vender para as montadoras e incontáveis multinacionais, sem propina para o diretor de compras.
Logomarca da SEMCO, a grande empresa de Ricardo Semler.


Já no parágrafo 13 afirma que estes diretores certamente serão soltos em breve, mas que foi dado um passo firme e em frente e, sem volta - como país. A prisão é um marco histórico. E no parágrafo 14 elucida o título de seu artigo apresentando dados de quem monitora a corrupção global, apresentando os seus índices. O índice brasileiro atual é de 0,8% do PIB. Este já foi de 3,1 e de 5% há algumas décadas. Muito deste dinheiro, há décadas, financia a compra de votos no Congresso Nacional, afirma ainda o empresário.

Nas suas conclusões, um chamado para a consciência. Acusa que todos temos um dedão enfiado na lama, numa alusão ao volume morto e barrento da Cantareira. O temos - quando fazemos um pagamento sem recibo, quando oferecemos uma cervejinha como suborno ou quando vendemos uma propriedade com escritura em que consta um valor menor. Pede para deixar o cinismo de lado e que é preciso saber que o remédio para uma doença sistêmica precisa ser aplicado homeopaticamente, para todos os contaminados e não para apenas um partido. Conclui que "cada um sabe o que fazer para além de resmungar".

6 comentários:

  1. Prezado amigo ! Pedro Eloi Rech. Respeito as tuas ideologias. Ma esta afirmação! Não tem a mínima logica. Hoje os meios de comunicação, evoluíram.E o óbvio, não da para esconder em baixo do tapete o lixo, desta corja, que se intitula "PT".Acompanhei o tempo do Famigerado DOPS, incluindo,parentes a mim próximos. Este comando do Lula é no minimo,Exorbitante e inadmissível. O resultado é inconteste! O respeito, mas não há lugar para romantismo que justifique um outrora ideal. A realidade, não justifica se : roubou-se pouco.Como ,dizia meu avô! O tostão ou o milhão roubado por uma pessoa não o deixa de ser LADRÃO.

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    1. Se respeita a ideologia, devia considerar o trabalho e fazer o esforço de ler o texto sobre qual Eloi fala, poupando o trabalho de escrever tamanho comentário só para provar que não leu o texto em questão...

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  2. Sobre! pequenos roubos! Roubar um tostão ou um bilhão não deixa de ser um ladrão.

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  3. Lineu. Concordo que todo o roubo é um roubo e por isso abominável. O que o Ricardo Semler faz é estabelecer paralelos. A corrupção brasileira é meio institucionalizada, sempre houve o acesso a cargos públicos para fins privados. Não existe espírito republicano. Agradeço os seus comentários.

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  4. Oi Luiz, agradeço o seu obrigado. Realmente "A aparência não é igual à essência".

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